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27.4.11

Effluvium vitalis II

Que a palavra da moda quando se fala em reforma urbana no Brasil, "revitalização," muitas vezes esconde mais do que simplesmente trazer nova vida a áreas abandonadas é algo que não parece precisar de ser argumentado; que o digam os exemplos mencionados no primeiro post com nome igual ao deste, da Lapa e da Praça Roosevelt, em que áreas quase literalmente transbordando de vida são candidatas à "revitalização." Os mesmos exemplos também servem para indicar o verdadeiro significado da palavra, "valorização imobiliária" de áreas próximas; numa perspectiva menos mesquinha, a inserção dos países em uma economia global transiente, como descrito por Marcelo Lopes de Souza em seu livro mudar a cidade. (Ou, talvez ao sonho globalizante de uma elite ainda principalmente local.)

Os dois maiores projetos de revitalização brasileiros repetem o modelo do primeiro e mais emblemático desses projetos, as docklands londrinas, que sepultaram sob carradas de mármore e arquitetura neoshoppingcenter de César Pelli as históricas áreas de quando o porto de Londres era o maior do mundo, com direito a um belo chute na bunda dos moradores locais, ao transferir atribuições públicas a entes privados. Também no que tange a ignorar as necessidades e anseios dos sem-terno; no Rio de Janeiro, apesar da abundância de terrenos públicos na zona portuária, os projetos de moradia social atendem apenas a uma parte pífia da demanda, e quase nenhum equipamento público local será construído.

Em São Paulo, devido à falta dos tais espaços em mãos do poder público, e talvez à demofobia que marca as administrações Serra-Kassab, a companhia que detém a concessão da Nova Luz tem a remoção dos atuais moradores e comércio para serem substituídos pelos mais branquinhos e engomadinhos uma meta quase explícita - nas infelizes palavras do secretário de habitação de Serra, "essa gente, você sabe, é muito promíscua, além disso não vai ao Mappin comprar tesoura, não faz a economia circular." E para cumprir essa meta, assim como as Docklands londrinas, a concessionária teria o direito de desapropriar terras para revendê-las - uma ingerência no direito à propriedade privada que, curiosamente, não se vê muitos liberais protestarem.
Por outro lado, se vê, agora, uma liminar bem dada contra a inconstitucionalidade da coisa.

26.4.11

Impostos III - o IPTU

A imprensa brasileira nunca se cansa de fazer invectivas, geralmente se apoiando no IBPT, contra a carga tributária. Noves fora que o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário é um grupo de lobby e propaganda de advogados tributaristas, o que nunca é mencionado, o curioso é que o tom das matérias sempre é acusatório ao governo federal. E nos oito anos do governo Lula, com exceção da majoração do IOF para operações exteriores recente, não se viu nenhum aumento de imposto federal. Pelo contrário, o que houve foi uma redução gradual de alguns impostos, incluindo aí o imposto de renda de pessoa física.


Enquanto isso, os estados de São Paulo e Minas Gerais, cujos governos são cantados em verso e prosa como o supra sumo da moderna, eficiente, e limpinha administração pública, são esses sim responsáveis por seguidos aumentos de impostos. Alguns chegam a ser obscenos, como a guerra fiscal que majora o ICMS de produtos que não são produzidos no próprio estado (a contrapartida imbecil de redução de imposto o faz quanto a importados que entram por seus portos). Outros são simplesmente um aumento de imposto para fazer caixa. E além do aumento propriamente dito, inventaram uma esperteza chamada antecipação de imposto. É assim: ao invés de pagar o imposto apenas depois de vender a mercadoria, o comerciante tem que pagá-lo no ato de sua aquisição prévia. Vale para quaisquer produtos adquiridos de outros estados, bem como certas categorias de produtos (eg bebidas). Na prática, para os comerciantes, tem todo o efeito de um aumento de 8-10% no imposto.


