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30.11.11

Liberalismos

Num artigo da Economist sobre mulheres na China (parte de uma série de artigos sobre mulheres em países asiáticos), um trecho no finalzinho chama um pouco a atenção:



It has already become more acceptable for a woman not to be working, says Helene Zhuge, CEO of bon-tv, a private television network broadcasting from China to the world. If her husband has a good job, or she has money of her own, she can now be a stay-at-home wife without incurring social disapproval. According to Ms Zhuge, this is part of a broader movement over the past few years towards greater social liberalism in China. In the big cities it is now fine for a couple to live together without being married; divorce is getting more common; and being gay is no big deal.


Acho que parte dos sinais de liberalização dos costumes que todos reconheceríamos é, sem dúvida, que um casal possa se juntar sem casar. Ou que ser gay não seja problema. Mas não creio que eu seja o único que acha que "a mulher não trabalhar e ser só dona de casa" está meio deslocado nessa companhia.


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A última atrocidade do novo código florestal: a bancada nordestina pretende eliminar os manguezais das áreas de preservação.

24.11.11

Enquanto isso, na sala da justiça

Enquanto denúncias de corrupção comezinha dominam o noticiário brasileiro, e a crise européia o mundial, mal e mal se fala das revoluções no mundo árabe, mas não vai aparecer muita coisa relacionada ao que está acontecendo no Chifre da África, evidentemente. E o que está acontecendo é a maior fome desde 1984-85. Quando começou a carestia por lá, algumas publicações internacionais (lembro da Economist, da BBC, e do Le Soir) fizeram menção a ela, mas nenhuma brasileira; não parece que a coisa vá mudar tão rápido. A não ser que alguém faça um show, talvez, como nos anos 80.

A carestia começou a se tornar aguda com a seca, que já vem do ano retrasado. Não é uma seca dessas em que nada se mexe sob o sol não - o chifre da África continuou exportando, no primeiro ano da seca, centenas de milhares de toneladas de produtos agrícolas caros e que precisam de bastante água, como café, flores, e chá. Em março agora, três meses antes de as Nações Unidas declararem oficialmente um estado de fome na área ("fome" vem depois de "emergência humanitária"), a Etiópia ainda foi palco de uma imensa feira de flores, e a exportação de hortifrutis do país bateu recorde este ano. 450 milhões de flores cortadas exportadas enquanto 13 milhões de pessoas passam fome. Novidade nenhuma, diria o Mike Davis.

Pois bem, essa carestia apenas em parte natural já estava diminuindo um pouco, e a ONU estudava diminuir o status do problema em algumas áreas de fome para apenas emergência humanitária. E, claro, nessa mesma hora, ou seja, ontem, o governo etíope (aquele mesmo que mais acima está se orgulhando das exportações de flores e verduras enquanto seu povo morre de fome) entrar na Somália, como já tinha feito em menor escala o Quênia, e sempre sob as bênçãos dos EUA, para defender turistas e outros gringos da ameaça de sequestro por "islamistas." Não é por nada não, o Frank Miller que me perdoe, mas não me parece que o pior problema da região seja o terrorismo islâmico...

Foram 29,000 crianças de menos de cinco anos mortas até agora. Dos 2,5bn pedidos pela ONU, foram angariados 1,12bn. Os EUA prometeram 150 milhões, mas cortaram isso para 13 porque uma lei impede que saia dinheiro se parte da comida for roubada. O gasto anual da força-tarefa antipirataria no Golfo de Aden, ali do lado, é de uns 2 bilhões, desde 2008. (Sem contar o custo dos navios em si - outros 5bn.)

23.11.11

Versailles-sur-Mer




Até a Economist, bastião do liberalismo, faz piada com o fato de a imposição à Grécia de "austeridade" pelos credores não ser lá muito democrática. Entretanto, a própria revista, dessa vez rezando mais ortodoxamente pela cartilha, comete um erro de fato ao dizer, em outra coluna, que "o problema da Grécia é que os gastos são maiores do que as receitas. Ou não exatamente um erro de fato, mas uma pequena confusão útil. É que a Grécia, como o Brasil faz desde 1999, tem superávit primário. Isto é, descontados os pagamentos aos bancos, a Grécia não "gasta mais do que arrecada." É menor do que o brasileiro - da ordem de 1,5% do PIB - mas definitivamente não se trata, olhando para isso, de "gregos perdulários vivendo às custas dos alemães trabalhadores." Aliás muito pelo contrário - a Alemanha está no zero. E teve mais anos no déficit desde 1993 do que a Grécia, que só teve déficits absurdos em 2008 e 2009. E adivinha pra quem, via bancos, vão os juros da dívida grega?

