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29.12.05

dry/sarcastic; friendly; obscure

Pessoas mais inteligentes que eu já comentaram que o meu humor é um tanto obscuro. Ia dizer às vezes, mas achei que o Serviço de Proteção aos Eufemismos me multaria. Pelo visto não é só o humor - e tanto no caso do humor quanto de outros, isso é um pouco até deliberado, é o prazer da inside joke, mas é muito mais uma falta de capacidade de imaginar o que os outros vão saber (então torna-se enfadonho ou irritante explicar) ou não. Bem, e preguiça. E dificuldade de expressão clara.

Normalmente, eu explico se alguém perguntar, senão assumo que ninguém se interessa. No caso do último post, porém, parece que eu realmente não me expliquei bem MESMO. Então vamos lá:

Primeiro a epígrafe: ela é do livro Neuromancer, de William Gibson, a obra mais famosa de uma corrente da ficção científica chamada cyberpunk. O "sprawl" no qual muitos de seus personagens vivem é o continente norte-americano, transformado ao longo do século XXI numa única, feia e decadente megalópole. O nome também se dá ao desenvolvimento suburbano, que é o assunto do post, especialmente àquele desenvolvimento suburbano que, nos EUA, se inicia após a II Guerra Mundial, e que se baseia no acesso, através de uma densa rede de estradas de rodagem, a loteamentos residenciais de grandes proporções, em que casas grandes (entre 1.200 e 8.000 pés quadrados, a 9 pés o metro) ocupam o centro de terrenos até nove vezes maiores.

Nota - a Amazônia mencionada no post é, pra ele, irrelevante, e ter falado da sua devastação só serviu pra embolar a mensagem, de que o Brasil não é um país de "baixa densidade populacional," já que essa baixa densidade é resultado de se acrescentar à área povoada as extensões da Amazônia, responsável por metade da área do país e um décimo da população. Seria como se alguém dissesse que a Dinamarca tem baixa densidade populacional, contando a Groenlândia (e a minha barbada, como se alguém ao dizer isso tivesse aproveitado pra denunciar o preconceito contra os Inuit). A nota fica aqui porque a devastação da Amazônia é movida pelo mesmo fator que levou à expansão dos subúrbios americanos: terra barata. Com a facilidade de acesso criada pelo automóvel e pelas estradas construídas em ritmo acelerado durante a Idade de Ouro, ter um terreno de mais de 5.000 metros quadrados no subúrbio é mais barato do que ter um quarto-e-sala no centro urbano; muitos centros urbanos mais recentes, nos EUA, nem chegaram a se desenvolver por conta disso, sendo hoje uma bizarra construção em que meia dúzia de arranha-céus, numa área de talvez quatro quarteirões, emergem de um extensíssimo subúrbio. Um dos efeitos colaterais disso é que o custo baixo da terra leva a construções com materiais mais baratos, tentando ocupar o máximo de terra possível (também é a razão dos gramados; a grama demanda baixo investimento inicial, principalmente antes do deslocamento da população americana para o Oeste árido). Assim, uma quase-mansão americana pode ser toda feita de madeira de segunda.

O modelo suburbano americano é o que eu estou criticando aqui, e não o fato de alguém morar em casas ou no subúrbio. Com a maior parte da classe média morando em subúrbios, as cidades européias têm densidades populacionais muito maiores do que as americanas. Não é simplesmente uma questão do tamanho da área ocupada pela família propriamente dita; o acesso exclusivamente automobilístico significa uma área considerável de estradas dedicadas ao automóvel, e as localizações escolhidas por esses loteamentos são, frequentemente, escolhidas pela própria beleza natural que elas destroem. Qualquer dos elementos (condomínios isolados, distância do centro, transporte de carro, grande área individual, preferência por localizações cênicas) desse modelo é inteiramente legítimo individualmente, mas o fato de ele ser acessível a baixo custo gera problemas sociais, ecológicos e econômicos para a sociedade. O problema não é a casa, é a Barra.

No Rio, esse modelo não seria o das casas de subúrbio nos bairros servidos pela estrada de ferro, que são de média densidade populacional, servidos por transporte de média-alta densidade (trens de superfície com cruzamentos), com estrutura urbana (serviços, infraestrutura, etc) antiga. Pelo contrário; o abandono dos antigos bairros operários, a não ser quando a "gentrification" faz deles objetos de especulação imobiliária, é um dos maiores desperdícios da dinâmica urbana capitalista. No caso do Rio de Janeiro, chega às raias do ridículo que uma cidade com problemas de transporte, em que seus bairros burgueses são também vias expressas atoladas de ônibus, privilegie a expansão para uma área mal-servida de infraestrutura, isolada da cidade por um maciço montanhoso, enquanto uma rede de transporte sobre trilhos de uns 200Km é deixada á própria sorte e os bairros por ela servidos vão lentamente se convertendo em terra de ninguém.

É bem verdade, aliás, que o Rio não é um caso muito bom para se pensar o Brasil. Mesmo descontando as "cidades médias" das periferias metropolitanas, hoje a maior parte da população brasileira vive em cidades médias, que são também as que mais crescem - um crescimento que poderia, se um dia a especulação imobiliária aliada ao planejamento "estilístico" parassem de dar as cartas, ser uma pusta oportunidade em termos de planejamento urbano. O Rio é uma das duas megalópoles brasileiras, e nenhuma outra cidade do país parece ter ele ou SP no futuro avistável.

PS pro Guilherme: "Manhattans" se formam em ilhas ou outras situações em que o acesso para fora do centro urbano é difícil; é o caso do Rio e seus morros.

26.12.05

Sprawl

The sky was the colour of television tuned to a dead channel...


O Brasil é um país espaçoso. Fora algumas coisas pontuais, graças à megalomania hidrelétrica dos governantes e à informalidade empreendedora dos catadores, desperdiça muito de quase tudo. Uma dessas coisas é o espaço: As cidades brasileiras ainda têm densidades populacionais maiores do que as de países desenvolvidos em geral, mas isso se dá por falta de opção mais do que de vontade - jogando a renda na conta, o Brasil só perde para os campeoníssimos EUA, Austrália e Canadá, que abrigam 20 das 20 maiores cidades do mundo por área (a 21ª é Londres, depois tem mais norte-americanas e australianas, monstros em população como SP e Tóquio só aparecem lá pelos quarenta e tantos). Mas o país está no bom caminho para atingir a liderança.

A construtora MRV, especializada no segmento residencial, concluiu um programa de investimento de mais de R$ 20 milhões na compra de terrenos em 12 cidades nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Ao todo, são 125 mil metros quadrados de áreas que serão transformadas em 25 condomínios residenciais. Dez do total de projetos serão condomínios fechados de casas, um nicho no qual a empresa está apostando.

"A tendência da classe média é querer morar em casa", diz o presidente da construtora, Rubens Menin. Hoje, as casas já correspondem por cerca de 35% das vendas da empresa, que ficou conhecida no mercado pela construção de prédios voltados para a classe média baixa.

"Não vamos deixar de construir prédios, mas, na medida do possível, porque encontrar bons terrenos para construção de casas não é tão fácil, vamos investir cada vez mais neste nicho." Os novos condomínios residenciais serão lançados pela MRV durante o primeiro semestre de 2006.


E não custa lembrar que a idéia de que tem espaço sobrando no Brasil é falsa. São Paulo tem dois terços da população da França em metade da área; o Rio tem uma vez e meia a população da Suíça na mesma área. O espaço sobrando no Brasil, onde a devastação ecológica de um condomínio residencial (os maiores responsáveis pela destruição, nos EUA, da orla marítima) seria relativamente pequena, é lá nos confins da Amazônia, onde o Maggi, a Cargill e a Bunge vão grilando e transformando a floresta de transição e o cerrado em pasto de boi e plantação de soja.

24.12.05

Concurso de Miss

André, no Contra o Consenso, na lista de links aí do lado (que precisa ser atualizada) comenta sobre como, ao contrário do que querem os clichês, a opinião pública no Brasil não só é "business-friendly" como é muito mais simpática às empresas do que no país-referência, os EUA. É a impressão que eu tenho também, mas afinal essas impressões refletem ou não a realidade? Pois bem, sobre o mote usado pelo André, a Wal-Mart, fizeram uma enquete. O resultado é bem mais simpático à Walborg do que eu imaginaria, mas ela ainda é das corporações mais mal-vistas. Nada que se compare à Halliburton, claro.

23.12.05

Reincidência

Eu ia comentar que o alagamento de São Paulo não é notícia, que nos últimos anos São Paulo tá com a drenagem tão ruim que alaga se alguém esquecer a mangueira ligada. Mas aí li esta matéria sobre a deterioração das rodovias, e me dei conta de que, em matéria de notícia reincidente, nada leva a palma sobre isso. Nem "inflação/desemprego sofrem efeitos sazonais," nem "eventos periódicos acontecerão." Reclama-se de que o governo não mantém as rodovias a contento pelo menos desde a dinastia Han chinesa; imagino que, se soubesse mais sobre os sucessores de Alexandre, poderia empurrar isso alguns séculos pra trás, e não me surpreenderia se algum escriba egípcio ou sumério tivesse registrado lá "Maldito seja o faraó, semelhante aos deuses, pois que meus pés se acabaram na estrada mal conservada entre Tebas e Mênfis."

22.12.05

FOIA brasileiro?

Abrindo os arquivos.


Esperemos que os documentos brasileiros "liberados" tenham um pouco menos de tinta preta em "partes sensíveis" do que os da CIA. Que mesmo com toda a tinta preta permitiram que soubéssemos, por exemplo, que a teoria de conspiração esquerdista paranóica dos submarinos ao largo da costa brasileira, prontos pra apoiar o golpe, tava errada mesmo: não eram umas merrecas de submarinos, era uma Task Force inteira, com o USS Kitty Hawk de nau capitânea.

21.12.05

En Français dans le texte

Pra muita gente, com a ascensão da china ao posto de potência global, o Putonghua vai tirar o inglês do papel de língua global. Ou melhor, erroneamente falando do "Mandarim," já que o putonghua é apenas um dialeto de mandarim. Ou melhor ainda, acertadamente falando mandarim, já que "mandarim" referia-se originalmente à língua oficial (guanhua, na época) chinesa, não ao conjunto de dialetos (línguas) no qual ela se inscreve, que é o significado moderno. De qualquer jeito, à "língua da China."

Na minha opinião eminentemente ignorante: Claro que qualquer afirmação do vigor continuado de uma língua franca é arriscada; acho que não seriam poucos os que, até há relativamente pouco tempo, achariam estranha a noção de que o francês pudesse perder seu papel de língua franca entre os círculos diplomáticos, por exemplo. Mas aí é que está a questão: línguas francas não estão associadas diretamente ao vigor de uma potência hegemônica, mas a uma elite transnacional que por algum motivo fala aquela língua. A França foi central na Europa por muito tempo? Foi, mas nunca chegou a ser "hegemônica." A França de Richelieu e do Rei-Sol, no auge de sua força, nunca conseguiu expandir suas fronteiras, e não foi por falta de tentativa - as pessoas ficam impressionadas com Versailles, mas Luís XIV gastou seis vezes mais no exército do que na corte. O francês, no entanto, era falado, por vários motivos, pela nobreza européia, dos Pirineus aos Urais. Era uma língua de cultura, que não era necessariamente associada à França.

Do mesmo modo, o inglês, hoje - ou melhor, um pidgin English meio assustador - é uma língua que já perdeu a relação direta com os EUA (sem negar a continuada, e talvez crescente, irradiação cultural americana), e tomou o poder associado mais com uma nova elite (a mudança na constituição da comunidade científica, especialmente no pós-guerra, e a ascensão dos tecnocratas e administradores) do que com os Estados Unidos em si. A não ser que algo mude muito na subida chinesa, esta parece se dar reproduzindo a cultura "managerial," e não representando uma alternativa a ela.