Agora, Kassab quer, na mesma linha, antecipar o IPTU de construção e reforma em São Paulo;. Isto é, pretende que você comece a pagar por um imóvel antes que ele fique pronto. A medida, obviamente, desestimula (como o fazem os impostos sobre produtos como o ICMS) a atividade econômica, já que aumenta o custo do investimento. Por algum motivo, não vi muita grita contra da Míriam Leitão ou do pessoal da Folha.


E olha que eu, pessoalmente, sou extremamente a favor do aumento e da progressividade do IPTU, e da sua utilização como instrumento de estímulo a determinadas práticas. Só que ao contrário do que o Kassab (que só quer fazer caixa) está fazendo. O IPTU, hoje, responde por uma fatia da arrecadação da maioria dos municípios brasileiros menor do que a do ISS, além de não ser progressivo. Há até um monte de gente alegando (e às vezes sendo confirmado pelo juiz) que o IPTU progressivo é inconstitucional, mas como o argumento deles é de que qualquer imposto progressivo é inconstitucional, e o imposto de renda está aí, prefiro ignorá-los.


O problema do IPTU pagar pouco no Brasil está dividido em duas partes: uma, menos importante, é que a alíquota em si é, comparando com outros países, geralmente baixa. Nos EUA, onde é em geral fortemente progressivo (como era, até o Reagan, o IRPF), o IPTU varia entre 0,2 e 4% - no Brasil, gravita em torno de 1%; a outra, muito pior, é que, como no caso já mencionado do Imposto Territorial Rural, os valores das propriedades para cobrança do IPTU estão, quase sempre, enormemente defasados. Agora vou defender o Kassab - quando ele tentou atualizar os valores do IPTU, aí sim viu-se uma gritaria da imprensa, principalmente da Folha de São Paulo. O resultado final é que um apartamento de 350.000 paga 600 reais por ano de IPTU - menos, provavelmente, do que qualquer outra conta paga mensalmente pelo cidadão. Ou seja, o sujeito paga mais por eletricidade OU por telefone do que por: recolhimento de lixo, ruas asfaltadas, trânsito, escolas fundamentais, comida vistoriada pela vigilância sanitária, hospitais, limpeza de ruas, centros culturais, iluminação de ruas, parques... garanto que se o Ibirapuera fosse privado, muita gente pagaria 50 reais por mês só pelo acesso a ele, e entretanto paga-se hoje 50 por mês por ele mais tudo isso.


E o pior - ao arrecadar pouco, o IPTU também perde força quando usado (como já começou a ser feito em algumas cidades brasileiras) como instrumento contra a especulação imobiliária. O aumento do IPTU para lugares mantidos vazios morderia bem mais se o IPTU já fosse um pouco mais alto; do jeito que está, passa de muito pouco para pouco. Aliás, o IPTU fortemente progressivo serviria até, ao desestimular um pouco a valorização excessiva, para conter um pouco a especulação imobiliária tão malvista por aí...

21.4.11

O bom (e sábio) selvagem

Há tempos atrás, comprei a edição especial da Revista de História da Biblioteca Nacional sobre história da ciência no Brasil. Lá, lia-se que (parafraseado) "os índios brasileiros (tupinambás) descobriram a influência da Lua nas marés antes de Galileu e Isaac Newton." No mesmo registro, num curso na USP ouvi que o conceito de axé da cultura africana (iorubá) é a mesma coisa, e antecede, a teoria da relatividade.

Ora, as duas afirmações, como muitas outras que você verá por aí se cavar um pouco, são uma muito bem intencionada e rematada bobagem. E uma bobagem que se baseia numa confusão absurda do que seja a história da ciência, ou a própria ciência. E uma bobagem que, no limite, tenta combater o racismo e o etnocentrismo e acaba por ser vulnerável, ela mesma, a acusações de racismo ou, pelo menos, estereotipização e etnocentrismo.

