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31.5.10

Os supercomputadores do mundo

...enfiados num gráfico maneiro pela BBC

O brasileiro da lista é um retângulo cinza claro lá embaixo.

28.5.10

Confuso

A declaração de guerra do Serra à Bolívia, e a tentativa dele de justificá-la, talvez tivessem causado confusão em quem pensasse nela literalmente, ao invés de politicamente. Afinal de contas, a Bolívia é, no máximo, centro de produção da folha e passagem de tráfico destinado à Europa (no segundo caso, exatamente como o Brasil). A única ligação do Evo Morales com isso é o fato dele ser um ex-cultivador de coca, com ligações a outros cultivadores do altiplano, a maioria dos quais o faz para consumo na forma de chá, e não para vender aos cartéis (o cultivo boliviano para envio à Colômbia está no norte). Enquanto isso, o governo de Uribe na Colômbia tem ligações próximas com os cartéis do tráfico propriamente ditos, com direito ao irmão dele ser considerado chefe de cartel, e Serra não declarou guerra à Colômbia.

Claro que ninguém ficou confuso de verdade; o ataque de Serra foi a Evo Morales e ao Movimento Ao Socialismo, e a droga só pretexto. Mas isso leva à segunda confusão: qual é, afinal, hoje em dia, a ideologia do PSDB? O PSDB se pretendeu, quando foi criado, uma versão brasileira dos partidos liberais europeus (por que escolheu o nome "partido da social democracia" tendo isso em vista, não me pergunte). Mas hoje, enquanto parte do Democratas tenta se livrar da pecha de partido da ditadura, e assumir justamente essa posição, o PSDB está à deriva ideológica. Ele é contra tudo que é de esquerda, do MST ao Evo Morales, e principalmente contra o PT, mas é a favor do que afinal? Do liberalismo econômico, procura se distanciar sempre que pode (até o Mendonça de Barros finge que não queria vender a Petrobrax). Do conservadorismo social, idem. É contra a esquerda mas não é a favor da direita, então. Aliás, nem é contra toda a esquerda - agora, não critica mais diretamente Lula.

Qual é a ideologia do PSDB de 2010, afinal?

20.5.10

Feature, not bug.

A Folha de São Paulo avisa que o Bolsa Família está "prejudicando a agricultura no Nordeste." Não que o candidato deles seja contra, claro... mas o que me choca é a cara dura com que a Folha reporta que, segundo o estudo, o BF está prejudicando a agricultura porque as pessoas preferem recebê-lo a trabalhar nas fazendas estudadas. O Bolsa-Família é equivalente a um terço do salário mínimo. Se alguém prefere recebê-lo, é porque estava ganhando para trabalhar menos de um terço do salário mínimo. Que já não é grandes coisas. Eliminar esse tipo de "emprego" não apenas não é ruim, como é justamente uma das metas de qualquer sistema de transferência de renda. O BF está fazendo o papel de fiscal do ministério do Trabalho.

O único senão aí não é o apontado pela Folha, no qual pobres fazendeiros escravocratas não conseguem mais arrumar bóias frias. O problema é que o sistema-mundo capitalista contemporâneo, como um todo, realmente insiste na necessidade do subemprego. Foi isso, combinado com os programas de assistência social, que levou à grande migração das ex(?)colônias para a Europa durante os anos dourados, já que os europeus preferiam não se sujeitar aos empregos mais degradantes, perigosos, ou mal pagos (em bom urdu, gobar ka kan, que é exatamente o que soa). Será que, com a estruturação de um sistema social no Brasil, veremos aumentar a imigração?

Eu sou a favor. Principalmente se conseguirmos evitar a xenofobia (fat lot of chance, com o que já tem de gente aqui no Sul-Sudeste reclamando dos próprios brasileiros) e se tiver um monte de restaurantes bolivianos, nigerianos, angolanos, peruanos...

19.5.10

Brasil Global

Todo mundo sabe (já foi Lugar Estranho do Mundo aqui) que o Mar de Aral encolheu graças às plantações de algodão soviéticas. Mas quantos se lembram, mesmo no Rio, que a Lagoa Feia também encolheu, para um quarto do volume e metade da área originais?



