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26.2.06

Lugares estranhos do mundo V - clipping the matrix

Não dá pra deixar de lado a impressão de que o mundo está descambando pro cyberpunk. Houve um período, nos anos 90, em que ainda se falava em uma mudança no sentido contrário, com a reafirmação dos nacionalismos e do internacionalismo ao mesmo tempo (a tal "nova ordem mundial" de Bush I e Clinton tinha a ver com essa tentativa de operar o sistema-mundo através de instituições formais, ligadas ou não à ONU). Hoje, isso ficou meio de lado, mesmo se você for da opinião de que o neocons não vão conseguir cavalgar o tigre por muito mais tempo. Em poucos anos, as corporações, se não viraram as Hosakas e Van Nuyens da literatura cyberpunk, caminharam bastante pra chegar lá. Há uns cinco anos, a maior siderúrgica do mundo, a Nippon Steel (é, com o nome em inglês mesmo), produzia coisa de 3o e tantos milhões de toneladas de aço; hoje, uma empresa de 50 milhões de toneladas, a Mittal, quer comprar a outra, a Arcelor, pra ficar com uma produção total maior do que a do Japão, segundo produtor mundial. Dez fusões depois, a Pfizer tem um orçamento de pesquisa maior do que o total investido em pesquisa no país de três dos quatro BRICs e 19 dos 25 membros da UE. A opção de saída, junto com a vigilância da OMC, garantem que até empresas menores, enquanto não são compradas, podem se impor aos estados que, ao contrário delas, continuam locais. Como resumido na Economist, na tradução do Valor,

Se os lucros (e, portanto, a remuneração dos executivos) seguirem em sua alegre ciranda, enquanto os salários reais dos empregados comuns ficam inalterados e seus planos de saúde e aposentadorias vão sendo minados, seria razoável os trabalhadores esperarem que seus governos façam alguma coisa para reduzir a disparidade. Não é difícil pensar em idéias que seriam populares: impostos mais altos sobre lucros, restrições a investimentos no exterior, barreiras contra importações ou dificultar a demissão de trabalhadores. O problema é que, numa economia globalizada, essas medidas seriam também suicida. As empresas simplesmente transfeririam suas operações para países mais amistosos.


Ou melhor, cyberpunk sem uma razorgirl pra chamar de minha, e com LER ao invés de datajacks. No fun.

Em homenagem ao lado cúl do cyberpunk, juntei uma colagem de troços que apareceram nesta semana, traços na areia (cheia de lixo global) dessa volta a 1984 (não o do Orwell, o do lançamento de Neuromancer).

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Como proposta, é uma porcaria. Como capricho, ou talvez como provocação, é genial: o Homem Caranguejo de Santos. Pra se ler ouvindo Mangue Beat, evidentemente. Uma favela de contêineres numa grelha de concreto, junto ao porto. Como Deus é péssimo escritor, a proposta foi feita pra Santos, um porto secundário e afastado das redes de troca globais, em que o grosso do embarcado é a granel, ao invés de pra Cingapura, Roterdã ou Hong Kong. Et pourtant...no do meio, já houve propostas de habitação "social" em contêineres.

Cingapura, o maior dos três, aliás, foi o grande modelo pra idéia do "enclave" corporativo brilhando de limpo no meio do mundo fudido. Limpo e controlado: a cidade-estado-ilha, onde não há necessidade de se criar uma favela de contêineres (porque o Estado, dono de 90% da terra, fornece habitação a todos), tem mais câmeras de segurança do que qualquer outro país do mundo, fora a Grã-Bretanha, e mais do que qualquer um per capita. Vai ver é alguma coisa a ver com ilhas.

