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20.4.06

Mudando de ares

Uma das esperanças de quem não gosta muito dessa porcaria de petróleo (por exemplo, por conta do aquecimento global, que agora já desponta como vilão ambiental pior do que o desmatamento), é de que ele acabe, por conta do crescimento menor das reservas mundiais do que do consumo.

Odeio jogar água fria no caldo, mas essa esperança tem um obstaculozinho no caminho dela. É que as reservas de petróleo, bem, aumentam quando estão acabando. Parece esquisito, mas é porque "petróleo" é um termo que cobre várias substâncias diferentes. Reservas de petróleo não são cavernas cheias de um líquido negro uniforme, mas estimativas de quanto pode ser recuperado em hidrocarbonetos. E essas estimativas dependem do quanto se aceitaria pagar pra extrair cada barril. As "reservas" de petróleo existentes são calculadas pensando num preço de em torno de vinte dólares o barril. Isso é, "petróleo" que custe mais do que isso pra extrair não entra na conta. Hoje, um quarto das reservas do mundo, 250bn de barris, está na Arábia Saudita, outros 10% no Iraque. Se você sobe pra 35 dólares, de repente as segundas maiores reservas do mundo não estão mais no Iraque, mas no Canadá, nos areais alcatroados de Alberta (155bn). Suba um pouquinho mais, pra 45, e o Canadá passa pra terceiro, sendo que a própria Arábia Saudita perde o primeiro lugar pra Venezuela, cujo petróleo pesado do Orinoco pode chegar a 400bn de barris equivalentes de petróleo. A 90 dólares o barril, os EUA passam a terceiro lugar; em trilhões de toneladas de xisto, eles têm uns 200bn de barris de petróleo.

O pior da história? Todas essas fontes extras de petróleo poluem pra cacete durante sua extração.

17.4.06

Imprensa que ela grita

Ação: o caderno de economia do Globo de sábado anunciava que

Estudo em 13 países mostra que brasileiro tem o menor orçamento após pagar IR


Lendo um pouco mais adiante, percebe-se que o "estudo" da consultoria Ernst and Young na verdade diz que o brasileiro de classe média tem um "saldo disponível para lazer, investimentos e extras" menor do que o de outros países, depois de pagar não apenas o IR, mas também outras "despesas essenciais."

A culpa não é só do jornal, claro. A Ernst & Young chegou a essa conclusão postulando cidadãos de diversos países com renda monetária de 69.000R$ (convertida pelo câmbio corrente), pagando 25% de pensão ao ex-cônjuge, com cônjuge atual (bem, a reportagem fala "mulher," mas tô tentando tirar um pouco do machismo), filho e "despesas compatíveis com a renda," pagando previdência privada de 10% da renda, morando em imóvel alugado (imagino que "compatível com a renda" também). Ou seja, estabelece uma vintena, por baixo, de suposições que não estão claras, e além disso compara pessoas com níveis de renda real distintos - mesmo que não pensemos na posição social de quem ganha 35.000 dólares (quase a renda per capita) nos EUA e quem ganha o mesmo (5% mais ricos) no Brasil, a capacidade de compra dessa renda varia entre os países. Tanto é que nos dois países estudados com o imposto de renda mais progressivo, a alíquota mencionada é zero.

Desse jeito, eu ganho uma luta com o Mike Tyson - desde que x, y, z, ∂, ß, ∆, ∑...

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Omissão: o mesmo Globo, ao falar no domingo de um seminário "revisionista" sobre as cruzadas, que apresenta as mesmas como "defesa" da terra santa contra o turco, menciona que ele foi organizado pelo historiador Roberto de Mattei. Faltou explicar que o historiador é

Consigliere per le relazioni istituzionali, politiche e culturali
del Vice Presidente del Consiglio e Ministro degli Esteri Gianfranco FiniG

E que Gianfranco Fini vem a ser o líder do partido neofascista Allianza Nazionale. Tudo bem, ele não é um fascista convicto, só um oportunista, tanto é que, já no governo, denunciou aspectos do fascismo quando buscava um acordo comercial com Israel, perdendo por conta disso o apoio da neta do Hômi, a deputada-atriz pornô Alessandra Mussolini. Mas isso não depõe contra as credenciais ou o fervor de seu consigliere.


