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19.12.07

Batendo só em chico

Há um tempo atrás, reclamei de como a Amazônia era o equivalente vegetal da "megafauna carismática," aqueles bichos que, por serem fofinhos, absorvem uma quantidade desproporcional da preocupação pública com sua preservação, e assim fazem com que se perca uma visão apropriada do problema como um todo.

Bem, no caso da transposição (ou seria Transposição) do rio São Francisco, acho que um processo primo desse tá acontecendo, devido à relativa falta de atenção dada a duas ações governamentais diferentes, uma inegavelmente positiva, a outra, dependendo de a quem você perguntar, negativa.

A positiva é o programa um milhão de cisternas, que faz parte do Fome Zero, e é implementada pela Articulação pelo Semi-Árido, um esforço conjunto de diversas organizações. Esse programa, reconhecendo que o índice pluviométrico anual do semi-árido é equivalente ao de Londres, ao invés de abastecer as casas dos seus moradores com caros (tanto na implantação quanto na manutenção) e frágeis sistemas de desvio de águas distantes, ao invés disso constrói (com mão de obra local) cisternas de baixo custo, capazes de captar água da chuva, tratá-la, e guardar o bastante para abastecer uma família por oito meses. Já foram construídas, ao custo de 200 milhões, duzentas mil cisternas.

A que depende, mas certamente todos os críticos da transposição deveriam ver como negativa, é o conjunto de programas de irrigação tendo o rio como fonte de água. Esse conjunto, descontados os programas já existentes, pensando só nos que foram anunciados para os próximos cinco anos pelos governos estaduais e federal, ou estão em construção agora, deve drenar do Velho Chico mais de 10 vezes a quantidade de água a ser desviada pela transposição. A imensa maioria dessa água está destinada a suprir plantações comerciais para exportação. O único dos problemas com a transposição que não está presente, e em muito maior escala, em iniciativas correntes e que não chamam gritaria nacional, é justamente o que praticamente ninguém menciona quando ataca a transposição, que é o dano que água perene causa a ecossistemas que não estão acostumados com ela. Fora isso, a salinização da terra, o incentivo à concentração fundiária, a diminuição do nível do rio, tudo isso é igualzinho. Bem, igualzinho só que dez vezes (literalmente) pior.

11.12.07

Elogio da guerra I - manifesto da crueza

Um grande bafafá está rolando depois que o César Maia levou ao conhecimento da classe política fotos vazadas por policiais. As tais fotos mostrariam vítimas de execuções sumárias. O que é curioso, pra mim, na discussão, é que pelo tom adotado tanto pelo pessoal do espancar e matar quanto pelo pessoal dos direitos humanos é de que essas fotos glorificam a violência.

E, bem, pode até ser verdade. Mas fotos cruas dos mortos foram, em boa parte, o que fez com que os EUA perdessem a guerra do Vietnã. Não estou, aqui, repetindo a Dolchstosslegende pela qual os liberais teriam traído o exército americano; pelo contrário, inclusive a moral das próprias tropas americanas foi afetada pelo conhecimento melhor do que estava acontecendo. Tem gente para quem a barbárie é natural e apropriada.

Mas esse não é o caso da maior parte da população, numa sociedade pós-industrial, pós-disciplinar. O Globo não deixou de publicar as fotos porque isso seria apoiar a "guerra," afinal ele apóia a "guerra." Deixou de publicar porque elas, ao mostrar o que significa a retórica belicosa que se disseminou pela sociedade, chocariam. Acho que é disso que o Brasil precisa, no momento, e que nossa imprensa oligárquica definitivamente não vai mostrar. De ser chocado. De encarar frente a frente nossas My Lai.