E aí é que está a dupla cruz da questão: o dinheiro apresentado como socorro à Grécia não o é coisíssima nenhuma. É um socorro aos bancos alemães e franceses (principalmente). Se a Grécia tem superávit primário, a austeridade que querem impor aos gregos é maior do que a que seria imposta ao país pelas consequências "naturais" de uma moratória. Evidentemente que os efeitos da moratória não se resumem unicamente ao país não conseguir pegar empréstimos - a Argentina se deu muito bem porque teve a sorte de declarar moratória num momento de valorização de seus produtos e de liquidez farta - mas tão evidente quanto isso é que eles não podem ser piores do que a colher de fel (de cicuta?) que oferecem à Grécia, e que o Papandreou, mais por esperteza que por surto democrático, deixou para os cidadãos decidirem se tomam. (Perdeu o cargo com isso, mas melhor perder o cargo do que ser amaldiçoado até a décima geração. E maldição balcânica pega.)

Se a Grécia pudesse declarar moratória sem "ser punida" pelas instituições transnacionais que de fato controlam sua economia, ela não apenas não teria que cortar gastos porque não teria mais empréstimos. Ela poderia expandir os gastos do governo apenas com o que arrecada. Mas em nome dos bancos franceses e alemães (e britânicos, e suíços, mas esses ficam quietos e fingem que não fazem parte da brincadeira), vão ser impostas medidas "de austeridade" aos cidadãos gregos. Entre aspas, porque aumentar a progressividade do imposto, nem pensar. Cortar gastos militares também não faz parte do pacote. E, como o FMI dos bons tempos dos ajustes estruturais que quase levaram a África para a Idade da Pedra e são lembrados com carinho por aqui, fazem parte do pacote um monte de medidas liberalizantes que não tem nada a ver com a capacidade arrecadatória do Estado, ou até a afetam negativamente, mas são incluídos porque segundo os impositores "no longo prazo, criarão o crescimento." Ora, além dessa sabedoria ser questionável, ela leva a falta de democracia para bem além da necessidade de assegurar o pagamento...

21.11.11

Bela Cordilheira

A força que ganhou o tema "Belo Monte" depois da adesão de estrelas da Globo à campanha contra a construção da usina comprova, talvez, que a era dos virais da internet ainda não suplantou a dos velhos mídias. Belo Monte, de problema de ecochato e gringo, virou cause cèlebre nacional. E eu, que sou do contra e falava mal da represa desde muito antes, e em especial do silêncio dos candidatos presidenciais, Marina incluída sobre a questão, vou ser do contra de novo: agora a Inês é morta, os cavalos escaparam pela porteira, o leite derramou. Os maiores problemas socioambientais derivados de hidrelétricas na Amazônia não são os causados pelo lago*, mas aqueles derivados do fluxo habitacional temporário e da interrupção do curso do rio, partindo em dois um ecossistema integrado (muitos peixes, eg, se reproduzem nas cabeceiras de um rio, mas vivem sua vida adulta no curso principal, ou mesmo no mar).

O segundo fator continua sendo preocupante em Belo Monte, sem dúvida, mas escadinhas de peixe, como a que existirá, amenizam ele bastante. Não é fácil quantificar se Belo Monte vai ser mais danosa aos peixes do Xingu do que um parque eólico equivalente seria às aves marítimas do Nordeste. O primeiro, que é o pior deles, é que essa imensa massa humana (em Belo Monte, fala-se de 100.000 pessoas - mais do que a população atual de Altamira - ou de Corumbá, ou de outros cinco mil municípios brasileiros - é transiente e desocupada. A usina não precisa durante sua construção de todos aqueles que são atraídos pela notícia dela, e depois da construção, de quase ninguém. E aí você tem dezenas de milhares de pessoas sem ocupação nem como voltar pra casa, cuja única alternativa é a agricultura de subsistência no que um dia foi floresta. O que, é claro, gera poluição e desmatamento, e conflitos com os índios e ribeirinhos.

Ora pois, a essas alturas o povo já se mudou pra Altamira. Cancelar a obra não faria tanta diferença assim. Belo Monte não será um problema ambiental, já foi um problema ambiental. Por isso é que eu não me importo mais tanto assim com ela. Por outro lado, e infelizmente sem nenhuma atenção global (será que vão fazer vídeo depois de feito o estrago?), o novo, e retrógrado, código florestal caminha para ser aprovado no Congresso. O novo código, não custa lembrar, causaria o desmatamento de uma área literalmente 500 vezes maior que a do lago de Belo Monte, na projeção mais otimista. Centenas de vezes maior, mesmo incluindo o desmatamento induzido. Sem vídeo da Globo avisando que a parolagem ambientalista de que a legislação ambiental brasileira é rigorosa é uma mentira deslavada, e que o contrário é verdade - na maioria dos países, o desmatamento permitido é zero, não 20 a 80% de uma propriedade.

*a não ser que se cometa a burrice de deixar a floresta lá para ser alagada, caso em que a usina emite metano em proporção pior, para o efeito estufa, do que se fosse uma usina de carvão do mesmo tamanho.