Pra ser claro: Isaac Newton e Albert Einstein não simplesmente disseram "a lua tem influência sobre as marés" ou "o universo é todo feito de energia." A observação de que a lua tem influência sobre as marés é comum a quase todos os povos de que se tem notícia, do Kalahari à terra de Arnhem, à Suméria e ao Egito antigos. Astrônomos persas situaram essa influência lunar dentro do contexto de um sistema heliocêntrico em 200 antes de Cristo. O que Newton fez de novo e importante foi explicar como essa influência se dá, através da gravidade. (Galileu tentou explicar pela rotação da Terra, erradamente.)

A idéia de axé, de que tudo é constituído por uma força vital mais ou menos concentrada, parece superficialmente com a noção relativística de que massa e energia são intercambiáveis, mas parece mais com as cascatas de luz originadas no Empíreo, do Abade Suger, no século XII ou o monismo do sopro de Adi Sankara no IX. Assim como Newton, a teoria de Einstein é notável, além de por sua explicação absolutamente materialista (e não mística), por ser uma explicação detalhada (e matemática) de processos, não uma declaração ontológica. e=mc^2 não é outro jeito de dizer que massa é relativa, é uma equação específica de conversão.

A confusão é, sem dúvida, bem intencionada. A idéia é mostrar que africanos e índios não são "primitivos," mas sim seres humanos capazes de realizações tão importantes quanto as do europeu. Os problema todo é que, por não entender bem o que é ciência, se acha que a ciência pode ser definida por declarações vagas, sendo o detalhamento e a matemática apenas minúcias teológicas; se trata ela como um sistema cosmológico, e não como o que é, algo até mais modesto - um sistema e uma atitude de apropriação e processamento de informação (existe uma disciplina científica chamada cosmologia, mas ela se refere ao universo observável para além das fronteiras de nosso planeta, e não a um Cosmos que a tudo açambarca). E quem acha que os (outros) deveriam ter feito a mesma coisa por outros caminhos não se dá conta de que as descobertas científicas de Newton e Einstein se deram, não graças à superioridade da cultura européia, mas graças a esse sistema empírico e científico, como acumulado através da escrita, que tem uma linhagem não apenas européia mas também árabe e se valeu de matemática desenvolvida na Índia e na Pérsia. Ou seja, um edifício multiétnico no qual os europeus foram apenas responsáveis pelos últimos andares.

Não é demérito aos iorubás (atemporais, ficou subentendido) não terem descoberto a teoria da relatividade (como tampouco o fizeram os europeus até 1905). Não é demérito dos tupinambás (ao se eliminar o "brasileiros," pode-se eliminar também o "índios") do século XVI não terem elaborado a teoria da gravitação universal, como tampouco o fizeram os europeus do século XVI (e os dos primeiros 87 anos do XVII). E a tentativa de mostrar como eles são fodas esbarra num duplo etnocentrismo: o primeiro ao achar que o valor do ser humano só pode se dar através da comparação vantajosa com o europeu, medida de todas as coisas; o segundo ao efetuar a metonímia pela qual tupinambás e iorubás viram "índios" e "africanos."

Os tupinambás tinham, realmente, uma astronomia lunar razoavelmente sofisticada, que incluía a previsão de marés e pelo visto era bem mais completa do que a grega do tempo de Péricles ou Alexandre o grande e ninguém acha que Aristóteles ou Platão eram selvagens uga-buga. Os iorubás (e não a África, continente mais diverso de todos) têm cosmologias e mitologias riquíssimas, comparáveis às de qualquer outro povo - e que não são as mesmas hoje que há quinhentos, ou mesmo cinquenta anos. Nem são uma só para todos os iorubás. Nenhum dos dois povos se sentiria muito lá lisonjeado, imagino, ao servir de mera metonímia para uma denominação geográfica, como se tupinambás e marajoaras, iorubás e etíopes, ao longo de séculos e milênios, fossem uma cultura só.