Se Cingapura encarna o lado de cromo brilhante da distopia, outro miniestado asiático, este não uma ilha mas uma quase-ilha, é mais complexo. Dubai, antevendo o fim próximo das próprias reservas de petróleo, pretende se reinventar como uma Cingapura do Golfo, only more so. Além de pólo de negócios e transportes, quer ser um hub aéreo, turístico e financeiro. Continuam em alta os negócios tradicionais, como a lavagem de dinheiro, o contrabando, e os trabalhadores indianos que constroem os prédios de 800 metros de altura e ilhas artificiais. Os ditos - cujos documentos são confiscados pelos empregadores - representam 80% da população dos emirados árabes unidos, e mais de 90% em Dubai, fazendo com que a diferença entre a renda média e a mediana lá seja de deixar o Brasil parecendo a Finlândia.

No porto de Dubai, o trabalho 24h por dia só é possível porque não é humano; em climas mais amenos, porém, a automação quase completa do porto também é uma realidade. Os grandes portêineres (guindastes em linha reta) são a única coisa diretamente controlada por seres humanos; depositam os contêineres tirados dos navios em "caminhões" elétricos robôs, que as levam até as empilhadoras robô, numa atividade apressada que lembra um balé - a figura de linguagem envolve mais do que achar interessante o espetáculo: é que a mistura de velocidade e precisão, com caminhões e guindastes tirando finos uns dos outros o tempo todo, só é atingida por seres humanos com música de fundo. O balllet mechanique dos contêineres, quase silencioso na vastidão dos pátios de concreto, é a versão contemporânea das toadas de estivadores que animavam as docas do auge do comércio internacional antes da Grande Guerra, das India Docks londrinas, onde o comércio (alguns diriam a pilhagem) do mundo chegava à sua capital até os mil pequenos portos inseridos num sistema de comércio que não era menos mundial do que o de hoje, apesar das decisões serem menos centralizadas.

E falando em centralização: um dos temas recorrentes cyberpunks é a degradação ecológica, da modelo de biquíni passando bloqueador solar azul em Robocop à caracterização da Ucrânia ou do meio-oeste americano como desertos radioativos. Pois bem, o país que virou uma espécie de símbolo da devastação ecológica industrial*, a China, decidiu virar o jogo, pelo menos num quesito. (A transposição das águas do Yangze pro Rio Amarelo e a série de represas em três gargantas continuam planejadas.) A idéia de controle do governo chinês que transparece aí é até meio assustadora, mas é melhor ir se acostumando. Afinal, se a China chegar à metade da renda per capita americana, vai ter um PIB duas vezes maior. Voltando ao posto que ocupou antes de o mundo ser um só, a China não vai ser uma superpotência como os EUA ou a Inglaterra, mas algo mais parecido com o conjunto da Europa ou da OCDE.

Pra encerrar a lista: um dos problemas que o mundo enfrenta na sua tentativa de se tornar um romance de William Gibson é a pobreza de imaginação do oabismo saudita, base dos movimentos de violência não-estatal mais conhecidos. Pra lembrar que existe coisa mais barroca e interessante por aí, é só pensar no Exército de Resistência do Senhor.


*A devastação ecológica direta é encarnada no Brasil. Curiosamente, os EUA, o Canadá, e a maioria dos países da Europa, detonam mais áreas ambientais ameaçadas todo ano que o Brasil, e emparedaram uma proporção muito maior de seus rios do que a China.

23.2.06

Incentivo

O Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares foi das peças diplomáticas levadas mais a sério, desde o pós-guerra, por diplomatas e analistas internacionais. Apesar disso, a conclusão a que se pode chegar, pensando não na retórica "e se" que diz que sem ele estaríamos nadando em tsar bombas, mas nos resultados práticos do tratado, é de que ele foi o fracasso retumbante que tem gente que alega que toda a ONU foi. Não porque países para além dos cinco grandes desenvolveram armas nucleares, o que, afinal, por si não diz nada sobre o funcionamento do tratado; ainda que a adoção seja uma medida do sucesso de um tratado internacional, ninguém pode querer que todos os quase duzentos países do mundo concordem. O problema é com os próprios mecanismos dele: tanto as sanções contra signatários que pretendam desenvolver armas nucleares (agora testadas contra o Irã) quanto a ajuda na pesquisa sobre energia nuclear pra fins pacíficos. Ao contrário, fora dos mecanismos de cooperação internos à Europa (que se sobrepõem ao uso conjunto do armamento nuclear americano pela OTAN), foram justamente os países que desenvolviam armas nucleares que receberam mais cooperação em pesquisa nuclear dos cinco grandes.