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O Brasil passou os EUA em produção de automóveis. (Não estão contados os SUVs que respondem por boa parte dos veículos de passageiros vendidos na Gringolândia.)


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Outro lugar estranho do mundo um pouco repetido (Gioia Tauro): o governo do Estado de São Paulo pretende fazer um porto enorme em São Sebastião, sanduichado entre o mar e os morros e com acesso inteiramente por rodovia rasgando um parque natural. Detalhe curioso: a sede do porto de São Sebastião não é lá, mas na Avenida Faria Lima.

11.5.10

De terras, think tanks, e toupeiras.

A matéria paga da CNA na Veja despertou muita controvérsia, em especial pela cara de pau com que a revista inventou declarações que foram atribuídas a antropólogos de destaque. A matéria em si, além de mentirosa, é muito ruim. As noções casadas da Veja de cultura como algo essencial e estanque, e de que há uma diferença qualitativa entre a cultura "primitiva" e a moderna, por exemplo, atribuída por eles ao Eduardo Viveiros de Castro, são coisas que qualquer estudante de primeiro semestre de antropologia vai te dizer que são burrices. Marcel Mauss já denuncia a segunda em 1921, e as duas tiveram as pás de cal no começo dos anos setenta, com o trabalho de Pierre Clastres e da escola de Oslo.

Para além da matéria em si, cabe observar duas coisas interessantes. Uma é que a CNA fala que sobraria para a expansão agropecuária brasileira "apenas" 270.000km2, ou 50% a mais do que a área hoje plantada, ou o território inteirinho de países insignificantes como o Reino Unido ou a Itália. A outra é que a matéria se insere num contexto em que a CNA está, através da FGV-SP, contestando o Censo Agrícola do IBGE. O que é contestado, não apenas pelo IBGE, mas por todos os outros pesquisadores não pagos pela CNA. De certa forma, é a quase-vice do Serra mostrando que a Bancada Ruralista, mais que qualquer dos partidos oficiais do Congresso (mais até do que o largamente coextensivo a ela Democratas), tem se inspirado na política americana, dessa vez na produção de estudos pagos. Será a thinktankização do Brasil?

Agora, o mais interessante de tudo: a CNA, em outro estudo menos badalado do que esse (talvez por não mentir diretamente sobre declarações de pessoas alegadamente entrevistadas), questiona o peso da produção familiar na agricultura. Isso é interessante porque as "primas" da CNA mundo afora, apesar de também dominadas pelos grandes proprietários, sempre basearam sua legitimidade política na representação dos pequenos proprietários. Isso desde a época em que Junkers dominavam o parlamento do Kaiserreich até hoje, de tal modo que nos EUA, onde a concentração fundiária é pior até do que aqui, quando se fala em fazendeiro não se pensa na Archer Daniels Midland ou na Bunge (esta não tem acionista majoritário e está sediada legalmente nas ilhas Bermudas), mas nos pais do Superhomem, e na França "camponês" e "fazendeiro" são hoje quase sinônimos. A CNA sempre foi exceção a essa regra, tanto que tem requerimento de tamanho mínimo da propriedade rural para alguém se juntar a ela, mas agora extrapolou isso para atacar diretamente o pequeno proprietário (e não apenas o vilão de sempre da direita brasileira, o sem-terra). Como isso não é usado por ninguém para atacar a bancada ruralista, sua expressão política, é algo que me escapa.

6.5.10

Petrobráxicas

Os programas de energia alternativa do governo federal não foram, de modo geral, exatamente um sucesso retumbante. Isso porque têm sido prejudicados pela obsessão com o retorno seguro do BNDES (curiosamente ausente no programa de energia não-alternativa das hidrelétricas e linhões amazônicos). Agora, a parte do biodiesel de Dendê repaginada. Pode ser que dê certo, até porque a Petrobrás pretende entrar no négócio diretamente.