Em tempos: o número de falantes nativos do putonghua ainda é relativamente exíguo. Uma das maiores zonas onde se concentram é Taiwan, porque a República da China sempre foi mais, ahan, insistente quanto ao seu uso do que a República Popular da China. Inclusive, enquanto putonghua significa "língua comum" (no sentido de língua franca, que nem no Tolkien e outros mundos de fantasia derivados), em Taiwan o nome é guoyu, "língua nacional."

Sugestão

Se, ao invés do ministro Marco Aurélio de Mello, puséssemos um chimpanzé no banco, e garantíssemos que os interesses da parte mais rica em qualquer ação fossem preservados (os interesses daqueles com mais de uma certa quantia, em ações criminais ou contra o Estado), economizaríamos dinheiro com o salário dele, e as sentenças seriam as mesmas.

19.12.05

Jesus Christ Supermona

Luiz Mott, líder do Grupo Gay da Bahia, ficou famoso por dizer que Zumbi era gay. Apesar de já ter, realmente, produzido coisa que até prestava sobre história das questões de gênero e sexualidade, ele agora dá a prova de que pirou de vez:

Jesus Cristo era Viado

Arriscando chutes

O lado ruim das coisas boas, ou o lado bom das coisas ruins:

A queda no número de alunos do ensino médio guarda uma correlação muito forte, por estado, com a evolução do caged. Estados em que a economia não-agrícola cresceu mais, com a reativação do mercado interno (inclusive graças ao tão mal-falado bolsa-família, que gerou empregos de serviços no Nordeste e na indústria paulista) tiveram maiores quedas no ensino médio; foram 137.000 a menos no Brasil inteiro, 131.000 a menos em SP.




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O fim dos subsídios agrícolas, anunciado num acordo para "salvar" a reunião da OMC - o único grupo de lobby do mundo que também julga governos - ainda vai criar muitos sem-terra mundo afora. Vai, também ajudar a acabar de vez com o cerrado, e boa parte da Floresta Amazônica e de outros ecossistemas tropicais.


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Fazer o Brasil ser condenado pela ONU, com a possibilidade de sofrer sanções ao estilo da África do Sul do Apartheid, não vai prejudicar as chances eleitorais do Alckmin. Bandido bom é bandido morto, e a solução para o crime no Brasil é diminuir a idade da maioridade penal. Deixa pra lá que, ao contrário da imagem popular, apenas uma proporção ínfima dos crimes graves seja cometida por menores.

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Colin Powell é candidato.

14.12.05

Declarações pra se comemorar

Uma de verdade: enquanto se discute sobre a transposição do São Francisco, o programa de cisternas do governo federal, que é muito mais importante do que ela no sentido de assegurar um suprimento de água para o semiárido (ênfase no semi), vai acabar o ano tendo passado da marca de cem mil cisternas, cada uma capaz de garantir água pruma família de seis durante a estação seca. Muito aquém da meta de um milhão até 2006, pelo visto, mas pode ser que chegue a 300.000, o que já quer dizer quase dois milhões de pessoas livres da seca.


Outra de fantasia: o governo federal prometeu construir um trem de alta velocidade entre o Rio e São Paulo. Por enquanto, é tão fantasia que as estações-terminais propostas são a Central e a Luz, que já estão abarrotadas, e a velocidade anunciada é de trem de planície. Apesar de já existir um estudo do Ministério dos Transportes, patrocinado pelo governo alemão (em troca de uma vantagem pra Siemens na hora de se comprar os trens), para um corredor Rio-SP-Campinas de alta velocidade. Com términos na Leopoldina e numa estação nova a se construir na Barra Funda.

12.12.05

Chorando de barriga cheia

Quando se fala em marketing, são comuns duas posições quase opostas. Uma atribui ao marketing em si - portanto ao discurso deliberado - o poder de criar noções; a outra reza que o bom marketing diz o que o alvo quer ouvir. As duas noções só se tornam erros se absorvidas e repetidas como o resumo da atividade. O convencimento ajuda a influenciar as pessoas dentro de um campo de possibilidades; e esse campo de possibilidades não é pautado tanto pelo que se quer ouvir quanto pelo que se considera plausível - as duas coisas só são sinônimas no caso de seguidores de Olavo de Carvalho e outros eloi avant la lettre.

E desse modo as forças armadas brasileiras, no seu carpir eterno, conseguiram estabelecer um consenso nacional. Estão à míngua, coitadas, oprimidas pelo medo ou revanchismo dos governos civis. Fora a explicação politizada, a reclamação é uma constante dos exércitos em todo o mundo. De certa forma, é comum a toda burocracia - nenhuma delas tem os fundos para fazer tudo aquilo que se propõe, e no caso dos exércitos houve de fato uma diminuição no gasto militar dos últimos anos. Até o Pentágono, sentado sobre uma montanha de dinheiro maior do que o PIB da Espanha, queria mais.

No caso das forças armadas brasileiras, a choradeira tem um pequeno probleminha: os "investimentos" (a imprensa brasileira tomou gosto, não sei influenciada por que ou quem, por um maniqueísmo entre investimentos virtuosos e gastos correntes maléficos), no sentido puro das FA brasileiras durante o período FH foram superiores - principalmente em termos de capacidade de defesa efetiva, ou seja, excluindo sandices como a corrida nuclear, ganha pela Argentina - aos feitos durante a ditadura. Mesmo descontando os milhões de dólares roubados pelo PSDB, o SIVAM representou um investimento inicial de 1.4bn, e investimentos anuais de centenas de milhões - equivalente, uma vez que você considere a diferença de 15x entre o PIB brasileiro e o americano, ao tão (mal)falado programa de defesa balística do Bush, para comparar dois sistemas de bases de rastreamento e aparato auxiliar. O também bilionário - e controverso - programa Calha Norte foi reativado pelo FH e intensificado pelo Lula. A Marinha ganhou um porta-aviões operacional, e promessas à ela e à força aérea de comprar caças de combate novos - promessa descumprida por conta da troca de governo, mas em compensação Lula aumentou o soldo.

Tanto na comparação com outros ministérios brasileiros quanto na comparação com outros ministérios da defesa na Europa e Américas, as forças armadas brasileiras aumentaram na última década, não encolheram. É verdade, encolheram como proporção do PIB brasileiro - segundo o SIPRI, os gastos militares brasileiros oscilaram em torno de 3% do PIB durante a década de 80, em torno de 1,9% durante a de 90, de 1,6% durante o governo Lula. Mas boa parte desse encolhimento pode ser creditado ao abandono da bomba atômica, e depois do corte fundo do Collor - de 3,3 em 89 pra 1,4 em 91 - a tendência tem sido estável. E sempre associada ao comportamento da economia brasileira - se tem crise, sensatamente baixa-se o gasto militar. Enquanto isso, na Argentina o gasto, que já era menor que o brasileiro, mesmo proporcionalmente, tem apresentado uma queda leve mas consistente ao longo da década. O México, que enfrenta uma rebelião, não variou o gasto, mas em compensação ele não passa de zero-vírgula-cinco por cento do PIB - um terço do gasto brasileiro. O Canadá, terceira potência militar das Américas, também caiu consistentemente ao longo da década, de 2,0 pra 1,2. Até os EUA gastavam a mesma coisa em dólares, uma proporção muito menor do PIB, em 2004 que em 88.

Mas faz sentido a explicação de que elas estariam à míngua. E realmente elas não estão perfeitamente aparelhadas para sua missão - nem se você imaginar que sabem qual é essa missão, porque pra defesa territorial ou patrulhamento costeiro o uso de um porta-aviões é questionável, pra dizer o mínimo. Se bem que nem os milicos, deixando de lado a propaganda, levam a sério a possibilidade de o Brasil entrar em guerra. Se levassem, a esquadra de guerra não estaria no Rio e os draga-minas em Salvador.

11.12.05

Tomara que seja factóide

Hugo Chávez gosta de factóides. Nem poderia ser de outro jeito um cara que tem que administrar a dicotomia entre ser bête noire do grande satã e dono da segunda maior rede de postos de gasolina dos EUA. Por isso, dá pra ter alguma esperança de que o gasoduto apresentado como Grande Obra durante a adesão da Venezuela ao Mercosul seja só um factóide mesmo. Ainda mais que, por mais fundos que sejam os bolsos da PDVSA, 30 bilhões de dólares (fazendo a conta-padrão pra grandes obras de infraestrutura sobre o preço anunciado) num projeto de viabilidade econômica duvidosa, ligando duas regiões produtoras ao longo de milhares de quilômetros sem consumidores, acho que só o governo americano banca, e olhe lá.

E tem que rezar pra ser só factóide. O gasoduto anunciado iria cortar a Gran Sabana, a Amazônia e o Pantanal ao meio. Três regiões a perigo, concentrando boa parte dos índios que sobraram na América do Sul, fora da área do índio-campesino andina. As obras auxiliares de infra que seria razoável associar a ele abririam, segundo estudo do Imazon, mais de 265.000Km2 de floresta à exploração pecuária, por baixo - o equivalente a dez anos de desmatamento recorde, uma área maior do que o Reino Unido. Na conta mais "otimista," com controle da aftosa e pavimentação das rodovias brasileiras, quase um milhão de quilômetros quadrados, mais do que a área da própria Venezuela.

Se é pra anunciar grandes obras simbólicas, sou mais uma "Smithsonian do Mercosul." Imagina o que não ia dar pra fazer de museu e universidade com essa grana? Se puser em Asunción, transformava o Paraguai de economia do contrabando em centro tecnológico e cultural.

9.12.05

O espetáculo do crescimento de verdade

...é o da paranóia carioca. Tudo bem, brasileira, mas especialmente carioca. Incentivado pelos "especuladores" de sempre. A ALERJ acaba de aprovar lei prevendo a instalação de detectores de metais em ônibus e estações de trem, metrô e barcas, com multa de 10.000 UFIRs por dia por detector "faltando" pras empresas que não obedecerem. Enquanto essa praga é imposta com tanta veemência, a lei que prevê que míseros 10% dos ônibus sejam adaptados para deficientes físicos continua sendo tão respeitada quanto o teto de 12% para os juros da constituição. Desde que parei de morar na rota do 472, não vejo um ônibus adaptado há anos.

Pensando bem, faz todo o sentido. Cadeiras de rodas iam acionar o detector de metais.

8.12.05

Jornalistas e Matemática

PQP

Escrevendo para O Globo sobre a nova fórmula do Banco Mundial para contar a riqueza nacional, José Meirelles Passos consegue fazer uma confusão entre PIB e renda per capita de envergonhar aluno de geografia da oitava série primária.

Vamos lá, Zezinho: PER CAPITA significa dividido entre todos os habitantes do país. Em nenhuma conta de renda per capita o Brasil foi algum dia "o mais rico da América Latina" ou "a décima primeira maior economia do planeta."

7.12.05

Povos do Livro na era da Pesquisa de Opinião



Observações:

Algumas das diferenças podem ser atribuídas a padrões de resposta genéricos para as diferentes culturas nacionais, de interpretação do entrevistado do que sejam as cinco categorias (muito positivo a muito negativo) do questionário. Assim, os EUA tem menos gente contra e menos gente a favor da mesma religião que os europeus. Mesmo com essa ressalva, os números de "contra," principalmente contra muçulmanos na Alemanha e Holanda, são assustadores. Previsivelmente, anti-semitas grassam na Alemanha, Rússia, Polônia e Espanha.

