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31.3.10

Praça Roosevelt 2 - effluvium vitalis

O Jornal do Commercio noticia que os moradores da região Portuária do Rio estão com os dois pés atrás em relação à proposta de revitalização da prefeitura. Têm toda razão, visto que a proposta da prefeitura é explicitamente voltada à realização, como em Puerto Madero, de um empreendimento imobiliário de grande porte, voltado à "cidade global" preconizada pelos andarilhos que consultam os índices de atratividade de cidades da Economist Intelligence Unit antes de se decidir pelo próximo emprego. É basicamente a mesma idéia de cidade defendida pelo César Maia, o que demonstra uma surpreendente linhagem na política de uma cidade que gosta de se pensar de esquerda, e na qual os candidatos mais à esquerda para o governo federal geralmente se dão relativamente bem.

O que é curioso nessa palavra, "revitalização," é que a premissa dela, de que uma área urbana está morta, não é falsa. Nas grandes cidades com mais de cinquenta anos (isto é, quase todas), existem quase sempre grandes áreas com poucos empregos, o que leva ou à depressão econômica dos moradores, ou à sua fuga, ou aos dois. No caso específico da zona portuária do Rio, isso é bem claro; com a perda de importância da atividade portuária, deslocada para o cais do Caju e automatizada, boa parte da área virou uma cidade deserta. E uma área assim deveria, sim, ser revitalizada. Voltar a se encher de gente e de empregos para essa gente.

Entretanto, que a função da "revitalização" quando é mencionada, significa "especulação imobiliária" é provado por um caso flagrante de revitalização de uma área sem intervenção estatal; a revitalização da praça Roosevelt através da mudança, para lá, de companhias de teatro independentes, já mencionada na crônica anterior. O melhor? A prefeitura, após diminuir a intensidade dessa revitalização, continua falando numa obra para "revitalizar" o local. (Isto é, torná-lo mais atraente para o mercado imobiliário.) Do mesmo modo, no Rio, a prefeitura justifica a permissão para que se viole o gabarito da Lapa com a "revitalização" - sendo que na Lapa não só não há falta de vida como, sinceramente, qualquer um que tente atravessar o bairro entre quinta e sábado gostaria que tivesse um pouco menos de vida.

Na Luz, como no Porto do Rio, a alegação de "revitalização" faz um pouco mais de sentido. A solução - um imenso shopping center, além de uma academia de dança - é que não faz nenhum. Shopping centers desvitalizam seu entorno, e não o contrário. Ou melhor, faz todo o sentido só se você fizer a tradução de novilíngua para português.

30.3.10

Outros pagamentos

Além do IR, alguns outros tostões que eu gostaria de ser obrigado a pagar:

*Mais pela água. Outro dia conferi a WaterAid, ONG que leva água a aldeolas paupérrimas nos sertões da África e Ásia. Para que os aldeões não sintam a água como um favor nem desperdicem, cobram uma taxa quase simbólica, de um centavo de dólar por galão de água, pela água fornecida. Pois bem, essa taxa cobrada de aldeões destituídos na África é três vezes mais cara do que a Cedae cobra no Rio, e quase duas vezes o preço cobrado pela Sabesp em SP. Com um caixa engordado em 50, 100% as empresas em questão teriam mais dinheiro para melhorar o tratamento de esgoto, o que até ampliaria a disponibilidade de água - não só levando água aos cariocas e paulistanos que hoje pagam caro no carro pipa, mas aumentando a disponibilidade nos reservatórios poluídos da Billings e do Guandu. E talvez menos gente lavasse a calçada com mangueira.

*Cinco centavos por sacola plástica em lojas e supermercados. Várias cidades mundo afora, notadamente na França e Alemanha, instituíram essa obrigação. Em Washington, DC, a medida cortou a quantidade de sacos consumidos em quase noventa por cento em um único ano.

25.3.10

Comemorando por que?