Uma coisa que achei interessante da notícia é que uma das áreas priorizadas é o paupérrimo noroeste fluminense, hoje dependente de uma cultura de cana e gado de baixíssima produtividade, mas estrategicamente situado pertinho de centros de demanda e da infraestrutura da Bacia de Campos. É útil inclusive porque as prefeituras locais, ao invés de usar a renda dos royalties e compensações para se preparar para o fim do petróleo, têm usado elas para...treinar trabalhadores para a indústria petroleira, que fica feliz por não ter que bancar a conta ela mesma.


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O primeiro petroleiro novo da Transpetro, além de se chamar João Cândido, vai ser batizado, não por uma socialite, executiva, ou mulher de executivo, como é de praxe, mas por uma operária do estaleiro. Bando de comunista.

5.5.10

There is no alternative

A frase acima é de Margareth Thatcher e condensa bem o argumento dos que defendiam o que se lhe seguiria, em termos de política econômica, nos próximos trinta anos até a crise econômica de 2008. Disse até a crise econômica? O pacote imposto à Grécia ainda partilha dessa visão, e com a mesma declaração arrogante.

Entretanto, em terras da Índia Jaci, a posição do governo federal e de outros proponentes da construção da barragem de Belo Monte - que, como já disse aqui, não é só um problemão ambiental, mas também de economicidade duvidosa - segue o mesmo argumento. Alternativas são descartadas como obviamente impraticáveis. Ora, isso é curioso, porque alternativas, inclusive mais econômicas, foram detalhadas num relatório da UNICAMP e do WWF em 2004, já atualizado. Ponho o link em inglês porque o link em português tá quebrado.

Enquanto isso, o Plano Decenal de Energia, da Empresa de Pesquisa Energética, órgão do governo responsável pelo nosso planejamento energético, é tão transparentemente uma peça de lobby pró-hidrelétricas que A) ignora solenemente o custo, de investimento e manutenção, envolvido nas hidrelétricas amazônicas propostas, e faz a conta delas pela capacidade máxima, ignorando a sazonalidade, e B) alega que "não está prevista a construção de novas termelétricas fósseis, mas se não permitirem as hidrelétricas na Amazônia..." Capisce? Bela loja a sua, signore, bela loja.

Duas curiosidades saindo de nossos domínios paroquiais, e tendo a ver com hidrelétricas gigantes e perdas na transmissão:

A) As grandes planícies americanas são chamadas pelos ativistas ambientais gringos (e pelos empresários do setor) de "Arábia Saudita do vento." Isso é meia verdade, justamente por conta das perdas na transmissão. Com a exceção das franjas(especialmente no Texas), a área dessa Arábia é um semiárido frio e esparsamente povoado, e a combinação da baixa capacidade* e confiabilidade de usinas eólicas com a necessidade de enormes linhas de transmissão dedicadas não é muito atraente. Nesse aspecto, o Brasil, apesar do potencial eólico econômico ser relativamente menor (uns 39GW, ou quase três Itaipús), está mais bem situado, já que as áreas de bons ventos se constituem de núcleos pequenos próximos aos centros de demanda no Sul-Sudeste, uma franja marítima próxima de centros de demanda e distante de outras fontes no Nordeste, e o Vale do São Francisco acompanhando o linhão que liga NE e SE; ou seja, praticamente não há necessidade de construção de linhas de transmissão, e muito pouca perda de energia.

B) Acha que Belo Monte é grande? Com características semelhantes (turbinas fora da barragem principal, aproveitamento em curva, barragem a fio d'água) à represa amazônica, querem represar o Congo. Pra situar as coisas, o Congo é o segundo maior rio do mundo (OK, terceiro, se você contar o Rio Negro), umas três ou quatro vezes maior do que o Paraná, onde se encontra Itaipú. A barragem geraria uns 40GW de energia elétrica, ou se preferir oito vezes o consumo atual de energia do Congo, sem contar os 12GW adicionais das barragens subsidiárias. Como a maioria das megaobras de infraestrutura, Grand Inga busca uma raison d'etre que justifique investir 80bn de dólares (subsidiados pelo Banco Mundial, chamados de ajuda externa, e provavelmente com grana arrancada ao periclitante governo congolês, além dos governos dos investidores, claro). Uma das mais alucinadas envolve a implantação de linhas de transmissão entre o Congo e a Europa.