Infelizmente, a pesquisa não decupa os anti-semitas franceses ou canadenses, mas dá pra chutar a origem de parte deles baseado nos números dos países islâmicos - até o Marrocos e a Indonésia, em pólos opostos do mundo islâmico, e ambos distantes em todos os sentidos da situação palestina, são alarmantes. Não que falte anti-semita "tradicional" no Canadá ou na França.

O resto da pesquisa, com muito mais coisa interessante, tá aqui.

6.12.05

Das Eisenoctopus

Enquanto foi estatal, a Vale do Rio Doce nunca se constituiu em monopólio. Estava até meio removida da estrutura produtiva nacional: era basicamente uma produtora de minério para exportação, com uma estrutura logística dedicada. Uma estrutura logística dedicada sem tamanho, diga-se - os terminais da Vale em Vitória e São Luís são ambos maiores do que o porto de Santos, pelo critério de toneladas de carga movida, e o conjunto Vitória-Minas/Porto de Tubarão (Vitória) já transportava boa parte do minério de terceiros para exportação.

Foi privatizada em um só lote (o que, por conta da falta de capital disponível no Brasil para comprar uma empresa desse tamanho, significou "privatizada de graça"), e desde então tem agido como seria natural uma empresa com a geração de caixa que tem agir: comprando as concorrentes, tanto na área de mineração quanto na de logística. A Vale, hoje, é quase monopolista na exportação de minério de ferro, e somou às suas estradas de ferro a FCA e uma participação de 40% na MRS (a segunda, menor, é também mais importante, porque liga, em bitola larga, os principais centros industriais do Brasil). Isso permite, entre otras cositas más, que ela jogue pesado com as mineradoras que sobraram e siderúrgicas, o que fez com que o preço do minério de ferro brasileiro se aproximasse do preço internacional.

Agora, a empresa considera mais um passo no caminho do monopólio logístico, a compra da Brasil Ferrovias.

4.12.05

À moda antiga

Num documentário da Sandra Kogut, em que ela narra a própria busca por passaporte e nacionalidade magiares, uma coisa que chama a atenção é o antisemitismo que aparece na Hungria. Um antisemitismo à moda antiga, bem Old Country, sem nenhuma relação com Israel ou política. Quase pitoresco, nos dias que correm.

Coisa estranha: tanto os defeitos (como o anti-semitismo) quanto as qualidades (a leitura, ou a ida a concertos) da humanidade do entreguerras foram preservados pelo comunismo. É estranho, estranhíssimo, que um movimento que, logo após a revolução, incluía aqueles que pregavam por uma nova humanidade, que se propunha mudar tudo, virou ao invés disso um formol dos povos. O comunismo trocou Malevitches e Tretiakóvs, Maiakóvskis e Bulgakovs, pelo academicismo, trocou o antinomismo por um oficialismo de deixar assustado Felipe II. Com direito à perseguição de homossexuais, judeus, ciganos, tártaros, povos nômades, etc etc etc, mas o essencial dessa perseguição é menos o horror dela do que a falta de imaginação. Stálin foi mais um Czar, a China "comunista" paga ao Zhang Yimou pra resgatar a imagem do Primeiro Imperador.

E não, eu não consigo achar que esse formol dos povos, que nos dá a oportunidade de - mais ou menos - viajar ao passado indo a Cuba ou à Europa Oriental, fosse predestinado.

Última observação - é estranho que o cyberpunk não tenha nascido em países comunistas. Tem tudo a ver. Se bem que referências a samizdata e visões de Magnitogorsk abundam na literatura - um filho de espírito não precisa ser filho do solo.

3.12.05

O fardo do homem branco

A República Francesa, sob a liderança do facho Sarkozy, não quer que falem mal dela.

E o que mais me assusta é que, no embate entre um Sarkozy assumindo o lado nazi e um Villepin tentando sair da canalhice habitual para posar de Estadista da República - um papel bem mais aceito na França de Richelieu e Talleyrand do que em outros lugares - o Sarkozy ganhou a parada. Sem pudores de aliciar eleitor da FN.

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Voltando ao assunto específico dos pieds-noirs, taí mais uma demonstração de que a história não se presta a uma narrativa com bonzinhos e malvados. Afinal, os milicos argelinos - que alimentaram o fundamentalismo na base da botinada - promoveram a sua própria limpeza étnica. Assim como, na Europa Oriental, milhões de alemães foram mortos ou expulsos depois da II Guerra (e, na Polônia, o governo local tentou completar o serviço de Hitler com judeus e ciganos). Etc etc etc.

29.11.05

Serra faz escola

No Globo:


Os 55 mil alunos das 132 escolas municipais de Petrópolis vão ajudar a pagar a conta dos uniformes e material distribuído gratuitamente pela prefeitura. Na última sexta-feira, o prefeito Rubens Bomtempo sancionou a Lei municipal 6.298, que autoriza a propaganda de empresas privadas ou públicas nos uniformes, desde que eles sejam doados para a prefeitura. Estão vetadas propagandas político-partidárias, que atentem contra a moral e os bons costumes, de jogos de azar e de empresas ligadas a fabricação, distribuição, venda ou publicidade de fumo ou bebidas alcoólicas.

Detalhe: Rubens Bontempo ganhou, em 2004, o título de "prefeito amigo da criança." Imagina se não fosse.

20.11.05

A Festa da liberdade



Por que será que o Berlusconi não prestigia a prata da casa?

Back to the Future

Ou melhor, de volta a 1933. No Globo:



Roberto DaMatta, PhD em Brasil, diz que Gisele tem um tipo mais “apolíneo”. Mas acha que a supermodelo tem um riso e um glamour que são brasileiros.

DaMatta reconhece que o homem brasileiro prefere mesmo uma mulher mais carnuda, de bumbum farto. “Este gosto tem a ver com a nossa herança. Fomos criados comendo paçoca, torresmo e mamando nos seios fartos de negras.”

18.11.05

The Village that Voted the Earth was Flat

Em tempos de criacionismo galopante, do Rio de Janeiro ao Kansas à Turquia, saudades do conto do Kipling.

Atenção para a passagem em que a febre aftosa faz uma breve aparição. Kipling era atual paca.

Meu momento neoliberal II

Bom, III talvez, se contar a proposta de quebrar a Petrobras. Enfim: apesar do espetáculo da caça às bruxas, a preocupação com as deficiências logísticas brasileiras é um tema mais ou menos constante. Entre os problemas apresentados está a distribuição entre modais dessa logística: o Brasil teria caminhões de mais, e caminhões são o meio de transporte menos eficiente, logo mais caro e poluente, depois do avião.

Como eu já disse lá no post sobre poluição, essa situação é em parte derivada de fatores históricos, em parte geografia mesmo - boa parte das vantagens de ferrovias e hidrovias são anuladas pela topologia brasileira, que põe uma barreira formidável entre o planalto e o litoral, e enche os rios de cachoeiras. Mas existem, no momento, dois fatores principais privilegiando o caminhão sobre o trem, a balsa ou o navio:

1) O custo de capital. Caminhões são mais baratos do que ferrovias e navios; ergo se pagam mais rápido; ergo, no país em que os juros não descem a um dígito desde 1980, são mais baratos ainda. Se alguém nesse país ainda não reclamou dos juros altos (tudo bem que alguns precisando de investir em óleo de peroba para fazê-lo), desconheço. Mas esse não é o ponto a que quero chegar.

2) O óleo diesel é objeto de uma política de preços que funciona como um subsídio de valor difícil de determinar, mas bilionário. Ora, o preço do óleo diesel é justamente o maior incentivo para que se invista num meio de transporte mais eficiente (ie que gaste menos óleo diesel). Se você gasta dinheiro público para torná-lo mais barato, está diminuindo o valor da eficiência no transporte, e aumentando a competitividade de ônibus e caminhões contra trens, balsas e navios. Aumentar os preços do diesel é quase um free lunch: o governo fica com mais dinheiro, e assim leva a uma situação melhor.

O "quase" fica por conta da necessidade de dosar esse aumento de modo a minimizar o efeito sobre a inflação.

17.11.05

Its structural perfection is matched only by its drabness

Sigourney Weaver deveria calçar umas luvas de jardineiro: líquens podem sobreviver - e até se dar bem - no vácuo interplanetário. Antecipando, talvez, uma "previsão" do escritor de SF David Brin: a de que o nome "verde," no futuro, não se refere a ambientalistas, pois que o ambientalismo teria ou se integrado à Weltanschauung corrente ou se radicalizado junto a outras formas de preservacionismo, mas àqueles que desejam fazer do sistema solar um jardim (e foda-se se existe algum tipo de precária vida nativa em Marte, Vênus ou Titã.)

15.11.05

Mudando o foco do debate

Stiglitz parece incapaz de evitar a tentação de transformar uma resenha em libelo. Tudo bem pra mim, que gosto do libelo...e, afinal de contas, ele ainda faz uma boa resenha. Passando ao meu próprio Leitmotif cito o trecho abaixo:


In short, the debate should not be centered on whether one is in favor of growth or against it. The question should be, are there policies that can promote what might be called moral growth -- growth that is sustainable, that increases living standards not just today but for future generations as well, and that leads to a more tolerant, open society? Also, what can be done to ensure that the benefits of growth are shared equitably, creating a society with more social justice and solidarity rather than one with deep rifts and cleavages of the kind that became so apparent in New Orleans in the aftermath of Hurricane Katrina?

9.11.05

Perdeu, preibói

A Lúcia Malla, aí na lista de links do lado, faz um post bonito sobre animais extintos ou quase. Apesar de achar o post bonito, eu tenho que confessar que discordo do espírito. Explico: assim como a morte de um dos milhões de pessoas que morreram este ano e que me eram desconhecidas não me toca, a extinção de uma espécie em particular, com exceções pessoais e afetivas, como o golfinho do Yangze, não me assusta. Espécies vivem entrando em extinção por algum motivo. O assustador, no caso, é o conjunto da obra, é sermos um evento de nível de extinção. Como uma guerra; a morte de milhões não é, como queria Stálin, uma estatística.

Já a morte de ecossistemas me assusta mais. Inclusive porque, como um genocídio, ela comporta dentro de si muitas mortes. Pois o Brasil tem uns prontinhos pra entrar no Vernichtungslager, ainda mais se "o Brasil" ganhar as negociações na OMC, com a ajuda da Oxfam.



“Para São Paulo, os campos de altitude e as florestas acima dos 1,2 mil metros tendem a desaparecer. As matas de araucária também deverão sofrer uma redução drástica em seus limites”, disse. Se a situação já está ruim para a região das serras paulistas, rumo ao interior, para o ecossistema Cerrado, ela pode piorar ainda mais.

Os impactos das mudanças climáticas sobre o Cerrado são difíceis de prever, entre outros motivos, por causa da grande fragmentação desse tipo de formação.

“Hoje, existem 8,5 mil fragmentos de Cerrado em São Paulo, dos quais apenas 20 têm mais de 500 hectares”, disse Joly.

Segundo ele, essas áreas maiores são consideradas suficientes para preservar a sobrevivência, em se tratando de grandes vertebrados, de apenas um casal de lobo guará, por exemplo.

6.11.05

Advogado do diabo

Bem, não é o diabo, mas é quase. O Globo noticia que a arrecadação do Rio foi uma das que menos cresceram nos últimos anos, e faz uma crítica nem tão implícita ao governo Garotinho. Só que o crescimento da arrecadação paulista foi praticamente igual ao fluminense.

Fora isso, ué, agora arrecadação crescer é bom? Cadê os editoriais e míriam leitões falando da sanha arrecadatória?


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Se eu fosse um pouco cínico, diria que a jacquerie em curso, contrastada com as notícias de "tensões raciais" entre caribenhos e pakis na Grã-Bretanha, rednecks e hispânicos nos EUA, deixa margem à avaliação de que o multiculturalismo realmente é muito melhor. Divide et impera.