Hoje é o aniversário do "Act for the Abolition of the Slave Trade," de 1807, no qual a Grã-Bretanha proibiu o tráfego de escravos em seu império. A escravidão em si ainda seria legal por mais um quarto de século. O ato foi o resultado, mais do que (como aprendi na escola) de alguma pressão capitalista oriunda da inexorável marcha da história, de uma campanha ativa e basicamente ideológica contra o tráfego; tanto ainda era lucrativo que ainda havia muitas companhias de negreiros em Bristol, Londres, e Liverpool, mesmo com a grande quantidade de regulações sobre o tráfego empilhadas desde 1786, e com o salário dos marinheiros em alta por conta da concorrência da Marinha embrenhada nas guerras napoleônicas. Aliás, tanto que o que mais houve depois do ato foi capitão inglês indo fazer fortuna nos EUA.

Uma das consequencias dessa campanha foi estabelecer a escravidão como um mal de ordem superior no nosso imaginário. Se se for olhar, por exemplo, obras de fantasia popular, o jeito prático e rápido de criar um grupo inequivocamente malvado é dizendo que são caçadores de escravos (infelizmente, no Brasil não traduzem isso por "bandeirante"). O que é curioso é o quanto isso acabou servindo a um chauvinismo cultural pouco merecido. Explico: ao definir a escravidão como um mal-em-si absoluto, acabou-se por eliminar a diferença, que é grande, entre os diversos tipos de escravidão.

Não que eu não considere a escravidão um mal-em-si, mas a escravidão legal por si só é apenas um dos regimes (que também considero males-em-si) de exploração das pessoas. Um escravo mameluco dos sultões egípcios, ou um eunuco da Cidade Proibida* tinham um status social e posição econômica muito superiores aos da média da sociedade; na Atenas pós-clássica, a situação média dos escravos, excluídos os mineiros, era superior a da média da população; etc etc etc. Mesmo em sociedades construídas no lombo de trabalho escravo em latifúndios, como Roma (a origem da palavra) ou a Pérsia, a situação destes não era particularmente diferente da de outros bóias-frias.

A escravidão que é, essa sim, uma nódoa indelével na história da humanidade, comparável aos genocídios industriais no século XX ou aos massacres dos mongóis e seus descendentes, ou à corvéia Qin e Han, é especificamente a escravidão atlântica. E ela teve paralelos, em termos de hiperexploração, justamente em outros regimes de trabalho estabelecidos no âmbito da colonização européia, como a mita imposta aos índios do Altiplano andino, o apresamento de índios pelos bandeirantes, ou as barbaridades das colônias européias pós-1850 na África e na Ásia.

Constatar isso reverte o chauvinismo cultural. Não fomos** aqueles que acabaram com a escravidão, fomos aqueles que criaram um regime particularmente iníquo de escravidão, que após sua abolição legal se deslocou para o Velho Mundo preservando boa parte de suas características monstruosas. Não se trata, como gostariam os conservadores americanos macaqueados por aqui, de culpa branca, ou de imputar aos europeus uma perversidade ímpar. A perversidade esteve no sistema-mundo criado a partir da colonização da América esvaziada pela varíola, e dela fizeram parte plena os reis africanos que criaram impérios cuja principal fonte de renda era a caça ao ser humano, como depois os déspotas indianos e indonésios que vendiam seus próprios súditos como cules.

Ah, só pra lembrar - hoje há mais pessoas vivendo em situação efetiva de escravidão do que em qualquer outro momento da história da humanidade, aí incluído o auge da escravidão atlântica em meados do século XIX ou o do trabalho cule no começo do XX. A Pollyanna diria que isso é porque a população mundial é maior, e a porcentagem é muito menos que nesses outros momentos. Mas não deixa de ser um dado vergonhoso.

*As cidades proibidas, na verdade - o primeiro uso do nome se referiu ao palácio dos Tang em Kaifeng, e houve muitas capitais da China desde então.
**"Fomos" mó menos. Se você pensar em alguém que se identifica como descendente da cultura ocidental - o que é até razoável, mas pergunte a um europeu ou americano se ele inclui o Brasil no "Ocidente."