12.4.11

Palavrões IV - Fungível

No último post, reclamei da mentalidade de livro-caixa de alguns governantes, que pensam apenas em termos de "máximo de atividade por quantidade de dinheiro," como quando o Sérgio Cabral alega que é melhor vender uma área próxima ao centro para fazer mais unidades habitacionais na periferia do que usar a área diretamente. Ao fazer isso, comentei que ela se baseava na idéia, falsa, de que a atividade de governo é fungível, como o dinheiro. Ora, fungível, me dou conta, é um palavrão que não é, talvez, dos mais populares. Segundo o dicionário, fungível quer dizer "algo que pode ser substituído por outro bem de mesmo tipo, espécie, ou qualidade." Ou seja, fungível é tudo aquilo que pode ser trocado por outra coisa que tanto fez como tanto faz. Dinheiro é a coisa fungível arquetípica por definição, com a exceção da moedinha número um do Tio Patinhas; um real e outro real são tão exatamente a mesma coisa que não apenas não há diferença alguma entre eles como o meio físico que às vezes os acompanha é secundário. São todos parte da massa indiferenciada "real," em maior ou menor quantidade (lembra quase as noções de monadismo indianas). Em outras palavras, fungível é aquilo de que só se pergunta a quantidade, e pronto.

Alguns objetos do mundo real chegam próximos dessa qualidade das coisas abstratas; é quando se chama algo de "insumo" ou "commodity." Chegam próximos, não se equiparam, porque afinal de contas o mundo real é um pouco mais complicado do que as abstrações. Assim, o petróleo, commodity fungível por excelência, negociado em bolsa, na verdade é uma mistura complexíssima, principalmente de hidrocarbonetos mas também contendo vários outros elementos. O Brasil sabe bem o que é a diferença entre quase e efetivamente intercambiável, já que produz mais petróleo do que precisa, e mesmo assim importa petróleo, porque o nosso petróleo, "azedo" (cheio de enxofre) e "pesado" (contendo proporção maior de hidrocarbonetos mais estáveis e densos), em boa parte não é refinável pelas nossas refinarias, construídas para processar petróleo leve e doce do mundo árabe.

A confusão entre números e realidade não é prerrogativa exclusiva da centro-direita com ligações empresariais interessantes. Assim, durante a campanha presidencial, Plínio de Arruda Sampaio falou nos números de imóveis vazios e de necessidades de moradia brasileiros, dizendo que um compensaria o outro, como se fosse uma questão de mover colunas num livro-caixa, ignorando a questão de que um apartamento de quatro quartos nos Jardins não significa moradia para oito pessoas em João Pessoa. Ou para uma. Ou mesmo para uma pessoa sem moradia em São Paulo, haja vistos os custos de manter esse apartamento de quatro quartos. Também tem aquela velha esparrela do "quantos quilômetros de metrô se construiria com o preço do trem bala," e ah, um mundo de exemplos.

De certa forma, é o outro lado da moeda da falta de intimidade da maioria das pessoas com números, que no Brasil é particularmente aguda (já vi gente com diploma de engenharia e dificuldade pra distinguir média aritmética de mediana). Assim como as pessoas têm dificuldade em lidar com números, têm dificuldades em saber o que eles querem dizer - ie de fazer a transição entre os números e a realidade que eles descrevem. A matemática como é ensinada usa e abusa de exemplos "da vida real," mas eles são exemplos elaborados de "ilustrações," na minha opinião. Explico: não se trata de ensinar a descrever o mundo matematicamente, a usar números e expressões como linguagem, mas de "um jeito fácil de entender a matemática." Isso é, exatamente o contrário do objetivo real.

O problema é que, claro, desde sempre mas muito mais no mundo de hoje (que é, afinal, enorme), números são a maneira mais eficiente (às vezes a única) de se expressar boa parte dos problemas e soluções com os quais nos defrontamos. Por outro lado, quem não entende bem deles mas pressente isso tende a ter uma atitude ingênua frente a eles. Educar as pessoas mais em matemática não é apenas, como comunicados do MCT fazem parecer, uma questão de termos mais e melhores pesquisadores nas ciências "duras," mas uma questão de cidadania.