Nem tô falando de operações meio furtivas, cujo destino fosse especificamente a bomba, como quando a França e a Grã-Bretanha ajudaram os israelenses a adquirir bombas atômicas, a China ajudou o Paquistão, ou Israel deu uma forcinha pra África do Sul. Tô falando de ajuda nuclear explícita e anunciada, teoricamente apenas pra fins pacíficos, que se dirigiu muito mais a países que desenvolviam ou já desenvolveram a bomba, do que para os signatários certinhos. O Brasil recebeu cooperação americana pra Angra 1 enquanto tentava explodir a Serra do Cachimbo; a Índia acaba de receber ofertas de cooperação da França e dos EUA; até o Paquistão, que confere em todos os itens da "besta-fera" americana - islâmico desde a origem (a única justificativa da existência do país, cujo nome quer dizer "terra dos puros," é o Islã), ditadura, laços com a Al-Qaeda (a ISI paquistanesa foi o elo entre a CIA e os Mujahedin, incluindo ObL) e outros grupos terroristas, instável, regionalmente ambiciosa e conflituosa, disposta a vender segredos nucleares...recebeu sua ajudinha.

Diga-se em defesa do Grande Satã, apesar de o dito Paquistão ser um "Most Favored Non-NATO Ally," a Casa Branca, de modo geral, tem trabalhado pra impedir que a arraia miúda ganhasse "God's Terrible Swift Sword."* Israel e Taiwan tiveram destinos opostos pra seus programas nucleares, em parte porque os EUA souberam antes dos planos da República da China. e quando Israel e a África do Sul já eram testas de ferro americanas, os dois ainda assim tiveram que cooperar escondidos da CIA (não é lá muito difícil...). E cooperação nuclear americana (privada) com o Brasil, apesar de ser uma sacanagem com os signatários do TNPN que não receberam coisa semelhante, também não envolvia pesquisa bélica.


*A diferença entre a estatura popular dos "pais" da bomba A e H pode ser explicada por coisas que não têm nada a ver com a competência deles em física. Resumida nas citações: Oppenheimer citou o Mahabharatta (na tradução do coronel Polier), mais especificamente o verso do Bhagavad Gita em que Vishnu, oferecendo a Árjuna sua "forma universal," declara que "I am become death, the destroyer of worlds." Teller citou o Battle Hymn of the Republic, o menos popular dos três "hinos nacionais" americanos, dizendo "Mine eyes have seen the fire of his terrible swift sword."


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Falando em questões militares, o porta-aviões Clemenceau foi barrado na tentativa de entrar em águas indianas pra ser desmontado. O bicho, com centenas de toneladas de amianto, é tóxico demais até pra Índia. Não custa lembrar: o irmão gêmeo dele, o Foch, hoje se chama São Paulo, e á a nau capitânea da marinha brasileira. Com a mesma quantidade de amianto.

22.2.06

1984

Houve um tempo, antes do segundo Bush ascender à presidência dos EUA, em que uma citação do 1984 ainda podia ter alguma pretensão à originalidade. Isso acabou, claro, bem antes de a operação Justiça Infinita mudar de nome, quando quem dizia que os EUA tinham um sistema GULAG secreto internacional, no qual se praticava tortura, ainda era maluco, ao invés de fotos da divisão iraquiana desse sistema serem notícia de miolo de jornal.