24.3.10

Loucos

Gilmar Mendes é um temerário. Assim, mesmo quando ele fala o certo (a "redistribuição" dos royalties é ilegal), o faz quando não devia. (Um juiz opinar sobre algo que pode vir a julgar também é ilegal.)

O governo não é, nem um pouco. Assim, ao invés de encampar uma tecnologia nacional que é mais avançada do que o estado da arte internacional, para fazer o TAV, vai pelo caminho mais prudente fazendo licitação entre as empresas estrangeiras.

O governo de São Paulo contratou uma empresa, a 1,2 milhão, para fazer o pré-estudo de um "hidroanel," uma hidrovia em volta da cidade de São Paulo. Ligando o nada a lugar nenhum, por rios assoreados e poluídos onde nem uma voadeira navega direito. Podiam economizar essa grana, que por um picolé eu digo que não rola.

23.3.10

De Royalties e Rendas

Legal a aliteração, né? Stan Lee ficaria orgulhoso. Enfim: de toda a grita pela emenda Ibsen, que destina os royalties aos fundos de participação subnacionais, fiquei mais interessado, fora o absurdo da emenda, numa tangente.

Primeiro, sobre a notícia em si: a emenda Ibsen é surreal, ilegal, e baseada numa falácia. Royalties são (na acepção de que se trata) uma renda que é paga pelo explorador de um recurso natural à região de origem daquele recurso. No Brasil, curiosamente, os royalties pagos são maiores no caso da exploração de hidrocarbonetos que na exploração de outros produtos minerais - curiosamente porque nós não exportamos hidrocarbonetos, então quem paga a conta somos nós mesmos, e o contrário é verdade no caso dos outros minerais. Essa situação se dá como um jeito canhestro de corrigir outra distorção: devido ao lobby da FIESP à época da Lei Kandir, o ICMS de hidrocarbonetos não é cobrado no estado produtor, como ocorre com todos os outros produtos, mas no estado consumidor. Os royalties mais altos de petróleo seriam uma forma de compensar o Rio de Janeiro pela perda do ICMS.

Agora, pela emenda Ibsen, essa compensação some, e os royalties sobre hidrocarbonetos (e nenhuns outros) seriam desvinculados da origem. Ora, aí você descaracteriza um royalty (pela definição, inclusive, presente na constituição - dí o "ilegal"). Se não tem vinculação à origem, trata-se tão-somente de uma alíquota maior de IPI sobre hidrocarbonetos, mas com um pouco mais de trabalho pro pessoal da contabilidade. Isso é feito em nome da "justiça social," o que além de hipócrita é uma falácia. Se realmente se pensasse desse jeito em geral, Ibsen advogaria pela redistribuição dos royalties de outros produtos, e, quem sabe, do ICMS, IPTU, ITR... e, mais importante ainda, destinaria essa grana, não ao FPM, que serve basicamente para sustentar câmaras de vereadores, mas a investimentos em educação, meio ambiente, e infraestrutura regionais. E nem é tanta grana assim, relativamente falando - os royalties auferidos anualmente somam uns 7bi, mais ou menos um sétimo do valor do FPM ou do FPE. Um quatorze avos dos dois combinados. E é falácia, ademais, porque os municípios do norte fluminense e sul capixaba são pobres e de economia estagnada, e pesadamente impactados pela extração petrolífera.

A questão é que os royalties do petróleo assumiram, no Brasil, uma qualidade algo mítica, de corrida do ouro. Isso pode ser visto no degrau mais baixo da pirâmide social, nas pessoas que enchem as favelas do norte fluminense, como no mais alto, nos deputados do congresso se atirando ao dinheiro dos royalties como se fosse solucionar todos os problemas de seus estados.