7.4.11

Lucros cessantes

Há algum tempo, um post deste blog versou sobre como o grande problema da habitação popular é a falta de áreas disponíveis em regiões centrais, que são caras, o que leva governos a construírem conjuntos habitacionais lá no raio que o parta, enchendo os transportes coletivos. Aproveitava e citava alguns exemplos de áreas que estão em poder do Estado e poderiam ser utilizadas para conjuntos habitacionais, em áreas centrais, com o bônus adicional de criar bairros com perfis socioeconômicos diversificados, ao invés da homogeneidade "natural" e problemática.

Pois bem, o governo do Rio de Janeiro acaba de jogar fora uma oportunidade de fazer habitação popular em áreas centrais, num terreno que é seu. Trata-se da área do antigo presídio da Frei Caneca (e põe antigo nisso - foi o segundo presídio moderno do Brasil), que foi dinamitado com a promessa de se transformar em habitação popular. Hoje, com a valorização do terreno pós-UPP, o governo mudou de idéia e pretende, ao invés disso, vender a área do terreno "para fazer mais casas lá longe." Pelo visto, a noção de "o estado não tem dinheiro para adquirir terrenos em locais caros" se estende aos lucros cessantes, como se fosse uma empresa com necessidade de caixa.

É a mesma mentalidade de livro-caixa que faz a prefeitura de São Paulo pretender vender uma creche no Itaim Bibi "para fazer mais creches na periferia." Não apenas não é uma mentalidade de governo (que deve cuidar de seus cidadãos - no caso do Frei Caneca, foi feita a promessa explícita de que os moradores retirados de morros de Santa Teresa seriam relocados para lá, que é perto), como é uma mentalidade empresarial medíocre, que trata tudo e todos como se fossem, como o dinheiro, fungíveis. Esquece completamente das externalidades, benefícios e custos envolvidos (quanto sai o transporte de 10.000 pessoas de Santa Cruz até o Centro, por 50 anos?), de uma maneira que é particularmente problemática porque a empresa sempre pode jogar essas externalidades no colo alheio, e o governo não.

Reductio ad absurdum, vamos logo vender todos os equipamentos urbanos em áreas valorizadas (imagina que beleza de prédio corporativo daria pra se fazer nos terrenos do MAM e do MASP), e alocá-los todos no entorno dos lixões; olha só, ainda aumentaria o lucro das empresas de transporte público!

6.4.11

Tucanando 2

Outra tucanada tem a ver com o BNDES. Alguns tucanos já falaram em simplesmente dissolver o BNDES, mas outra fatia, talvez majoritária e incluindo o ex-diretor do próprio banco e do Banco Central Pérsio Arida, tem uma proposta mais modesta, que é a da normalização da Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP. Essa sopa de letrinhas se refere à taxa de juros cobrada pelo banco, que é (afinal, essa é a função Desenvolvimento, o "D" de BNDES) inferior à cobrada pelo mercado, e até à taxa referencial do Banco Central, a Selic. A função é garantir dinheiro para obras e atividades necessárias para o desenvolvimento do Brasil, já que o dinheiro no Brasil, historicamente, é caro.

Segundo Pérsio Arida e muitos outros (até alguns "desenvolvimentistas"), o problema da TJLP, atualmente, é que ela está muito mais baixa, isso é mais barata, não apenas do que a SELIC mas do que o preço da própria dívida de longo prazo de rendimento fixo do tesouro nacional; isso é, ela representa uma injeção de liquidez, paga com dívida pelo tesouro, na economia. Ora, uma injeção de liquidez é uma coisa ótima num momento, como em 2008, em que se teme uma retração financeira; num momento em que o governo anuncia cortes no orçamento justamente para tentar conter a expansão da economia e a inflação, o papel do BNDES, com endividamento do governo, é problemático. É como se o governo ficasse empurrando ao mesmo tempo pra frente e pra trás um carrinho.

A proposta de Arida é simples: equalizar a TJLP ao custo que o governo paga pela sua dívida de longo prazo, que hoje é o valor das Notas do Tesouro Nacional (NTN-1). Assim, pararia de injetar liquidez numa economia que já é extremamente líquida. Para projetos especiais de interesse do governo e rentabilidade duvidosa, como energias ou transporte alternativo, saneamento, etc..., o banco continua com a possibilidade, como já faz hoje, de emprestar a taxas inferiores à TJLP.