Mesmo no admirável mundo novo (perdão pela mistura de distopias), porém, eles admitirem que não pretendem ceder os poderes "de emergência" do executivo tão cedo é novidade. Aliás, diga-se que o marketing Bush, apesar do sucesso, vai contra todos os cânones do marketing tradicional. "Long war" é o par de palavras mais deprimente que eu já vi.

20.2.06

Castor Valley Authority

O Lula, que sempre quis ser um FDR com menos dedos e mais pernas, resolveu que o biodiesel será sua Tennessee Valley Authority. Eu não tenho nada contra biocombustíveis a princípio, e ao contrário do proálcool o modelo econômico bolado pro biodiesel parece bem razoável. Mas falta avisar ao presidente uma coisa: o preço de uma garrafa de óleo de soja no supermercado é R$2,20/l. O diesel fóssil, no Rio, custa 1,83/l. O óleo de mamona custa 3R$ o litro. Se a idéia é estimular a fazenda familiar nordestina, faz mais sentido simplesmente possibilitar que ela venda a mamona como óleo pra perfumes e lubrificantes do que comprar essa matéria prima cara pra fazer diesel.

Não adianta dizer que isso vai ser resolvido pelas economias de escala, porque as esmagadoras de soja da Bunge não são exatamente uma operação de fundo de quintal. O balanço energético* de oleaginosas não-perenes ** para biodiesel, segundo o próprio governo brasileiro, dá 1,4 vezes a energia investida - algo parecido com o 1,3 vezes do álcool de milho americano, abaixo das 2 vezes consideradas razoáveis, e muito abaixo das 8,3 vezes do álcool de cana brasileiro.

Existe uma alternativa razoável de produção de biodiesel, fora as algas ainda experimentais, que é a partir de palmeiras. Palmeiras (cultivando as quais, aliás, minifúndios são bem mais competitivos do que com forrageiras), rendem quase dez vezes mais frutos por área do que forrageiras. No balanço geral (o óleo é pior do que o de mamona pra fazer diesel), a cultura de carnaúba, dendê ou babaçú pra biodiesel ainda não é tão eficiente quanto a cana pra álcool (que com a fermentação por novas cepas de fungos da celulose, mais a utilização de sistemas mais avançados de geração de vapor, pode chegar a 15x, talvez 20x), mas passa de 5 vezes com tecnologia corrente e barata. Aí entra um problemitcho menos técnico: pro Lula poder usar de TVA um grande programa de plantação de dendê, só se ele ficar no poder tanto tempo quanto o FDR. De babaçú, só se a direita anaeróbica estivesse certa e ele pretendesse virar ditador stalinista, já que demoraria dez anos, pelo menos, além dos três já completos.


*Gasta-se x unidades de energia (fóssil ou reinvestida), ganha-se y na forma de biodiesel ou etanol. y/x = o "balanço."

**Soja, mamona, algodão, canola, etc.



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Voltando à questão do óleo de mamona, é por isso que das poucas estatais brasileiras que eu defendo seria uma reativação do Lloyde, mas com logística de terra também. Incluindo a possibilidade de se revogar a privatização roubada da Vale, privatizar de novo a mineradora (dessa vez por um preço no mínimo maior que os investimentos feitos por ela no último plano), e ficar o governo com as ferrovias. O problema logístico brasileiro, como tantos outros, afeta os nanicos de forma desproporcional.