Agora, passando à tangente, que me interessou mais. Muita gente usou, pra justificar o "redistributivismo" de fancaria, a renda média do Rio de Janeiro como prova de que este não precisa de receber dinheiro pela atividade econômica ocorrida lá. E, bem, renda média não quer dizer muita coisa. A renda per capita, que é a divisão do produto bruto de uma região pelo número de seus habitantes, é um número tosco que obedece ao velho adágio da cabeça no fogão e pé na geladeira. Assim é que a renda média da cidade do Rio de Janeiro é superior à da cidade de São Paulo, apesar de na prática esta ser mais rica no geral - é que há relativamente mais muito ricos e estes são mais ricos no Rio.

O curioso é que a maioria dos países continue usando a renda per capita como indicador, como o faz a própria ONU. Curioso porque a renda mediana das famílias, indicador de prosperidade utilizado nos EUA, Canadá, e Escandinávia, está longe de ser um bicho papão complicado, novidade, ou nebuloso. Muito pelo contrário - os censos franceses do século XVIII já a utilizavam (falava-se, na época, em "fogos" ao invés de famílias). Renda mediana significa, caso alguém não saiba, que metade das famílias ganha mais, metade ganha menos do que uma dada quantia.

E não, quando se faz esta clivagem, as enormes diferenças regionais do Brasil não somem, nem de longe. Em termos relativos, as poucas grandes diferenças: o Rio deixa de rivalizar com SP para se juntar aos estados do Sul, e Minas vai mais solidamente pro meio do Nordeste. O Maranhão e o Piauí, por outro lado, deixam de estar tão distantes do resto do Nordeste. O DF continua isolado lá em cima. E, claro, ao contrário da renda per capita, a renda mediana brasileira não chega perto das do Cone Sul ou dos lanterninhas europeus.

17.3.10

Antes tarde do que nunca

O ministério do meio ambiente propõe proibir que grandes empresas usem carvão vegetal oriundo de desmatamento. A proposta é tardia e insuficiente (por que diabos uma pequena empresa deveria poder cometer um crime, só porque é pequena?), mas é um passo. Ainda mais porque, e aí falando de carvão mineral ao invés de vegetal, e em grande parte graças ao Eike Batista, o Brasil caminha célere para reverter sua posição de país relativamente pouco carbonífero, direta e indiretamente.

Quando o Canadá demonstra estar pouco se lixando pro aquecimento global, faz até sentido. Pra eles até que um aquecimentozinho ia bem. Quando o Brasil, que depende do clima inclusive para sua geração de energia elétrica, faz isso, é de uma burrice impressionante. Como os latifundiários da CNA, Kátia Abreu à frente, que querem permissão para acabar com os rios dos quais tiram água para suas plantações e gado.

16.3.10

Praça Roosevelt 1 - horror vacui

Uma matéria que se sucede todo dia n'O Globo é a que fala da operação do dia do "choque de ordem" da Prefeitura do Rio. Similarmente, aqui em São Paulo, uma das prioridades da gestão Serra-Kassab tem sido impor a "ordem," fechando bares e casas noturnas, varrendo mendigos e ambulantes das calçadas, e de modo geral permitindo que "gente bem" possa se sentir em paz numa cidade silenciosa e vazia. Símbolo máximo disso: a Vai-Vai, campeã do Carnaval de 2011, encerrou seu baile de comemoração à meia-noite em ponto, para não incomodar o sono das famílias de classe média da Bela Vista (nunca chamem o bairro de Bixiga, exceto talvez se estiverem vendendo uma cantina).

Essa ordem vazia advogada por eles é estranha. Não apenas porque eu, pessoalmente, prefira a bagunça. É que ela parece levar ao extremo a visão das ruas da cidade como apenas um sistema circulatório (Sennet diria à William Harvey), transportando corpúsculos entre os diferentes órgãos, onde toda a vida acontece. Ao deixar as ruas da cidade vazias, entretanto, e paradoxalmente, tendo em vista a paranóia obsessiva com segurança das pessoas que formam a base do eleitorado do PSDemB (ok, Paes agora saiu, mas o espírito é o mesmo), deixa-se a rua mais insegura.