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Ainda não vi um mísero artiguete na imprensa brasileira falando do caixa 2 do Partido Liberal canadense, alimentado com verba pública. Tá, o Canadá não é tão importante assim, mas no mínimo serviria como um antídoto ao gosto de jabuticaba.

Malo

E não é que tem algo que presta no Grammy Latino? Estranhíssimo. Aliás, a própria figura da cantora é a coisa mais ambígua que já vi na vida - é difícil saber se é homem ou mulher, linda ou feíssima, masculina ou feminina.

4.11.05

Nightsticks make the world turn around, the world...

A BBC comenta que os jovens beurs acusam a polícia francesa de ser "racista e truculenta." Bem, a polícia francesa, a brasileira, a espanhola, inglesa, americana, alemã, sueca, russa, japonesa, chinesa, australiana, paraguaia, sul-africana...deve existir algum lugar aonde racismo e truculência não estão associados à prática policial, mas eu não conheço. Tô postando isso aqui com tempo roubado, então não vou ficar procurando link, mas eu lembro de episódios específicos ou relatórios apontando racismo e truculência da parte de todas as polícias mencionadas.

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Por onde Bush passa a grama não cresce. Graças a Deus ele só corta árvores quando o país é um país africano pobre mesmo, mas barrar as pessoas de circular em suas próprias ruas é direito de todos, sejam franceses, argentinos ou ingleses.

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Seja o crime seja o terror, sempre haverá alguma desculpa pra te tirar um direito. O terror tá na moda.

Casas do Futuro

Você prefere a de barro ou a de vidro?

2.11.05

Artesiano

Acho que as pessoas têm, a princípio, o direito de se dar mal. De não querer usar cinto por razões fúteis às testemunhas de Jeová que não aceitam transfusões por motivos religiosos.

Querer preservar uma doença sexualmente transmissível, de efeitos horrendos, pra que isso sirva de cinto de castidade, não é a mesma coisa. É nojento. E eu que achava que as campanhas deles pelo criacionismo e congêneres eram o fundo do poço. Honestamente, em termos de reação instintiva, gut feeling, isso me assusta mais do que tacar fogo em clínica de aborto, no WTC ou no Omar Sharif. Ameaçar de câncer a sua própria filha é...

1.11.05

Lágrimas de Portugal



A edição presente da Saudi Aramco World fala do mar. Em geral, a revista é a prova de que nem todo o lucro dos 10.000.000 de barris de petróleo a 60USD cada é desperdiçado, mas achei o assunto de "hoje" (a revista é bimestral) maneiro. Falando na Saudi Aramco, um aviso pra quem achou absurdo o lucro trimestral de 10bn da Exxon, que os congressistas americanos pensam em submeter a uma "windfall tax": o custo de extração deles é de 3USD o barril. Mais frete, exploração, tudo, dá no mínimo 40USD de lucro por barril. 400 milhões de dólares por dia. 36 bilhões de dólares em um trimestre de noventa dias.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal.
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantas filhas em vão rezaram,
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

- Fernando Pessoa.

31.10.05

Perdendo a transcendência

Tem gente que questiona a história que ELES querem te empurrar. O holocausto é uma farsa sionista, e o World Trade Center foi destruído por um míssil; a alunissagem do Armstrong foi filmada num estúdio de TV em Houston, e o comunismo matou 8.356.783.578.331 pessoas. Sem falar na Atlântida.

Tem gente que questiona as ciências exatas. A meia-vida de materiais radioativos é crescente, para que a terra possa só ter 6000 anos, uma camada imensa de gelo cobria a terra antes do Dilúvio, e evolução é uma lenda. Ah sim, e já inventaram o moto-perpétuo, mas ele está escondido pelas empresas de petróleo.

Mas questionar a matemática, pra mim é novidade. Com vocês, Mohammed-Reza Mehdinia e o verdadeiro valor de π.

Gil Alkabetz

Neste fim de semana, fui ao Parque das Ruínas assistir desenhos animados do Gil Alkabetz, que é absurdamente genial, e que talvez as pessoas lembrem como animador do Corra Lola, Corra. Pois um amigo, ao ler no programa "israelense radicado na Alemanha," comentou que isso era esquisito. O que é verdade, mas também é, por sua vez, esquisito. Afinal, não só Israel foi fundada por alemães, mas há um intercâmbio cultural até bastante intenso entre os dois países, possivelmente mais do que entre Israel e qualquer outro país, pelo menos se você se prender ao significado mais usado de "cultura," entre a alta cultura e a cultura jovem, e ignorar os americanos e colonos.

30.10.05

Em meu nome

Na primeira página dos jornais de ontem, a manchete reza que "[A] Polícia mata chefe do tráfico da Rocinha numa emboscada." Não é verdade. Quem mata em emboscada não é polícia. A palavra mais correta é "assassino," mas se quiser atentar para o caráter institucional dos assassinos, pode usar "esquadrão da morte" ou "exército ocupante." Não faz absolutamente a mínima diferença se a vítima de assassinato é o Bem-te-vi ou a Madre Teresa de Calcutá.

Se ao menos fosse uma exceção...a emboscada, utilizando informantes para levar os bandidos a pontos onde serão fuzilados, é técnica corrente há alguns anos em São Paulo, Pernambuco, e agora no Rio. O Brasil parece seguir, no "combate ao crime," um caminho parecido com o que os EUA trilham no "combate ao terrorismo," e que me assusta muito. Tanto na condução da política imperial americana quanto na repressão cotidiana brasileira, a barbárie é um fato corrente há muito tempo, e ninguém deixa de saber disso, mas até recentemente essa barbárie não era oficializada, era hipocriticamente varrida para debaixo do tapete, apresentada como exceção vinda de agentes truculentos, e não do topo. Era mentira, claro - a polícia metropolitana de Londres não mata menos porque os policiais ingleses são bonzinhos, mas porque a ordem de cima não é porrar e matar. Mas confesso que prefiro a hipocrisia, no caso, à aceitação honesta do assassinato e da tortura como instrumentos válidos, à defesa de peito aberto do que a humanidade tem de pior.

Inclusive porque essa defesa da tortura significa a aceitação pela comunidade do princípio organizador "nós e eles." Tá que, em certo nível, esse princípio é inescapável, afinal "tu és aquilo," tat tvam así, é o dito indiano que, negando essa diferença, serve de declaração fundadora do monismo. Mas a definição de "nós" como sendo "o homem e o cidadão," o reconhecimento da nossa humanidade comum, é um traço da Civilização Ocidental e das revoluções burguesas que esses pulhas alegam defender. Inclusive porque a teoria utilitária de que a sujeição da tortura às regras legais se baseia na teoria de que a tortura legalizada tomaria o lugar da ilegal, o que contraria a regra. O mesmo vale para o assassinato policialesco. E não custa lembrar, falando de utilitarismo: a Colômbia, paraíso da força policial ilimitada, onde os esquadrões da morte são mais de 40.000 e controlam diretamente a maior parte do campo, também tem o pior índice de homicídios do planeta.

Voltando ao nós e eles, outro desenvolvimento brasileiro, além da aceitação da pena forte e dura cada vez maior, é a exaltação do cidadão de bem, que não é definido por não infrigir a lei, sendo que muitos inclusive exaltam o fato de se desobedecer certas leis. E mesmo os que não são a favor de sonegar imposto têm que admitir que não desobedecer nenhuma lei, no Brasil, é muito, muito difícil. O cidadão de bem é outra coisa, é um sujeito dessa classe oprimida que somos os brancos heterossexuais cristãos de classe média,* é alguém cuja condição é essencial e divorciada da prática ou de sua relação com a lei. É um ícone da aceitação cada vez maior do apartheid social,** também simbolizada na campanha anti-favela do Globo, ressuscitando a idéia da remoção dos favelados para alguma township distante. Me pergunto se todo mundo terá que usar o seu passaporte, ou só os Midenklaas mais escurinhos, pra provar que podem entrar nas áreas net Midenklaas?

Um, pensando melhor, a comparação com o regime de Apartamento sul-africano é injusta. As forças de segurança sul-africanas, num país do tamanho de São Paulo, nunca passaram de 900 assassinatos por ano, o que no Brasil, e especialmente no Rio, seria uma melhora e tanto.


*Classe média é um conceito infinitamente extensível pra cima no Brasil; afinal, o casal Staheli, assassinado na Barra, era de classe média, ganhando alguns milhões de dólares por ano.
**Que não deixa de ser em parte racial - afinal, a piada diz o sistema de cotas racial devia deixar a decisão sobre quem é preto a cargo de porteiros e PMs. E os profissionais citados são reguladores de relações de classe.

26.10.05

Apagão em Laranjeiras

Depois do tilte, o post sobre as usinas nucleares foi cortado pelo apagão.

Falando em apagão, alguém devia mencionar essa palavra pro Aldo Rebelo - é um caso de anglicismo (blecaute) que foi substituído por uma palavra nativa, sem que ninguém legislasse sobre isso. Hoje em dia, ouço a palavra blecaute principalmente no sentido 2. "cortinas completamente opacas, geralmente de material plástico e utilizadas em conjunto com outras cortinas de materiais mais nobres."

Kenneth Starr

Com a criação da quarta CPI dedicada a achar "alguma coisa sobre o Lula" (os nomes são irrelevantes), daqui a pouco acham um vestido vermelho com manchas de sêmen.

25.10.05

Federação pra quê (de novo)

No Valor, sobre segurança



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já está sendo pressionado por sua base de apoio a reformular a sua política para a área de segurança pública, em face da derrota da proibição da venda de armas do referendo. Junto com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, Lula deverá manter algumas reuniões com integrantes da aliança governista mais identificados com o tema, para determinar novas linhas de ação.

As primeiras pressões começaram ainda no dia da votação, quando o presidente do Senado e da Frente Brasil Sem Armas, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a União era " voluntariamente omissa na segurança". "O referendo foi um sinal de alerta para o governo. Todas as pesquisas de opinião sempre mostram que o tema da segurança pública divide as atenções do eleitorado com a geração de empregos e o governo passou mais de dois anos sem dar tratamento prioritário para a área", afirmou o deputado petista Antonio Carlos Biscaia, do Rio de Janeiro, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.


E sobre agropecuária:

Uma novidade da lei é a criação de um "SUS agropecuário", batizado Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária. As alterações na legislação buscam acabar com a forte influência política nas discussões sobre sanidade. A regulamentação da lei criará comitês científicos de sanidade animal para discutir a questão sem a ingerência de secretários e governadores estaduais.


PS ainda na matéria sobre segurança, medo, muito medo:


A pressão por mais recursos para a área não é a única que o governo federal terá que enfrentar. A vitória do "não" no referendo entusiasmou lideranças que pretendem um endurecimento no Código Penal, alterando até as chamadas cláusulas pétreas da Constituição, como o direito à vida. Há o entendimento no meio jurídico que as chamadas cláusulas pétreas, descritas no artigo 60 da Constituição, só podem ser revistas por uma Assembléia Nacional Constituinte e um debate sobre a possibilidade destas mudanças serem feitas também por consulta popular.

"Sou a favor de levar a questão da pena de morte para um referendo popular. A sua proibição é uma cláusula pétrea da Constituição, mas eu tenho uma tese de que a democracia direta pode decidir, por meio de plebiscito ou referendo, até mesmo sobre essas questões", afirmou o presidente nacional do PMDB, o deputado Michel Temer (SP).