18.2.06

Mundo Bizarro

Confirmado: Bush e companhia realmente vêm do planeta Bizarro. Tudo bem, mesmo no mundo real pôr a culpa na vítima é a essência do "conservadorismo cheio de compaixão," mas a vítima aceitar a idéia é mais raro:

16.2.06

PQP

Tô devendo vários posts de própria lavra começados e não terminados, mas isso aqui dá mais raiva do que todos eles:

Do Valor:

Comandante da Polícia Militar na invasão à Casa de Detenção do Carandiru, que resultou na morte de 111 presos em 1992, o deputado estadual (PP) paulista e coronel reformado da Polícia Militar Ubiratan Guimarães foi absolvido ontem da condenação de 632 anos. O julgamento no 2º Tribunal do Júri de São Paulo, em 2001, foi anulado ontem por 20 votos a 2, dos desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, ao qual o coronel teve direito pela condição de parlamentar. O Ministério Público disse que vai recorrer da sentença junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O coronel Ubiratan distribuiu apelação ao desembargador Mohamed Amaro, integrante do Órgão Especial, alegando que seu julgamento foi ilegal e apresentava irregularidades, como divergências no relato dos jurados. No julgamento de 2001, quatro jurados votaram a favor da condenação e três contra, pela acusação de homicídio doloso de 102 pessoas. As outras nove foram mortas com armas brancas, impossibilitando a identificação do autor do assassinato.

No julgamento de ontem, dos 25 desembargadores mais antigos do TJ, responsáveis pelo julgamento, 20 acolheram os pontos contraditórios apresentados pelo advogado de defesa, deputado Vicente Cascione. Na peça de defesa, argumentou-se que o coronel não havia praticado excesso doloso (intenção de matar) por estar no estrito cumprimento legal da profissão. A votação anulou a decisão do júri e absolveu Ubiratan. Três desembargadores abstiveram-se. Os favoráveis à anulação seguiram o desembargador Walter de Almeida Guilherme, de que o julgamento anterior fora político.

Na tarde do dia 02 de outubro de 1992, o coronel Ubiratan foi chamado para acabar com o motim do pavilhão nove, no Carandiru. Duas possibilidades estavam ao seu alcance: chamar o batalhão de choque ou de contenção. Ubiratan escolheu a primeira opção e policiais da Rota, COI, Gate - agrupamentos munidos de armas de grosso calibre- e entraram para conter a rebelião. O advogado de Ubiratan sustentou que o coronel ficou responsável somente por dizer "Vamos entrar", depois de um consenso entre o então governador Luiz Antonio Fleury Filho, o secretário de Justiça e o diretor do Carandiru. "Quem pode dizer que houve massacre quando na verdade a polícia entrou e salvou 2 mil presos, da briga de outros detentos?", disse.

Ao final do julgamento, Cascione caiu em lágrimas."Sou um defensor da vida", disse. Ubiratan referiu-se à sua mãe, de 88 anos, que não estava presente. "Estou muito alegre. Acredito na Justiça e agimos em nome da sociedade", comemorou. O procurador Antonio Visconti julgou o resultado como um "preconceito contra os direitos humanos" . "Claramente foi um julgamento ideológico. Há quem acredite que os direitos humanos não são para os marginais".

15.2.06

Pão de Pobre II

Não chega a ser novidade que pão de pobre sempre cai com a manteiga pra baixo.

Mas é impressionante a confirmação de que, enquanto isso, o pão de rico realmente cai com a manteiga pra cima.


Mas é claro que a culpa é dos pobres; afinal, eles são inferiores, sexualmente promíscuos. Como nos informa a prefeitura de São Paulo (o texto é da Caros Amigos de dezembro):



No histórico edifício Martinelli, não muito longe da avenida Prestes Maia, um senhor corpulento, branco e de olhos pequenos, trabalha até as 11 da noite, fazendo reuniões , assinando papéis, e decidindo em grande parte a vida dos sem-teto. Orlando Almeida Filho acha qua a melhor solução para os encortiçados, favelados e sem-teto do Centro é a “pulverização” – espalhá-los em diversas habitações porque muitas famílias morando juntas leva, segundo ele, à promiscuidade sexual. “Você sabe que a promiscuidade infelizmente impera nessas pessoas de menor poder aquisitivo. Vocêdeve ter ouvido falar em vários casos de sexo de pai com filho”, diz ele, que nunca entrou em qualquer ocupação (ele chama de invasão) do MSTC. Ele complementa: “Não sei se eles não querem trabalho para ficarem nesse processo ou se eles querem ficar nesse processo e portanto não querem trabalho”.