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Espanto: o JB, em seu novo tamanho berliner, serve de palanque a dois políticos de peso. Um, FHC, está pelo visto em campanha em todos os jornais e revista, e não fala nada de muito novo. O outro, porém, etrevistado para o "JB Ecologia," é o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi. Pode chamar, em sua encarnação de fazendeiro, de "o maior desmatador individual do mundo." Entrevista chapa-branca falando de meio ambiente com ele, mesmo num caderno "ambiental" cuja capa é "em busca da mineração sustentável," é uma piada de péssimo gosto.

8.4.06

Fatalismo napolitano

Lendo a Folha de ontem é que eu me dei conta: as CPIs (não apenas as presentes bagunças, mas no abstrato) não têm como não acabar em pizza. Não porque o Congresso seja particularmente venal (até é) ou porque haja algum grande acordo entre governo e oposição (todos os acordos tácitos que foram feitos no governo Lula foram quebrados), mas simplesmente porque TODO desfecho - a não ser, talvez, o esquartejamento em praça pública de todas as pessoas citadas num relatório, em número não inferior à população de Fortaleza - vai ser chamado de "pizza." Na Folha, a absolvição de Sandro Mabel, contra quem a única evidência incriminatória era a palavra de uma desafeto, estava na lista de evidências da Pizza.

Provando, talvez, que o McCartismo prescinde de comunistas, melhor ainda do que a peça daquele moço que casou bem.

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"Com licença. eu queria usar a internet?"
"O senhor não pode estar comendo aqui, mas quando o senhor estiver acabando, é só estar me chamando que eu vou estar habilitando o computador. O senhor não quer estar escolhendo uma sobremesa?"

Juro. Não é hipérbole, é uma transcrição verbatim. E o infeliz ainda veio enquanto eu comia o hambúrguer pra insistir nas porcarias das sobremesas. Com gerúndios.

1.4.06

Arabia felix

Com a alta no preço do petróleo e a baixa nas calotas polares*, tem gente parecendo achar que o Brasil vai virar a Arábia Saudita dos biocombustíveis. Odeio jogar água fria no sonho do Brasil Grande, mas... o melhor rendimento conseguido hoje na produção de bioenergia com dendê (na Malásia) e cana de açúcar (em São Paulo) é de 1,4e+11J/ha (líquidos) Só pra suprir o consumo de energia fóssil brasileiro, de 6e+18J, você precisa de quarenta milhões de hectares de terra cultivada em regime intensivo (para além do que é cultivado hoje. Digamos uns 25 milhões de hectares (um pouco mais do que a área de São Paulo) pra dendê, que teriam que ficar no Amazonas, porque a área apropriada pro cultivo de dendê fora desse estado, segundo o Ministério da Agricultura, é de quinze milhões de ha. E 15 milhões de ha a mais pra cana de açúcar, parte da qual teria que ser irrigada.

Isso é só pra suprir as necessidades brasileiras. Pra exportar algo parecido com as exportações sauditas de petróleo, seriam 2.800.000Km2 de área cultivada com dendê e cana, dos quais pelo menos metade teria que ser irrigada, com água o bastante pra secar o Paraná e o Tocantins. E isso sob condições ideais, o que é mais ou menos como dizer "se a rainha da neve e o mago merlin ajudarem." Na prática, a maior (de longe) refinaria de biodiesel planejada no momento vai se situar em SP e processar óleo de soja.