20.10.05

Comunidade da Soja e do Gado

O Mercosul nasce, pelo menos em parte, como uma imitação da Comunidade Européia. Nessas duas décadas, tem muito pouco a mostrar de concreto - nem a normalização das estatísticas conseguimos. Uma das razões apontadas para a fragilidade do mercado comum é a tensão entre interesses e ideais. Outra é a falta de complementaridade entre os interesses econômicos dos países envolvidos, com economias ainda largamente básico-exportadoras, "coloniais" e pouco integradas até nacionalmente.

Ora, o gado infectado com aftosa do Paraguai, que fez o PSDBFL pedir a renúncia do ministro da Agricultura, deixa claro que imitar os europeus nos detalhes pode ajudar com esses dois entraves. É só lembrar que a UE, que hoje se estende da foz do Tejo ao Mar Báltico, nasceu como Comunidade do Carvão e do Aço, em volta do Reno. Assim como o vale do Reno é um centro importante de produção de carvão e aço, pelo qual os membros iniciais da CEE já entraram em guerra, no Mercosul temos o vale do Paraguai-Paraná, centro importante de produção de soja e gado, pelo qual os países envolvidos já brigaram. A coordenação da agropecuária, principalmente da vigilância sanitária, entre os cinco países (mais a Bolívia) é do interesse (econômico) de todos eles; igualmente a proteção do Pantanal dividido entre os três que estão rio acima, inclusive para não correr risco de perder a hidrovia do Paraná.

É claro que vão continuar existindo diferenças importantes entre o processo de integração de ex-potências mundiais e ex-colônias, um durante os trinta anos da Idade de Ouro da social-democracia e crescimento econômico, outro em tempos de globalização, um com Krupp-Usinor o outro com Cargill-Bunge. Mas seria um começo - um órgão do Mercosul com atribuições reais, que interessa aos poderes econômicos de todos os envolvidos.

18.10.05

Sartori

Sua Santidade Benedito XVI reclamou, uma vez, dos que lhe consideram fundamentalista. Vendo uma primeira comunhão conduzida por ele, com aquela cara de pinto no lixo, veio a revelação: Ratzinger não é fundamentalista, é carola. É aquela coisa relativamente rara, uma beata que não só vira padre como avança na hierarquia. E tudo bem, a Congregação para a Doutrina da Fé pode ter sido a Inquisição Universal em outros tempos, mas o novo Benedito XIV está mais preocupado em beber o vinho certo do que em queimar hereges.


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Não é o Hélio Costa. É que o clima de caça às bruxas está tão forte que nem os políticos de estimação servem. Vale lembrar que a escrava caribenha Tituba, a única "bruxa" do episódio de Salem, não esteve entre os enforcados...

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Ali Kamel tem uma revelação própria a fazer - os trens lotados da Central do Brasil são ilusão sensória, já que "Tais áreas já são servidas por trens, que, hoje, têm serviços melhores e grande capacidade ociosa." Talvez o pessoal devesse meditar sobre uns koans para se livrar da ilusão de gente lhes apertando e trens que quebram. E o Ali Kamel deveria ler o próprio jornal, que detalhava o estado precário do transporte de massas no Rio, na edição de anteontem.

Spam de chumbo

Primeiro, a história do totalitarismo é MENTIRA. Todos os episódios mencionados são inventados. Alguns mostram o mau nível do ensino de história, porque dizer que o governo da China comunista desarmou a "população ordeira" em 1935, BEEEEEEP BEEEEEP BEEEEEP. Segundo, é ridículo ver quem apoiou e defende a p.... da DITADURA, pra não falar da "segurança," que significa truculência policial, falar de autoritarismo.

A cláusula da OMC não existe. E se existisse, não seria afetada pelo referendo. A Grã-Bretanha vende armas pro mundo inteiro, e lá as restrições à venda são bem mais severas, não apenas do que as do Brasil pós-2003, mas do que a situação se o "Sim" vencer.

Todo mundo que está falando em cartas-correntes que a violência é fruto da pobreza e da desigualdade deveria ser terminantemente proibido, depois, de repetir discursos contra impostos progressivos, transferências de renda e desenvolvimentismo. Ia diminuir a poluição sonora.

Esse plebiscito não é "você é contra ou a favor da classe política brasileira?", e votar "não" só é protesto contra a corrupção na sua cabeça. Já viu quem está na frente pelo "não"? Ou, aliás, quem está recomendando a cassação alheia?

E PAREM DE ME MANDAR SPAM POR CONTA DESSA DROGA DE PLEBISCITO. Não sabia em quem votar, nem me importava muito. Inclusive porque o desarmamento já aconteceu, em 2003, com a aprovação do estatuto. De um milhão de armas vendidas para 60 mil - o fuzuê todo é por conta dos 6% restantes. Vou votar sim só por conta dessa propaganda do "não."

17.10.05

Será o Hélio Costa?

Todos os comentários abaixo se referem ao jornal O Globo.

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Com 13 anos de existência, o casamento entre César Maia e o Globo parece que passa por um divórcio nada amigável. No jornal deste domingo, uma lista imensa dos factóides do prefeito; na série neo-lacerdista sobre limpeza étnica em favelas, a culpa pela primeira vez não é do "governo federal que não ajuda"; no caderno Rio de hoje, "ATÉ O FAVELA-BAIRRO É CONTESTADO." Por mim, acho ótimo...mas que eu gostaria de saber o motivo, gostaria.


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A Revista (de domingo não, olha o JB), mais uma vez, tem uma definição elástica de classe média. No caso, inclui empresários que contratam equipes de segurança, pagando de 50 a 750 reais por noite de sábado (mais o que os filhos já gastam). E na mesma reportagem, me sinto um pouco Simão Bacamarte, porque o "empresário da segurança" explica que depois das 10 da noite é uma temeridade andar pelas ruas do Rio, depois de uma da manhã elas estão entregues aos traficantes, e é inevitável topar com um "bonde" de traficantes.


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Ancelmo Gois reescreve a história brasileira, fazendo de Zumbi o fundador de Palmares. Zumbi, tradicionalmente, teria nascido no quilombo, o que para satisfazer o colunista significaria que ele fundou Palmares ainda no útero. Fora ter se escondido e não envelhecido por uns 80, 90 anos.

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Olavo se foi, mas o Globo nos presenteia com a coluna cômico-reaça do Rosenfield.

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Entre as promessas imperiais não cumpridas, arroladas pelo Grobo, está a do Transpan. Volto a perguntar sobre o Transpan: de superfície, ligando os aeroportos? Por onde, pelo meio da Rio Branco?

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O Globo cita Larry Rohter, o crítico musical-correspondente estrangeiro, que no NY Times diz que madeireiros, desdenhando da lei, rapinam a Amazônia. Deixando inteiramente de lado a tendenciosidade de um sujeito que segue no mesmo caminho da sua matéria sobre "boatos de que o presidente é pinguço" (há sobre tudo quanto é presidente do mundo, mas acertadamente o NY Times não reproduz os boatos de que o Bush, ex-alcóolatra, voltou a beber), a matéria mostra porque crítico musical como correspondente estrangeiro não é uma boa idéia, na confusão que o Rohter faz com os números. A não ser que, ao confundir valor com volume e falar de diferenças sazonais ao falar da comparação entre dados da mesma estação, ele esteja sendo desonesto mesmo.

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O Panorama Político está divertidíssimo, pelo menos pra quem encara a política como circo.

E uma minha

Existe uma lei segundo a qual sempre que você criticar a gramática alheia cometerá você mesmo algum erro. Pois bem, ao criticar as falácias alheias, cometi eu mesmo uma falácia: a de não diferenciar entre armas de fogo. É verdade que o verbo primário de uma arma (de fogo ou não) é "matar," mas não é verdade que todas tenham a mesma eficiência, nem "matar" significa necessariamente "matar gente," nem deixam de existir as armas que, por mais que usem pólvora de verdade, são na prática armas de brinquedo. Tá aí mais uma crítica ao desarmamento: ao invés de abrir exceções que podem ser manipuladas a pessoas que seriam "de bem," para se juntar em clubes de tiro, poderiam abrir a exceção à arma em si - muito mais fácil de fiscalizar e muito mais difícil de fazer besteira. E para as armas de caça, escopetas sem ação automática e de calibre reduzido. Ainda dá pra matar gente com uma? Dá, mas não é a mesma coisa que um revólver.

16.10.05

Santas falácias, Batman!

O Batman nasceu armado. Na versão original do Bob Kane, ele era um milionário vigilante que matava criminosos. Eventualmente, foi transformado numa coisa esquisita afrescalhada, como todo super-herói americano, pelo comics code, que proibia até cachorro mijando. Nos anos 80, graças ao Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller (o mesmo do Sin City), renasceu como herói "sério," com direito a uma série de excelentes revistinhas se concentrando no lado psicopata do orelhudo. Apesar disso, em todas elas*, o Batman se recusa a usar uma arma, explicitamente. Por quê? Porque, segundo os autores, no fundo no fundo o Batman é alguém que, tendo visto os pais serem assassinados, não quer que ninguém mais morra. (Nada contra as pessoas ficarem tetraplégicas ou banguelas...)

E assim, ligando ao subtítulo, começa a lista das falácias do desarmamento. Ela não inclui os absurdos inventados pela Veja, que não são falácias, são mentiras tiradas de blogs reaças americanos e cartas-corrente, só falácias de gente razoável. A primeira, que é a que tem a ver com o Batman, é "a arma é uma ferramenta como outra qualquer, quem mata é a pessoa." O único erro aí está no "como outra qualquer." A arma é uma ferramenta, sim, só que um martelo é usado para pregar, e pregar é considerado uma atividade razoável. O verbo associado à arma é "matar," o que a sociedade condena. Mais, até onde eu saiba, do que condena "fabricar drogas," e os produtos químicos usados para fabricar drogas são proibidos. Pode dizer que a arma também é usada para outras coisas, mas o verbo primário dela é matar - até a autodefesa envolvendo uma arma parte do princípio de que aumentam as suas chances de matar o agressor.

"Quem quer matar alguém ou a si mesmo vai fazer isso de qualquer jeito." Olha, eu posso estar enganado, mas a última batalha de verdade perdida por gente usando armas de fogo, contra gente que não as portava, foi a batalha de Isandlwana, entre as tropas da rainha Vitória da Grã-Bretanha e as do rei Cetswayo da Zululândia. Isso em 1879. Armas de fogo modernas são muuuuito melhores do que as de 1879. E os impi zulus são considerados alguns dos melhores regimentos de lanceiros da história da humanidade. E estavam em vantagem numérica. O Borges comenta sobre algo semelhante, sobre como com as armas de fogo acabam os "valentes" da juventude dele, os grandes duelistas de faca - com revólver, os que se metiam a valente demais acabavam mortos antes de construir uma reputação. Até os suicidas entram nessa conta - a maioria se arrepende depois de uma tentativa fracassada; muitos tem vidas felizes e produtivas depois. Suicídios com armas de fogo têm mais chances de dar certo.

"Desarmam os cidadãos de bem ao invés dos bandidos" Cidadão de bem é a BEEEEEEP BEEEEEP BEEEEEEP. Essa diferença maniqueísta e essencial entre cidadão de bem e bandido é uma bobagem com tintas de preconceito de classe e de cor.

Passando de lado:

"A situação de violência brasileira faz com que o desarmamento seja urgente e necessário." A situação de violência brasileira é estrutural, e afeta relativamente pouco os mais histéricos com ela. Vem do fato de, para boa parte da nossa população, o estado ser um tirano, um Caveirão ou Antônio das Mortes, responsável diretamente por um número de execuções comparável ao de uma pequena guerra, enquanto à sua sombra (e em parte graças à sua cooperação ativa) reizinhos, sejam eles os coronés, as mineiras ou os traficantes, prosperam. O desarmamento afeta principalmente um tipo de violência que não é, no Brasil, particularmente intenso.