Com isso, teríamos um método de reduzir a liquidez da economia que não apenas não significa restrições e problemas para o governo, como os cortes no orçamento direto ou o aumento da SELIC, como melhora o caixa disponível.

5.4.11

Tucanando

Este é o primeiro de 2 posts nos quais eu concordo com os tucanos, não em uma, mas em duas propostas deles, e ambas bastante importantes. A primeira é a proposta deles na reforma política, em que defendem o voto distrital misto, ao contrário dos petistas que querem o voto em lista fechada e 100% proporcional. Bem, OK, muitos tucanos na verdade defendem o voto distrital puro, e não o misto, com direito ao Serra dando a idéia de aplicá-lo já nas eleições municipais de 2012. Mas muitos tucanos preferem que seja o misto, com metade em lista fechada por estado.

Concordo com o argumento de que o voto estadual em lista fechada defende a representação "ideológica" por partido, e a participação dos partidos menores, ao mesmo tempo que desincentiva os gastos em campanha eleitoral (e a corrupção daí proveniente, tanto stricto quanto lato sensu), e aumenta a coesividade e transparência das forças políticas. Por outro lado, não é para mudar o Brasil, mas justamente para reconhecer e oficializar um modo de encarar as coisas que já é brasileiro que acho bom o voto distrital. Ou seja, concordo com os tucanos de um ponto de vista bem não-tucano, já que em geral tucanos têm ojeriza a tudo que é tipicamente brasileiro.

É só ver a quantidade de políticos, em eleições para todos os três níveis, que se identificam como "fulano de tal lugar" para ver o quão importante é, na cabeça do brasileiro, a representação propriamente dita dele, e de seu quinhão geográfico. E nem isso deixa de ser, realmente, uma função do parlamento tão ou mais importante do que a representação ideológica. Por outro lado, ao oficializar isso, e portanto impor regras pelo menos tentativamente equitativas, essa representação se tornaria mais justa; não haveria regiões sub e super representadas da maneira como as temos hoje. (A idéia de representações não-geográficas - classistas, por exemplo, ou étnicas - também existe, mas é um ninho de marimbondos que até a Bélgica, com sua divisão interna, resolveu isolá-la do parlamento quando a implementou.)

Então, essa a minha concordância com os tucanos nº 1: pelo voto distrital misto, com lista fechada na metade proporcional. Ah sim, e o motivo pelo qual o PT prefere voto em lista fechada proporcional puro é bastante óbvio: é o partido com mais votos, de muitíssimo longe. Mesmo sem sonhar com essa disparidade se traduzindo na lista fechada, já que os nomes vão continuar aparecendo na lista e na propaganda, gostam porque se apenas metade dessa vantagem se materializar o PT já consegue mais de um terço do Congresso só pra ele.

4.4.11

Primeiro de Abril

O meu post passado foi uma brincadeira de primeiro de Abril; o programa 100 parques para São Paulo, anunciado com fanfarra pela prefeitura da cidade, só parece; na prefeitura e no estado, os novos parques anunciados e planejados incluem a prestigitação semântica, o cambalacho puro e simples, e a piada pronta. Do maior pro menor:


Parque da represa de Guapimirim, com 22Km2. Como? 22Km2? Quinze Ibirapueras? Puta parque, meu! Ou melhor, 72.000m2, eventualmente expansíveis para 120.000. O resto da área do "parque" é simplesmente a atual área de proteção ambiental, que ganhará outro nome.

Parque da lagoa de Carapicuíba (estranhamente, no município de Barueri). Uma empresa procederá ao aterramento do atual lago contaminado e à criação de um parque, em troca da utilização de uma pequena parte da área para um centro de logística, sem custo ao estado. Uma "pequena parte" contabilizando 1,5Km2 do total de 2,4. O parque será basicamente um cinturão verde em volta do pátio de carga da empresa, que além da área enorme a baixo preço terá crédito de ICMS por 20 anos.

