Pesquisar este blog

12.12.05

Chorando de barriga cheia

Quando se fala em marketing, são comuns duas posições quase opostas. Uma atribui ao marketing em si - portanto ao discurso deliberado - o poder de criar noções; a outra reza que o bom marketing diz o que o alvo quer ouvir. As duas noções só se tornam erros se absorvidas e repetidas como o resumo da atividade. O convencimento ajuda a influenciar as pessoas dentro de um campo de possibilidades; e esse campo de possibilidades não é pautado tanto pelo que se quer ouvir quanto pelo que se considera plausível - as duas coisas só são sinônimas no caso de seguidores de Olavo de Carvalho e outros eloi avant la lettre.

E desse modo as forças armadas brasileiras, no seu carpir eterno, conseguiram estabelecer um consenso nacional. Estão à míngua, coitadas, oprimidas pelo medo ou revanchismo dos governos civis. Fora a explicação politizada, a reclamação é uma constante dos exércitos em todo o mundo. De certa forma, é comum a toda burocracia - nenhuma delas tem os fundos para fazer tudo aquilo que se propõe, e no caso dos exércitos houve de fato uma diminuição no gasto militar dos últimos anos. Até o Pentágono, sentado sobre uma montanha de dinheiro maior do que o PIB da Espanha, queria mais.

No caso das forças armadas brasileiras, a choradeira tem um pequeno probleminha: os "investimentos" (a imprensa brasileira tomou gosto, não sei influenciada por que ou quem, por um maniqueísmo entre investimentos virtuosos e gastos correntes maléficos), no sentido puro das FA brasileiras durante o período FH foram superiores - principalmente em termos de capacidade de defesa efetiva, ou seja, excluindo sandices como a corrida nuclear, ganha pela Argentina - aos feitos durante a ditadura. Mesmo descontando os milhões de dólares roubados pelo PSDB, o SIVAM representou um investimento inicial de 1.4bn, e investimentos anuais de centenas de milhões - equivalente, uma vez que você considere a diferença de 15x entre o PIB brasileiro e o americano, ao tão (mal)falado programa de defesa balística do Bush, para comparar dois sistemas de bases de rastreamento e aparato auxiliar. O também bilionário - e controverso - programa Calha Norte foi reativado pelo FH e intensificado pelo Lula. A Marinha ganhou um porta-aviões operacional, e promessas à ela e à força aérea de comprar caças de combate novos - promessa descumprida por conta da troca de governo, mas em compensação Lula aumentou o soldo.

Tanto na comparação com outros ministérios brasileiros quanto na comparação com outros ministérios da defesa na Europa e Américas, as forças armadas brasileiras aumentaram na última década, não encolheram. É verdade, encolheram como proporção do PIB brasileiro - segundo o SIPRI, os gastos militares brasileiros oscilaram em torno de 3% do PIB durante a década de 80, em torno de 1,9% durante a de 90, de 1,6% durante o governo Lula. Mas boa parte desse encolhimento pode ser creditado ao abandono da bomba atômica, e depois do corte fundo do Collor - de 3,3 em 89 pra 1,4 em 91 - a tendência tem sido estável. E sempre associada ao comportamento da economia brasileira - se tem crise, sensatamente baixa-se o gasto militar. Enquanto isso, na Argentina o gasto, que já era menor que o brasileiro, mesmo proporcionalmente, tem apresentado uma queda leve mas consistente ao longo da década. O México, que enfrenta uma rebelião, não variou o gasto, mas em compensação ele não passa de zero-vírgula-cinco por cento do PIB - um terço do gasto brasileiro. O Canadá, terceira potência militar das Américas, também caiu consistentemente ao longo da década, de 2,0 pra 1,2. Até os EUA gastavam a mesma coisa em dólares, uma proporção muito menor do PIB, em 2004 que em 88.

Mas faz sentido a explicação de que elas estariam à míngua. E realmente elas não estão perfeitamente aparelhadas para sua missão - nem se você imaginar que sabem qual é essa missão, porque pra defesa territorial ou patrulhamento costeiro o uso de um porta-aviões é questionável, pra dizer o mínimo. Se bem que nem os milicos, deixando de lado a propaganda, levam a sério a possibilidade de o Brasil entrar em guerra. Se levassem, a esquadra de guerra não estaria no Rio e os draga-minas em Salvador.

Nenhum comentário: