E assim, ligando ao subtítulo, começa a lista das falácias do desarmamento. Ela não inclui os absurdos inventados pela Veja, que não são falácias, são mentiras tiradas de blogs reaças americanos e cartas-corrente, só falácias de gente razoável. A primeira, que é a que tem a ver com o Batman, é "a arma é uma ferramenta como outra qualquer, quem mata é a pessoa." O único erro aí está no "como outra qualquer." A arma é uma ferramenta, sim, só que um martelo é usado para pregar, e pregar é considerado uma atividade razoável. O verbo associado à arma é "matar," o que a sociedade condena. Mais, até onde eu saiba, do que condena "fabricar drogas," e os produtos químicos usados para fabricar drogas são proibidos. Pode dizer que a arma também é usada para outras coisas, mas o verbo primário dela é matar - até a autodefesa envolvendo uma arma parte do princípio de que aumentam as suas chances de matar o agressor.
"Quem quer matar alguém ou a si mesmo vai fazer isso de qualquer jeito." Olha, eu posso estar enganado, mas a última batalha de verdade perdida por gente usando armas de fogo, contra gente que não as portava, foi a batalha de Isandlwana, entre as tropas da rainha Vitória da Grã-Bretanha e as do rei Cetswayo da Zululândia. Isso em 1879. Armas de fogo modernas são muuuuito melhores do que as de 1879. E os impi zulus são considerados alguns dos melhores regimentos de lanceiros da história da humanidade. E estavam em vantagem numérica. O Borges comenta sobre algo semelhante, sobre como com as armas de fogo acabam os "valentes" da juventude dele, os grandes duelistas de faca - com revólver, os que se metiam a valente demais acabavam mortos antes de construir uma reputação. Até os suicidas entram nessa conta - a maioria se arrepende depois de uma tentativa fracassada; muitos tem vidas felizes e produtivas depois. Suicídios com armas de fogo têm mais chances de dar certo.
"Desarmam os cidadãos de bem ao invés dos bandidos" Cidadão de bem é a BEEEEEEP BEEEEEP BEEEEEEP. Essa diferença maniqueísta e essencial entre cidadão de bem e bandido é uma bobagem com tintas de preconceito de classe e de cor.
Passando de lado:
"A situação de violência brasileira faz com que o desarmamento seja urgente e necessário." A situação de violência brasileira é estrutural, e afeta relativamente pouco os mais histéricos com ela. Vem do fato de, para boa parte da nossa população, o estado ser um tirano, um Caveirão ou Antônio das Mortes, responsável diretamente por um número de execuções comparável ao de uma pequena guerra, enquanto à sua sombra (e em parte graças à sua cooperação ativa) reizinhos, sejam eles os coronés, as mineiras ou os traficantes, prosperam. O desarmamento afeta principalmente um tipo de violência que não é, no Brasil, particularmente intenso.
"Vote pelo desarmamento" O Estatuto do Desarmaento já está em vigor, e ajudou a cortar em 90% a venda de armas. E, justamente em troca do plebiscito sobre a proibição da venda de armas a civis, abre uma exceção justamente para os responsáveis pela maior parcela das mortes, dentre os que compram arma com nota fiscal, os policiais e seguranças. E se pensar no mercado negro, se está cortando um quarto do suprimento (armas internacionais, brasileiras trianguladas no paraguai, brasileiras vendidas a guardas, brasileiras vendidas a particulares). Existe, inclusive, uma possibilidade real de que, como no caso de outros itens, a probição radical estimule o contrabando. Essa possibilidade só se torna por sua vez uma falácia quando é feita a analogia direta com a droga - se é por aí, vamos proibir, porque a evidência é de que mais gente fica viciada em drogas ilegais, mas menos gente tem acesso em geral. E não existe "vício" em dar tiros.
"Sou da paz" A paz é que nem a democracia, é de todos. Desde a morte do Mussolini e do Marinetti que ninguém fala mal delas. Acho que o Fernandinho Beira-mar é da paz, tenho certeza de que o Bush é da paz. Saddam Hussein devia ser da paz, creio que o Jonas Savimbi já se disse da paz, e se Volodya Putinho não for da paz eu quero ser um mico de circo.
*Frank Miller: Cavaleiro das Trevas. Miller e Mazzucheli: Ano Um. Grant Morrison e Dave McKean: Arkham Asylum. Mark Waid e Alex Ross: Kingdom Come.
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PS - Opiniões mais bem escritas e pensadas do que as minhas disponíveis no Nós na Rede
Um comentário:
Na verdade, o mercado negro se explicaria pelo fato de que uma demanda não-atendida tende a gerar uma oferta. Se a o Estado tende a reprimir esta oferta, surge o mercado negro.
E como nunca se viu tanta propaganda por arma na televisão, essa demanda tende a aumentar.
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