Parque do Jóquei Clube. O parque resultará da troca de dívidas do Jóquei. Será mantida a atividade atual principal do clube, por sua relevância para a cidade. É isso mesmo: o parque do Jóquei, comprado pela prefeitura a 300 milhões de reais, vai continuar abrigando o Jóquei.

Parque linear da Vila Madalena. O parque será descontínuo, não interrompendo as ruas por onde passa, e terá largura média de 6m. Descontínuo e 6m de largura. Nada contra arborização de ruas, mas isso com boa vontade é um bulevar, não um parque.

Parque Mário Covas, na Paulista. Um terreno há muito desocupado exceto por algumas árvores ganhou uma mudança na grade, uma cabine de informações turísticas, e o nome pomposo. É menor do que uma pracinha média, ocupando algo como um terço ou um quarto de quarteirão.

1.4.11

Seus problemas acabaram!

Não, não são as organizações Tabajara. É o CERN mesmo. Pesquisadores russos usando o Large Hadron Collider, na Suíça (sem precisar levantar a bunda da cadeira em Leningrado, graças à excelente rede de dados do CERN) conseguiram demonstrar a possibilidade de assimetria de Bose em escalas de energia acima do TeV em léptons. Em outras palavras, provaram a viabilidade prática, além de teórica, da fusão nuclear controlada gerando energia a partir da energização de partículas.

Até hoje, só se sabia de dois métodos de fusão nuclear que eram capazes de liberar mais energia do que tinha sido gasta para iniciar a fusão, nenhum deles lá exatamente prático para ser utilizado como fonte de energia; a saber

1) Englobe um pouco de hidrogênio numa esfera oca que sofrerá uma explosão nuclear, isso é uma reação em cadeia exponencial de nêutrons. O problema é que (noves fora a dificuldade de alguma coisa feita pelo homem sobreviver à explosão) a reação ocorre uma vez, e rapidamente a própria explosão se encarrega de dissipar o campo de reação.

2) Arrume um campo gravitacional grotescamente gigantesco - da ordem de umas três vezes a massa de Júpiter, ou mil vezes a da Terra, ou 6.000.000.000.000.000.000.000.000 de toneladas, pelo menos. É o que faz o Sol e as outras estrelas brilharem. A gravidade se encarrega de impedir que a explosão disperse os núcleos atômicos, e assim mantém a geração de energia. Obviamente, nós ainda estamos meio atrasados em "gerar gravidade."

Com a descoberta dos russos, soma-se um terceiro método: a ativação de núcleos a energias insanas num acelerador, para adentrarem depois a câmera de um tokamak, uma imensa rosquinha com um mega campo magnético dentro da qual e do qual ocorre a fusão, como o que está sendo construído na França. O melhor da descoberta é que a assimetria mencionada é transferível - isso é, você não precisa de um acelerador de partículas para cada tokamak, mas pode transferir em "garrafas" de fusão a reação toda de um tokamak para outro. Com isso, num horizonte de trinta a cinquenta anos, vamos poder fazer usinas nucleares de fusão.

Ao contrário das usinas de fissão nuclear, atuais, as usinas de fusão não soltam lixo nuclear, nem dependem da disponibilidade de urânio (o urânio atual dura muito pro consumo atual, mas desapareceria rápido se o parque de usinas fósseis do mundo fosse convertido para usinas de fissão). Como não soltam lixo radioativo nem teriam maiores problemas em caso de acidente, seriam muito mais baratas que as usinas de fissão, em que boa parte do custo é por conta das medidas de contenção e segurança. Não causam danos ambientais que nem todas as energias recicláveis. Não contribuem pro efeito estufa. Em resumo: se hoje nós ainda nos preocupamos porque não há forma de gerar energia elétrica sem problemas, em 2040 isso não vai mais ser preocupação. Alguma coisa boa pro futuro, enfim.