"Vote pelo desarmamento" O Estatuto do Desarmaento já está em vigor, e ajudou a cortar em 90% a venda de armas. E, justamente em troca do plebiscito sobre a proibição da venda de armas a civis, abre uma exceção justamente para os responsáveis pela maior parcela das mortes, dentre os que compram arma com nota fiscal, os policiais e seguranças. E se pensar no mercado negro, se está cortando um quarto do suprimento (armas internacionais, brasileiras trianguladas no paraguai, brasileiras vendidas a guardas, brasileiras vendidas a particulares). Existe, inclusive, uma possibilidade real de que, como no caso de outros itens, a probição radical estimule o contrabando. Essa possibilidade só se torna por sua vez uma falácia quando é feita a analogia direta com a droga - se é por aí, vamos proibir, porque a evidência é de que mais gente fica viciada em drogas ilegais, mas menos gente tem acesso em geral. E não existe "vício" em dar tiros.

"Sou da paz" A paz é que nem a democracia, é de todos. Desde a morte do Mussolini e do Marinetti que ninguém fala mal delas. Acho que o Fernandinho Beira-mar é da paz, tenho certeza de que o Bush é da paz. Saddam Hussein devia ser da paz, creio que o Jonas Savimbi já se disse da paz, e se Volodya Putinho não for da paz eu quero ser um mico de circo.


*Frank Miller: Cavaleiro das Trevas. Miller e Mazzucheli: Ano Um. Grant Morrison e Dave McKean: Arkham Asylum. Mark Waid e Alex Ross: Kingdom Come.

Vote sim, ou ele quebra a sua espinha.

PS - Opiniões mais bem escritas e pensadas do que as minhas disponíveis no Nós na Rede

6.10.05

Estado de Seguro-estar Social

O primeiro ministro japonês, Junichiro Koizumi, pretende cortar 35,000 empregos do setor público.Algumas categorias profissionais, porém, não precisam se preocupar - o plano prevê aumento de pessoal nos escritórios de imigração, prisões, polícia e aduana.

4.10.05

Te cuida, jegue

No Valor,


As principais empresas de máquinas agrícolas que atuam no país estão fazendo pesquisas para adaptar os motores de seus tratores à era dos biocombustíveis. Agrale, CNH, Valtra e AGCO realizam testes e adaptações para que seus veículos aceitem, misturas de 5% a 20% de biodiesel (de soja, mamona ou girassol) e até mesmo o biodiesel puro.

A brasileira Agrale iniciou neste ano, em parceria com a Agropalma, testes com tratores de pequeno porte (até 36 cv de potência) adaptados a misturas de diesel com o biodiesel à base de óleo de palma (dendê). As empresas também testam motores movidos a biodiesel puro.

A parceria foi firmada em 2004, e a meta da Agrale é lançar motores e tratores bicombustíveis em 2006. "O objetivo é atender principalmente à demanda da agricultura familiar, que tende a voltar seu foco para o biodiesel", diz Sílvio Rigoni, gerente de tratores da companhia. A Agrale também desenvolve pesquisas em parceria com a Embrapa e universidades públicas do Rio Grande do Sul para motores adaptados a misturas de biodiesel de mamona e outros óleos vegetais, mas não informa o valor investido nesses projetos.

30.9.05

EXPLETIVE!

Tony Blair - boldly going where only Bush's proctologist has ever gone before.

Wish list :

to have more stringent "anti-terrorist" legislation than US PATRIOT. Check. (90 dias sem acusação na cadeia; 5 anos de cadeia por falar bem de terrorista)

to kill more suspected terrorists at home. Check.

to practice Reaganomics. Check (evolução do Gini inglês positiva em quase 0.05)

to increase military spending. Check.

to make Greens angry. Check. (fresquin)

Recordar é viver

Em 1990, o país que estava em primeiro lugar no índice de competitividade do Fórum de Davos era o Japão.

29.9.05

Lógica

Não é só o Globo falando mal do Lula que tem dívida com Lewis Carroll, Lula falando bem do Lula também. Ao inaugurar uma fábrica de 3,6bn da Stora Enso, produtora de commodities para o mercado externo, o presidente disse que (parafraseando) "é de investimentos como esse que o Brasil precisa para deixar de ser um produtor de commodities para o mercado externo."

Em outros termos, A = -A.

Detalhe 1: O dito investimento tem financiamento do BNDES. Em troca do financiamento, a Stora Enso destinou 21 milhões a projetos sociais. Para efeito de comparação, os requerimentos sociais e ambientais em que teria incorrido se tivesse instalado a fábrica em seus países de origem, a Suécia ou a Finlândia, teriam custado no mínimo 8% do preço do projeto, ie uns 300 milhões. Lembrando: 1,45bn do dinheiro foi nosso. Se o BNDES comprasse dívida brasileira a baixo juro, como os correios japoneses fazem, saia mais rentável. A Agência Brasil fala em 10.000 empregos, o que dá 145.000 reais por emprego.

Detalhe 2: Procurar esse artigo no site da Folha deu numa notinha mínima. A falta que um Alckmin no palanque faz.


Companheira Marisa da Silva

28.9.05

Treplicando

Continuando um pouco a própria "carta aos reaças," e um pouco o comentário do André.

A idéia de que "é difícil definir quem é o quê no Brasil" é um lugar comum, com uma base real na comparação com os EUA,* em que o racismo é baseado na ascendência. Mesmo que não haja mais nos EUA leis, como havia antigamente**, definindo qual a proporção de sangue negro que faz de alguém negro, a definição ainda é simples, e um afro-descendente que queira dizer que é branco estará "passing," fingindo, ao contrário daqui, em que a mesma pessoa será branca de verdade. O problema dessa formulação é que ela tem uma meia-verdade embutida, e que é irrelevante mesmo quando é verdade.

A meia verdade: é difícil definir exatamente quem é o que no Brasil, dentro de uma fatia específica da população, que inclui parte dos "pardos" e parte dos "brancos. Não em geral. A Bené é preta, e ninguém duvida disso. A Rosinha Garotinho é branca. O Vicentinho e a Marina Silva já são mais complicados. E notem, ao contrário do que quer o movimento negro, que rejeita a classificação do IBGE em facor de uma dualidade branco/negro, a situação dos "pretos" é, em todo o Brasil, muito pior do que a dos "pardos." Mesmo tirando todas as variáveis exóticas. Pretos vivem mais separados dos brancos, têm menos valor no "mercado" matrimonial, ganham menos, são mais revistados pela polícia...ressalte-se, fazendo a eterna comparação com os EUA, que mesmo os pretos ainda sofrem de discriminação matrimonial umas vinte vezes menor do que nos EUA, com a pior região metropolitana brasileira, o Vale do Itajaí,**** tendo a mesma segregação matrimonial que a melhor americana, Washington.

A irrelevância: uma distinção clara entre grupos humanos não é condição necessária nem suficiente para o preconceito, ao contrário da teoria senso-comunista de que o racismo advém da observação das diferenças. Não só o racismo em suas diversas encarnações, da cordial à apartada, como até a xenofobia, que é muito mais radical e rejeita o contato, prescinde da possibilidade de distinção clara. A guerra da Bósnia é um exemplo: na Bósnia-Herzegovina pré-dissolução, a população falava serbo-croata. Não existe distinção física nem de sotaque. Dos 60% que responderam alguma coisa ao invés de simplesmente "iugoslavo" ao Censo, 36% se casavam com gente do "outro grupo." O sentimento religioso não era nem é particularmente pronunciado. A segregação residencial estava abaixo de 25iv* E conseguiram, mesmo assim, entrar em uma guerra étnica.

Do mesmo modo, o racismo no Brasil nunca precisou de uma distinção clara para se perpetuar. Nunca houve barreiras definidas, e nunca houve entraves ao contato que fosse iniciado pelo indivíduo que está acima na escala. O racismo brasileiro, se quiser assim, segue uma lógica individualista, "de mercado," que se opõe à lógica hierárquica do racismo americano ou sul-africano.v*Ao invés de ser enfiado pela sociedade numa casta específica, o indivíduo tem uma certa quantidade de "capital racial," que ele utiliza junto com "capital social," "capital educacional,' "capital mesmo' e afins. A questão é que esse capital racial não tem nenhuma tendência maior à equalização ao longo do tempo do que os outros capitais.

Claro que isso não impede que haja outras formas de preconceito no Brasil, e que elas infelizmente não disponham da mesma quantidade de inimigos que o racismo. Não só o preconceito social é aceito; preconceitos étnicos diversos também são, dos mais leves ("aquele turco safado finalmente foi preso", "japoneses foram mortos," "parece coisa de judeu") ao mais comum e, por ser exclusivamente brasileiro, não identificado como preconceito étnico, que é o preconceito contra nordestinos.vi* Mas aí é que está - com todas as minhas críticas à posição do movimento negro, foi graças a ele, e não a alguma evolução natural da sociedade, que o racismo deixou de ser escamoteado no Brasil. Até há pouquíssimo tempo atrás, o Brasil, oficialmente, era um país em que não havia racismo, como apregoado pelos relatórios brasileiros sobre racismo enviados à ONU. Essa mentira já foi denunciada no genérico, mas ainda não no particular, a ponto de se ter a situação em que racismo é crime inafiançável, mas os milhares de casos cotidianos - da pessoa preta que não pode usar o elevador social ao ministro do Supremo Tribunal Federal barrado pelos seguranças na própria possevii* - não geram condenações. É uma falácia falar de outros males brasileiros, ou mesmo de outros preconceitos, como argumento contra a luta anti-racista; uma coisa não exclui a outra - e, cinicamente, eliminar preconceitos de classe numa sociedade capitalista é um pouquinho difícil. O que gera um efeito interessante - a interação do racismo brasileiro com o preconceito de classe, ao mesmo tempo que minora a violência e radicalidade desse racismo, o torna mais difícil de eliminar.


E pra parar o texto abruptamente, apesar de não ter chegado a um final decente, lanço o Manifesto de um Homem Só Pelos Bugres nas Novelas de Época, do movimento pró-gobineau AMARACISTANOJENTO.


*A comparação é inevitável; no universo conceitual brasileiro, o etnocentrismo está mais centrado na metrópole do que cá na colônia.

**E ainda há para os índios.

***Sim, tanto pra uma quanto pra outra a quantidade de pretos (VdI) e negros (DC) na população geral já tendo sido levada em conta e eliminada.

IV* Para efeito de comparação, o mesmo índice, de dissimilaridade espacial, varia para negros (BR: pardos+pretos) entre 37(SP, RJ, PoA) e 48 (Salvador) no Brasil, e entre 75(NY) e 92(Chicago) nos EUA.

V* O racismo na Europa, apesar de se constituir basicamente em preconceito étnico, é ainda uma terceira história, embora tenha, na França desde as levas imigratórias da virada do século e na Grã-Bretanha desde a leva caribenha pós-descolonização, características que se assemelham mais na forma ao modelo americano, e no resultado ao modelo brasileiro.

VI* A força da associação entre preconceito étnico e socioeconômico no Brasil pode ser medida pela violência relativa do preconceito contra os grupos de imigrantes mencionados e os "paraíbas" e "baianos."

VII* Depondo contra a teoria da exclusividade do preconceito social; afinal de contas, é um juiz, velho e bem vestido tentando entrar no Supremo, não um sujeito em trapos. Ou, como disse uma tia-avó minha uma vez sobre o próprio filho, "ele entrou no aeroporto todo sujo e cheio de craca nas pernas. Ainda bem que ele é branquinho, senão tinham jogado ele no lixo."