Isso porque a tal da "ordem" deles não é senão o vazio. Não se está pondo algo na rua, uma nova socialização (que teria que ser por linguagem de sinais, imagino), novos usos e atividades. O que se está fazendo é remover o que existe. E, bem, o vácuo não é ordem. Muito pelo contrário, o vácuo é, nas línguas semíticas, indo-européias e turcas mais antigas, bem como nos ideogramas Shang, sinônimo de caos. Pangu e Marduk têm que derrotar o caos-vazio para que haja universo. E é justamente quando se remove o existente que as coisas fogem de controle. (Um paralelo, ainda na questão de segurança, é a imbecilidade de se matar traficantes a rodo, mesmo ignorada a moralidade; o efeito não é eliminar o traficante, já que as condições de produção deste continuam lá, mas substituí-lo por outro, mais radical e violento.)

O exemplo mais patente disso pode ser visto na praça Roosevelt. A praça, que era deserta e perigosa, voltou à vida quando se transformou num pólo de teatro alternativo e barzinhos, sem nenhuma ajuda do poder público. Era um lugar relativamente seguro e agradável, aonde milhares de pessoas se reuniam. Aí, em nome da "ordem," foram proibidas as mesas na calçada, foram fechados os bares à meia noite. A praça voltou, por um tempo, a ser um lugar deserto. Um dos que ainda tentavam se aventurar por ali, o dramaturgo Mario Bortolotto, foi baleado numa tentativa de assalto.

Não se pratica assaltos à mão armada, em geral, em lugares iluminados, movimentados, e cheios de gente, exatamente o tipo de espaço que Kassab e Paes estão tentando eliminar. A ordem deles é, no sentido mais puro e original, o caos.

11.3.10

Prioridades

Enquanto tem gente que faz campanha pela reconstrução do palácio Monroe, o Frei Caneca vai ser demolido sábado, e não vi um pio de ninguém sobre o assunto. Nem em fóruns de arquitetura.


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Enquanto São Paulo perdia, via emenda Ibsen, uns 20 a 30 bilhões de reais na próxima década, com a transformação dos royalties em receita ordinária da União sem nada a ver com a origem, Serra inaugurava a maquete de um trambolho que, de novo, merecia alguém protestanto: uma ponte de 160 metros de altura pra cruzar o estuário de Santos, que tem 400 metros de comprimento. Com um minhocão de 2,5km pra cada lado. Aliás, juro que não entendo essa obsessão dos presidenciáveis com inauguração. Que eu saiba, fora não ter nenhuma utilidade prática, essa besteira também não tem maiores utilidades eleitorais. Qual é a idéia, então?

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Olha a piada pronta: "Na semana em que se comemora o centenário do Dia Internacional das Mulher, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou dois projetos que beneficiam as empregadas domésticas. " Um deles beneficia através do corte na contribuição à previdência devida por seus patrões.

10.3.10

Qualquer semelhança...

Both, therefore, are the natural enemies of the businessmen and their politician cronies who lorded it in the dictatorship's days. Far from respecting the president's decisive electoral mandate, the old elite has been trying to undermine it and scupper his reformist agenda.

The president himself, however, must bear some of the blame for this. He did not come out clearly in support of his embattled colleagues until this week. He has preferred to try to placate all-comers in the name of consensus.


Da Economist. Não, não é sobre o Brasil - nem poderia ser, já que o Lula não tem uma "reformist" (neoliberal) agenda que a Economist aprove. É sobre a Indonésia mesmo, o maior país sempre esquecido do mundo. (Os "ambos" citados são tipo o Malan e o Armínio Braga de lá.)