Continuo achando biocombustíveis uma boa idéia, mas não em termos grandiosos de Brasil Grande ou empreendedores de agroexportação; acho a noção de incentivar a mamona e as palmeiras (dendê e babaçu) na região Norte/Nordeste, excelente, já que ela ambiciona transformar essas colheitas em "cash crops," em cultivos que complementam a agricultura familiar de subsistência, permitindo geração de renda monetária pros minifúndios; se combinada com um plano de reforma agrária real, poderia ser a, com o perdão do trocadilho, salvação da lavoura pr'essas regiões. (É um grande "se"; a última notícia de vulto sobre reforma agrária no nordeste foi o plano dos ministérios da Agricultura e Integração de fazer uma reforma agrária ao contrário nas áreas atingidas pela transposição do São Francisco.)

Até esse plano tem um problema, ou melhor, dois problemas. O primeiro é que do ponto de vista da produção de energia, ou da substituição de energia fóssil por agrícola, a mamona (como a soja, o milho e a canola) não é lá grandes coisas. O balanço energético dessas colheitas está por volta de 1,4 a 1,6 (dependendo da técnica e clima). Isso significa que, pra cada unidade de energia fóssil gasta pra plantar, colher e processar a mamona, você ganha 1,4 unidades de energia "biológica." Em outros termos, um litro de biodiesel de mamona não está aposentando um litro de diesel de petróleo, porque você gastou uns 650ml de diesel pra produzi-lo. (O álcool de cana e o o óleo de palmeiras têm balanços energéticos entre 6 e 8,5) O segundo é que, do ponto de vista da requalificação econômica do campo brasileiro, o lado "fome zero" do programa, bem, o óleo de mamona é mais caro do que o diesel. Faz mais sentido uma trading do governo pra comprar mamona de agricultores familiares, ou o incentivo à formação de cooperativas, do que a compra de um óleo caro pra fazer diesel; a razão que eu consigo imaginar para esse foco, que não foi explicitada pelo governo, é que, se a mamona se difundir a ponto de uma parcela significativa do Nordeste cultivá-la, o preço do óleo de mamona cairia drasticamente no mercado internacional, já que a oferta ultrapassaria em muito a demanda.


*O Joseph Stiglitz alega que, numa palestra do Fórum de Davos, viu executivos de companhias petrolíferas explicarem que a retração das calotas polares e geleiras abriria novos campos de exploração petrolífera. Si non è vero, è bene trovato.

Contas criativas

No panfleto do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário que foi manchete de economia ontem, um gráfico apresenta a comparação da carga tributária brasileira com a de outros países.

Bem. Quase. Ele apresenta a comparação da carga tributária brasileira segundo o IBPT, que inclui multas, dinheiro que os governos talvez recebam na justiça, royalties e otras cositas más, com a carga tributária de outros países segundo as mesmas regras internacionais que a Receita Federal usa pra calcular a carga tributária, que não incluem nada disso e portanto dão em alguns pontinhos de percentual sobre o PIB a menos de carga tributária.

Vou começar a dizer que tenho um metro e noventa e cinco de altura. É medindo do dedão do pé esticado até o alto da cabeça, mas isso é só um detalhe.


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O governo Bush anuncia, orgulhoso, a expansão de um meio ambiente criticamente ameaçado. Bem. Quase. É que pra isso teve que contar como "wetlands" (pântanos, mangues e brejos) lagos artificiais de campos de golfe e contenção de resíduos, fossas sanitárias, lagos ornamentais...


By counting golf course ponds and ornamental lakes as wetlands, the federal government announced Thursday a massive gain in the number of wetlands nationwide, the first such gain ever reported.

But a chorus of critics called the report misleading, saying the nation lost wetlands without those man-made bodies of water.

More than 520,000 acres of wetlands were wiped out from 1998 to 2004, according to the study done by the U.S. Fish and Wildlife Service.

But the report contends that the losses were offset by creating more than 715,000 acres of new wetlands, mainly artificial ponds that do not provide the same environmental benefit as wetlands.

Federal officials hailed the results as a positive sign.

"Although the overall state of our wetlands is still precarious, this report suggests that nationwide efforts to curb losses and restore wetlands habitats are on the right track," said outgoing Interior Secretary Gale Norton.