Architeuthis Dux

Eu não disse que elas iam conquistar o mundo? Já nem se preocupam mais em se esconder, o que significa que nossa derrota é inevitável. Claro que, como sublinha o artigo da BBC, temos uma arma

Bottom-trawling by fisheries is destroying squid egg masses on the seabed, Dr O'Shea claimed. Evidence for this comes from an efficient squid predator - the sperm whale.



Mais fotos na National Geographic.


PS eu odeio ter que lembrar disso, mas o nosso querido amigo Architeuthis Dux não é tão grande quanto lhe pintam, e não é o maior prato no menu dos cachalotes. Mais informações na Giant squid and colossal squid fact sheet.

27.9.05

Teoria do desenvolvimento

A conclusão, para qualquer pessoa minimamente informada, é óbvia: o Brasil só não Deu Certo porque até hoje nunca teve um partido político que hasteasse a bandeira da moralidade, nem apoio do governo para o latifúndio exportador.

26.9.05

Carta aos reaças.

Caros amigos.

Reconheço que a tese da "democracia racial" brasileira tem um valor tradicional que não caberia bem descartar. Afinal, que seria do mundo sem a tradição? E boa parte da identidade brasileira foi construída a partir dessa ideologia. Mais do que isso - a própria denúncia da democracia racial parte da própria, já que o Florestan Fernandes, que foi o primeiro "acadêmico" a fazer essa denúncia (cinicamente, o primeiro branco, mas cinismo não é conservador, não é mesmo?), tinha sido contratado pela UNESCO para descobrir o segredo da falta de racismo, e engarrafar para distribuir mundo afora.

Só tem um probleminha. Quando vocês usam a democracia racial e a "falta" de racismo no Brasil pra acusar quem vê racismo de racista, isso pode até fazer vocês se sentirem bem, mas não engana ninguém. A declaração de que "não existe preconceito racial, existe preconceito social associado à cor preta" chega a ser ridícula. Se existe preconceito associado à cor, existe preconceito de cor. E sinto muito, mas há uma quantidade bastante razoável de dados indicando que existe, sim, preconceito racial que vai além da ligação com a classe socioeconômica. Menos do que em muitos outros países, é verdade, apesar de os dados serem distorcidos, nas metrópoles do Sudeste, pela falta de uma resposta "paraíba" à pergunta sobre cor/raça. E, por isso mesmo, tenho uma idéia pra vocês, se quiserem mesmo ser anti-racistas e se opor ao movimento negro ao mesmo tempo.

Vejam bem, muitos de nós (nós, a elite, quase toda branca a ponto de gente de países mais segregados ficar com a impressão do Brasil como especialmente racista) dizemos, até com certo orgulho, que temos ancestrais negros. Vide o pé na cozinha do Príncipe dos Sociólogos. O problema é que esse pé é uma afetação, mais do que um sentimento de identidade, e segue os passos do Gilberto Freyre, em que os brasileiros se misturaram "com" os negros e índigenas, ou seja "os brasileiros" são os brancos. Todas essas declarações de amor à democracia racial vêm de um povo que se vê branco, de um país branco com negros oprimidos. Toda a construção do "brasileiro' desde o Freyre e o Getúlio passa por isso. Por um lado, se hiperenfatiza o papel dos imigrantes, como se nós tivéssemos recebido mais deles do que a Argentina ou os EUA, por outro o "brasileiro" misturado é o peão, é um outro. Tudo bem, a posição desconfortável de petit bourgeois global que ocupamos não é só nossa, é de todas as elites subdesenvolvidas.

Vamos ser sinceros. Há racismo no Brasil, há uma desigualdade racial imensa, e isso tem que ser remediado. E não vai ser remediado através de políticas neutras, ou sequer de políticas dirigidas aos pobres, já que uma condição socioeconômica equivalente não elimina o racismo. Que o digam os judeus. Então, o que fazer, se você é um conservador e abomina o movimento negro, ações afirmativas e o escambau? Não estou dizendo que isso faz de você um racista, existem bons motivos nacionalistas para não gostar de algo que é uma forma de nacionalismo rival. E olhe só, a declaração de que status socioeconômico e educacional não acaba com o racismo, se você pensar bem, também serve contra as cotas.

Que tal uma idéia - fazer uma campanha nacionalista capitalizando em cima do fato de o Brasil ser um país mulato? Não um país "que se misturou com negros e com indígenas," um país negro mesmo, no sentido mais amplo? Que tal enfiar retratos do Machado de Assis, do Lima Barreto, do André Rebouças, do Abdias do Nascimento, do Luiz Gama, para competir com a imagem do Zumbi? Dizer que afro-brasileiro é pleonasmo, lembrando que a civilização brasileira foi feita por mulatos, que antes de trazerem os imigrantes para embranquecer o país até a elite era mulata, como observou o Gobineau (que, afinal, era um especialista...)? Mandar a Globo retratar isso nas novelas de época, ao invés daquele quadro que acaba parecendo mais o Antebellum na Geórgia do que um engenho de café no Vale do Paraíba? Desarianizar a história do Brasil? Incentivar a história da África e das relações desta com o Brasil nas escolas? Em suma, fazer um nacionalismo da democracia racial que não fosse mais baseado num ator central branco que não tem preconceitos?

Não sei se ia adiantar. Mas pelo menos vocês poderiam alegar estar fazendo alguma coisa contra o racismo, ao invés de só ficar dizendo que quem tenta enxotar o rinoceronte que está na sala é culpado pelo rinoceronte.


Alvíssaras.

24.9.05

No país do espelho

O Globo noticia "Governo Lula criou Banco Popular do Brasil, Empresa de Pesquisa Energética, e Hemobrás."

Na mesma matéria em que uma confusão entre definições diferentes de "criação de empresa" é usada para fazer manchete, com a operação cotidiana da Petrobrás e do Banco do Brasil virando criação de novas empresas, O Globo também redefine toda a teoria dos negócios, ao dizer que o Banco Popular do Brasil "já" está dando prejuízo.

Lugares estranhos do mundo I Redux

O Mar de Aral, em mapa e em satélite.


23.9.05

O verde das nossas matas

Empresa de celulose dobra produção e causa "boom" florestal

****
R-r-r-r-REVENGE!

Mamba negra

Enquanto isso, o Rita fez zigue ao invés de zague, e não será o quinto furacão a bater nos EUA com vento de categoria 5 no olho. Pela primeira vez em muito tempo, mas provavelmente por pouco tempo, emprego e produtividade crescem simultaneamente no Brasil. O Daniel Dantas repetiu a performance do Duda Mendonça,e a Heloísa Helena a do Bolsonaro.

E eu vi o cúmulo dos cúmulos do pidgin-Portuguese. No cartaz da HBO, Uma Thurman e o doce sabor da revanche.


Snake charmer

21.9.05

Coitadinhos

Maluf diz que, na cadeia, "não lhe dão nenhuma liberdade." A advogada de Beira-Mar ficou chocada porque, em São Paulo, ele era "tratado como um prisioneiro."

Coitadinhos. Enquanto isso, os prisioneiros de verdade vão sendo amontoados nas cadeias, no Brasil e no mundo, várias vezes mais do que a superlotação permitiria. E existe um Fundo Penitenciário (existe fundo pra tudo no Brasil), que dos seus 7 (? tenho que conferir) anos de vida só foi usado em 2003.


***********

O supremo acaba de derrubar um dos dois últimos atos de FH como presidente, a tentativa de se impedir que ex-mandatários pudessem ser julgados por crime cometido no exercício do poder. O outro foi empurrar o limão da licitação de aviões de guerra pro Lula (que este tentou converter em limonada associando o adiamento ao fome zero).

17.9.05

Take a hint, Mr President

And finally, New Rule: America must recall the president. That's what this country needs. A good, old-fashioned, California-style recall election! Complete with Gary Coleman, porno actresses and action film stars. And just like Schwarzenegger's predecessor here in California, George Bush is now so unpopular, he must defend his jog against...Russell Crowe. Because at this point, I want a leader who will throw a phone at somebody. In fact, let's have only phone throwers. Naomi Campbell can be the vice-president!

Now, I kid, but seriously, Mr. President, this job can't be fun for you anymore. There's no more money to spend. You used up all of that. You can't start another war because you also used up the army. And now, darn the luck, the rest of your term has become the Bush family nightmare: helping poor people.

Yeah, listen to your mom. The cupboard's bare, the credit card's maxed out, and no one is speaking to you: mission accomplished! Now it's time to do what you've always done best: lose interest and walk away. Like you did with your military service. And the oil company. And the baseball team. It's time. Time to move on and try the next fantasy job. How about cowboy or spaceman?!

Now, I know what you're saying. You're saying that there's so many other things that you, as president, could involve yourself in...Please don't. I know, I know, there's a lot left to do. There's a war with Venezuela, and eliminating the sales tax on yachts. Turning the space program over to the church. And Social Security to Fannie Mae. Giving embryos the vote. But, sir, none of that is going to happen now. Why? Because you govern like Billy Joel drives. You've performed so poorly I'm surprised you haven't given yourself a medal. You're a catastrophe that walks like a man.

Herbert Hoover was a shitty president, but even he never conceded an entire metropolis to rising water and snakes.

On your watch, we've lost almost all of our allies, the surplus, four airliners, two Trade Centers, a piece of the Pentagon and the City of New Orleans...Maybe you're just not lucky!

I'm not saying you don't love this country. I'm just wondering how much worse it could be if you were on the other side. So, yes, God does speak to you, and what he's saying is, "Take a hint."

15.9.05

Decupagem

O relatório "Doing Business" do Banco Mundial recebeu bastante atenção na imprensa brasileira, pelo compreensível motivo de o Brasil figurar nele em 115º lugar (um à frente da Venezuela). Não lembro, porém, de nenhum jornal separando o ranking em seus dez sub-rankings, nos quais as posições brasileiras são bem díspares, muito menos os sub-rankings em seus componentes (que, de novo, são bastante heterogêneos). Como ficar com os pés no fogão e a cabeça na geladeira não é muito saudável, aqui a ficha.

Curiosamente, o país com (há três décadas) os maiores juros do mundo sai bem na categoria "obtenção de crédito." Tudo bem, isso é porque o índice não inclui os juros ou a facilidade de um empresário obter crédito na praça, mas apenas os fatores que em tese condicionariam isso (e são usados para explicar o alto spread brasileiro), "Strength of legal rights index, depth of credit information index."* Bom, não contavam com a astúcia deles.


*"The Legal Rights Index ranges from 0-10, with higher scores indicating that those laws are better designed to expand access to credit. The Credit Information Index measures the scope, access and quality of credit information available through public registries or private bureaus. It ranges from 0-6, with higher values indicating that more credit information is available from a public registry or private bureau."

Pão de pobre não cai assim não

Tem gente do PT esperançosa, e gente do PSDBFL amedrontada, com a possibilidade de que o próximo ano seja bom pra economia. A pesquisa CNT/Sensus parece indicar que esperança e medo estão fora de lugar; em uma fase econômica que pode não ser espetacular, mas é melhor do que qualquer coisa que a maior parte da população brasileira viu enquanto adulta, a avaliação da economia não está muito longe do que era em inícios de 2002.

Faz sentido. Avaliar economia já não é fácil pra quem lida com ela profissionalmente, e a maior parte da população brasileira é semi- ou completamente analfabeta. Se houvesse, como nos EUA, uma classe média investindo em ações grande, poderiam ser influenciados pelos índices da Bolsa e quevalhas, mas a maior parte dos brasileiros tem dificuldades em prover necessidades básicas, imagine investir em ações.

Você sabe que está ficando velho...

Quando pensa, espontaneamente, "vivi para ver isso."

Pois é, vivi pra ver Gabeira e Freire abraçados ao Caiado gargalhando. Tudo bem o PPS era da base do FH, e o PV presidido pelo Zequinha, mas a imagem ainda choca. A internet lerda e a cassação do Jefferson cooperaram pra me fazer desistir de achar uma foto pra pôr aqui. Já votei no Gabeira, e ganhei o apelido de "comunista" quando fiz remo porque ia usando uma camiseta velha "estou Lula porque sou Freire."

13.9.05

Xepa














A solução para o problema logístico brasileiro: Cruzador Espacial Yamato e Galaxy Express 999


Semana passada, fiz um belo* post sobre a necessidade do Brasil enfrentar o seu quinhão de responsabilidade, e ir além, quanto ao aquecimento global. As medidas de redução de emissão de gases do efeito estufa proposta teriam, ainda, na maioria dos casos, consequências ambientais locais mais imediatas, e às vezes de grande peso, como é o caso de um reordenamento do transporte público que diminuísse o uso de óleo diesel, e portanto a emissão de fuligem, responsável na Europa pela maior parte das mortes devidas à poluição.

Onde a porca torce o rabo é que todas essas medidas teriam custos, financeiros e outros, e à guisa de expiação pela recomendação fácil aos que não ouvem, resolvi lembrar de alguns:

1) O menor custo, ou melhor, o mais pulverizado e incremental, portanto mais fácil de ser enfrentado no Brasil em que os juros têm dois ou três dígitos há décadas, é a substituição dos ônibus diesel-mecânicos que hoje infestam as cidades brasileiras por ônibus diesel-elétricos, também conhecidos como "híbridos." O nome híbrido vem da indústria automobilística, com seus carros 'híbridos" entre o elétrico e o a gasolina, mas o princípio é empregado há bastante mais tempo em locomotivas, sem nenhuma preocupação ambiental ou mesmo de conservação de combustível: é que há limites para a energia que pode ser transmitida mecanicamente, através de uma caixa de câmbio, do motor aos eixos. Enfiar um gerador a diesel em cima da locomotiva, alimentando um motor elétrico, foi chamado de "transmissão elétrica," e o único limite de potência teórico é o da potência máxima de um motor elétrico - no momento, 750MW, a potência das turbinas de Itaipú e Três Gargantas, e umas cem vezes mais do que os trens mais potentes. Na prática, o tamanho e peso são limitantes, tanto do tamanho dos motores quanto dos geradores - os trens mais potentes comem energia de uma linha externa, porque o diesel necessário para alimentar um trem desses drenaria vários vagões rapidamente.

O Brasil tem tecnologia para fabricar e exportar ônibus diesel-elétricos. Com um financiamento do BNDES (a maior fonte de recursos à disposição do poder público brasileiro), a produção em grande escala seria até simples. Existe mais de 50.000 ônibus urbanos no país; um programa que substituísse 5% deles a cada ano implicaria em (100.000US$/bus x 2.500 bus) 250 milhões de dólares por ano de financiamento. O maior obstáculo não é o preço, mas o mesmo que prejudicaria outra medida no mesmo sentido e de custo zero, a reordenação das linhas de ônibus nas regiões metropolitanas. A saber, que o transporte público, formal e informal, costuma ser gerido por máfias. Máfia no sentido cabeça-de-cavalo-na-cama mesmo. E pra eles, o ônibus diesel-elétrico, que dura uns 20 anos, não tem tanta graça quanto receber subsídios pra comprar novos ônibus a cada quatro anos. Além disso, o transporte público, no Brasil, sofre uma concorrência pesada do transporte informal; para que o ônibus diesel-elétrico fizesse efeito, ele teria que ter custo baixo o bastante para concorrer com as vans e quetais, o que significa subsídios estatais ao transporte público. Coisa de um ou dois bilhões de reais, dependendo do preço em que as vans não pudessem mais competir.

2) A alteração da matriz de transporte de carga brasileira é talvez a mais cara de todas as coisas mencionadas. Isso porque qualquer solução que baixe o consumo de energia baixa o custo do transporte, aumentando a demanda. A não ser que você estivesse falando de uma eletrificação generalizada nas ferrovias - e aí você não tá mais falando do Brasil, tá falando da rica nação de Pindorama pós-fusão nuclear - a eficiência pode dar peso político, mas não vai diminuir muito e pode até aumentar a emissão de gases estufa. Custo: estratosférico, mesmo assumindo que funcione. Até a França e os EUA reclamam das condições das próprias ferrovias. Por baixo, recuperando e melhorando a malha ferroviária existente, reorganizando o acesso ferroviário a Santos, e construindo as duas ferrovias já planejadas, 25 bilhões de dólares, que só parcialmente poderiam ser bancados pelo BNDES.

2.a)Como mencionou o Guilherme num comentário ao primeiro post, parte disso pode também ser contrabalançado pela produção de biodiesel, a partir de oleaginosas ou de aproveitamento do lixo. O problema do biodiesel é que, se ele não representa a desgraceira social e ambiental do proálcool, é inclusive porque a densidade de produção das oleaginosas não é a mesma da cana de açúcar. O óleo de lixo ainda está em fase experimental, e alguns dos óleos cogitados para biodiesel, como o de mamona, custam muito mais do que o óleo diesel, tornando dúbia a vantagem para os produtores de usá-lo para fazer o mesmo. Um investimento em biotecnologia poderia render bastante aí, tanto em culturas perenes (palmeiras) quanto em algas (que poderiam render até cinco vezes mais óleo que qualquer cultura terrestre). Custo : impossível de prever sem estudo detalhado, e olhe lá. Digamos, 500 milhões por ano em tecnologia. Para a implantação, 100 milhões pagam cultivo e fábrica para 25 milhões de litros; o Brasil consome 36bn de litros por ano. R$144bn, e uma área só um pouco maior do que a do Pará cultivada com mamona ou soja, um pouco maior do que o Maranhão com dendê ou babaçu. Ah é - o biodiesel é menos poluente localmente do que o diesel fóssil, por não estar misturado aos poluentes como enxofre, e isso tem efeito multiplicador com o uso de ônibus diesel-elétricos.

3) A implantação de "energias alternativas," no Brasil, inclui algo nem um pouco alternativo, que é a hidrelétrica de pequeno porte, ainda por cima definida em MW, que eu acho que é a forma mais antiga de geração de energia elétrica. Independente disso, uma usina hidrelétrica grande só é ruim em si quando detona alguma área importante histórica ou natural inteira, como a represa de Assuã, no Egito, Três Gargantas na China ou Yaciretá na Argentina. Deixando isso de lado, o que conta é a área inundada agregada contra a geração total de energia elétrica. Como eu já mencionei ao defender as usinas "hidrocinéticas," a poluição londrina diminuiu, acabando com os famosos pea-soup fogs, justamente quando os milhões de braseiros e lareiras foram substituídos por três centrais de grande porte. As PCHs, portanto, não são uma boa idéia "ambiental," apesar de o serem em termos de efeito estufa, principalmente porque, sendo sua implantação ainda praticável no Sul-Maravilha, são mais baratas por Kwh chegando ao consumidor do que uma usina na Amazônia, ou mesmo no Rio Grande do Sul. Não servem para o nordeste, porque quase toda a energia hidrelétrica aproveitável, de qualquer tamanho, já foi aproveitada. Custo: apagar áreas remanescentes de mata atlântica, fora isso praticamente zero, já que há interesse privado. Meia dúzia de garantias de compra. O custo por MWh ficaria em, a princípio, 50US$, bem mais do que o custo médio das usinas hidrelétricas existentes, que usaram excelentes lugares (fora aberrações como Balbina e Sobradinho, os maiores lagos do país para a 25ª e a 11ª maiores usinas em geração de energia), mas ainda razoável, no limite mínimo do custo de usinas a gás.

As outras energias alternativas têm mais potencial. A política de hidrelétricas da fase industrializante brasileira fez da filial brasileira da Voith-Siemens a instalação de produção de turbinas hidrelétricas mais importante do mundo; se o Brasil não tem tanto vento quanto água (e isso muda se a política for do Mercosul inteiro), ainda assim dá pra gerar bastante energia elétrica, se isso for uma prioridade, no Vale do São Francisco e no litoral nordeste, mais alguns pontos espalhados menores, mas próximos de grandes consumidores. E, com a mudança mundial no sentido do vento, virar central de referência nesse campo não é pouca coisa. O custo em linhas de transmissão, pela localização, seria negativo, já que as centrais eólicas ficam no caminho onde já estão previstas linhas de transmissão para ligar NE e SE e NE e N, e uma produção no meio do caminho baratearia a coisa. Custo: 60US$ por MWh, o que se justifica em termos puramente econômicos, com o preço atual dos hidrocarbonetos. Se preferir, pra acrescentar o equivalente de uma usina térmica como a que está sendo implantada no Rio, de 800MW, seriam 2bn de dólares. Para a geração a partir de resíduos de biomassa, ou de gases do lixo, o custo é mais ou menos equivalente, mas tem que subtrair o custo atual de se livrar desses resíduos. Em todos os casos, as geradoras de energia vêem a coisa com uma certa desconfiança, inclusive porque os maiores clientes, no Brasil, são as indústrias, principalmente as grandes indústrias, e não, como em outros países, o consumo pulverizado, residencial. É isso, por exemplo, que torna atraente a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, pra alimentar fundições de alumínio e papeleiras.

Geração solar é bem mais cara, mas vem avançando significativamente nos últimos anos. Uma política de incentivo seria melhor do que qualquer investimento direto (fora pesquisa), inclusive porque a geração distribuída , em que cada consumidor é até certo ponto gerador, alivia a rede como um todo. As distribuidoras de energia, que não chegam a ser uma Febraban mas têm uma certa capacidade de, ahem, fazer amigos e influenciar pessoas, têm uma relação ambivalente para com a geração distribuída, já que por um lado é menos gente comprando o que eles têm pra vender, por outro lado aliviam a rede por cuja manutenção eles são responsáveis. Dentro das cidades, existe áreas imensas que poderiam ser aproveitadas para a geração de energia solar: "chapéus" em postes públicos, tetos de supermercados e shoppings, até a faixa de domínio de vias expressas (imagine a avenida Brasil ou a Linha Vermelha com telhado).

3.a) Usinas nucleares vão pra outro post (que este já tá chato o bastante sem entrar em "reatores de seixos"), mas o custo é mais ou menos equivalente ao das eólicas, se você esquecer de um detalhe chato: o que fazer com o lixo radioativo. Tem a vantagem de se concentrar em grandes usinas, e de ter muita gente pressionando a favor por conta da "estratégia" - leia-se inveja do pênis, e da possibilidade de utilizar a tecnologia e infraestrutura em aplicações militares. Não necessariamente uma bomba - a marinha brasileira ainda sonha em fazer um submarino nuclear.

4) Tecnologias de controle da emissão de poluentes na agroindústria. A pesquisa ainda é bastante básica - pra chegar a resultados concretos e implementar vai uma bela grana. Digamos, dobrar o orçamento da Embrapa.



A conclusão de todo esse lero-lero? As medidas de que eu falei são, com exceção dos ônibus diesel-elétricos e moinhos de vento, pouco divisíveis para qualquer efeito concreto, e todas caras. E afetariam uma fração de 25% da emissão de gases do efeito estufa no Brasil de 2003, ao passo que os 75% (mudanças no uso da terra e queimadas) têm um custo político que ninguém tem o direito de subestimar, num país em que até o Partido Verde é presidido por um latifundiário. O copo tá meio vazio.

*"Belo" se refere à facilidade de opinar de cadeira, ser "armchair quarterback," técnico de sofá, como dizem os gringos, não à qualidade.

A internet tá lenta aqui, e eu não lembro dos links de cabeça. Ponho hoje mais tarde.