Rabeira

Situando o que disse ontem sobre por mim aumentarem os impostos sobre a renda e o patrimônio, uma comparação da alíquota máxima de imposto de renda no Brasil com alguns outros países (incluindo nos outros países, quando for o caso, impostos de renda subnacionais - aliás uma outra idéia boa, substituir o ICMS por impostos de renda estaduais):


Rússia: 13%
República Tcheca: 23%
Brasil: 27.5%
México: 28%
Índia: 30%
Argentina: 35%
França: 40%
Portugal: 43%
EUA: 43%
China: 45%
Itália: 45.2%
Japão: 50%
Canadá: 53%
Alemanha: 53%
Finlândia: 53.75%
Dinamarca: 59%
Bélgica: 61%
Noruega: 62%
Suécia: 77%

(Em vários dos países europeus acima, quase todos, os impostos foram reduzidos bastante nos anos 90 e 2000. A maior redução foi na Finlândia, em que o imposto nacional máximo caiu de 60 para 30, enquanto os regionais se mantiveram em 22.)
(Em quase nenhum dos países acima se tem a dedução de imposto de renda pelo acesso a serviços médicos e educacionais privados; em compensação, na Europa há deduções para filhos.)

9.3.10

Palavrões III - Carga tributária

Faz alguns anos que se pode ler, em todos os grandes jornais brasileiros, diatribes contra a (sempre crescente) "carga tributária." A intensidade dessas diatribes aumentou quando o governo federal passou a ser de um grupo que não goza das simpatias do oligopolio da mídia, claro, mas mesmo no período FH podia-se ler os artigos anunciando sua subida, às vezes num tom quase apocalíptico. Só que a maioria das pessoas - incluindo os jornalistas que escrevem isso, não sabe direito o que é "carga tributária," só que é "ruim." Então, por partes:

1) "Carga tributária" é usado no lugar de "impostos" quando se tenta auferir o que mudou na arrecadação sem que o governo fizesse nada. O Governo aumenta ou diminui impostos; a carga tributária pode aumentar, por exemplo, num ano em que muita gente sobe de renda e passa a pagar mais imposto de renda. Ou diminuir num ano em que o contrário aconteça. Quando se lê sobre "o governo ter aumentado a carga tributária,´" isso é um artifício retórico, quando não é ignorância vinda da inércia mesmo.

2) O artifício retórico é por conta de os maiores grupos de lobby do Brasil - a Febraban, a Fiesp, e a CNA - sempre quererem menos impostos, por motivos óbvios. E pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, que principalmente depois da eleição do sapo barbudo virou queridinho da imprensa. Ora, o IBPT é um "instituto" que vende serviços tributaristas. Tem interesse na histeria sobre impostos pelo mesmo motivo pelo qual uma empresa de segurança tem interesse na histeria sobre segurança. E é francamente desonesto. Exemplo: ele calcula a carga tributária de modo diferente do empregado pelo Ministério da Fazenda. Até aí tudo bem, legitimo (mas engraçado que esse modo mude constantemente, sempre de modo a preservar o valor básico de ela ser maior que a oficial). O que é enganação da braba é que aí eles comparam a carga tributária brasileira (pelos critérios deles) com a de outros países (por critérios iguais aos da Fazenda).

3) Então, falando de impostos. Que impostos federais aumentaram nos últimos oito anos? Nenhum. Voluntariamnete (caso do IPI, do IR, de algumas tarifas) ou involuntariamente (caso do IPMF), o governo federal tem diminuído seus impostos nos últimos anos. Alguns governos estaduais, principalmente São Paulo, Rio, e Rio Grande do Sul, têm compensado com aumento dos impostos estaduais, é verdade. Por outro lado, a imensa maioria dos municípios tem diminuido impostos.

4) E finalmente: quem disse que aumentar impostos é axiomaticamente ruim? Eu queria muito que se aumentasse os impostos sobre a renda e o patrimônio no Brasil. Mais duas alíquotas de IR e IPTU e ITR progressivos já bastava. Só pra lembrar: nos EUA, a alíquota máxima de imposto de renda por muitos anos foi de noventa e um por cento. E, ao contrário do que preveriam teorias declaradamente anti-empíricas tipo a curva de Laffer (que pode ser vista no gráfico mais patético de todos os tempos), esses anos foram os de crescimento econômico mais acentuado.