Invasão por quê? "Se você viajar e alguém 'ocupar' a sua casa, você vai ficar feliz?, pergunta. Diferentemente da antiga gestão, que fazia a intermediação quando havia uma ordem de despejo em alguma ocupação, a fim de realizar ali projetos habitacionais, o atual secretário de habitação fala claramente: "Nós não vamos fazer nada, essas pessoas estão em prédio particular, isso não é problema da prefeitura". Mesmo assim, sem "nada a fazer", ele diz ter recebido todas as lideranças que o procuraram. "Aqui na prefeitura podem vir quantos quiserem, não tem problema. Mas, se forem na minha casa pendurar alguma coisa, toma tiro. Eu sou bom. Porque já fui campeão mundial. Na minha casa ninguém vai."

Ele não tem "a menor dúvida" de que "as pessoas vão ter que desocupar esses prédios". Sobre o Prestes Maia, é categórico: não há nenhum projeto em vista. "Essas pessoas não vão consumir, não vão ao Mappin comprar gravata, não vão ao teatro comprar ingresso, e assim por diante, e o que vamos ter na região central, uma favela nova, um cortiço novo?”



[...] Ciente da orientação do atual prefeito, o arquiteto Joel Fernando sabe que trava uma batalha perdida. Contratado em dezembro de 2003 pela antiga gestão, durante um ano elaborou com sua equipe um projeto de reforma para o Prestes Maia. Seriam 126 unidades habitacionais, variadas – quitinetes, apartamentos de um ou dois dormitórios, tendo entre 30 e 40 metros quadrados cada um. O valor de cada unidade seria de 30.000 a 32.000 reais. Haveria, ainda, salão de reunião e festas, salas de aula, uma unidade básica de saúde e estacionamento. “Fizemos o projeto à toa. Eles vão jogar no lixo”, diz. E por razões ideológicas e nada técnicas. "O projeto é viável tanto estruturalmente quanto economicamente. E, socialmente, é necessário para a recuperação da área central."

13.2.06

Prioridades

Com as bençãos da prefeitura do Rio, a empresa Nova Park, de estacionamentos, está removendo oito figueiras centenárias da Quinta da Boa Vista. Vão dar lugar a oito vagas pra carros.

Mas o patrimônio da cidade tá garantido - a empresa deve instalar, como fez na Cidade do Samba,* um busto do prefeito César Maia.


*3 anos de atraso numa construção que poderia ficar pronta em seis meses; cf o post de abertura deste blog.

9.2.06

Elsève de l'Oréal

A artista Zalinda Cartaxo desonra o ótimo nome ao fazer uma intervenção no Centro Cultural Telemar que deveria homenagear Mondrian. Vamos explicar: a graça do Mondrian é a composição rigorosa e original das formas retas, retângulos coloridos na grade preta (definição maisoumenos plagiada da Taschen). Isso deixando de lado a minha opinião pessoal de que as 1,257 obras dele pintadas entre o abandono da figura e a mudança pros EUA são uma só, que não merecia ser pintada tantas vezes, e o trabalho de gênio mesmo são as telas americanas.

Coisas "inspiradas" no Mondrian não parecem Mondrian, parecem embalagem de xampu.


8.2.06

Eu não sou de esquerda

E cada vez mais, quando digo isso, me sinto como o personagem daquele sketch homofóbico e sem graça do Casseta & Planeta, na sauna gay. Dá pra confundir com "esquerda" uma tendência a ser do contra porque, afinal, o mundo é de direita.

E o que é pior, eu não consigo deixar de achar que quem se mexeu não fui eu, foi o mundo. Até meu pai agora é de centro, reclama da política econômica do Lula por ser muito de direita.

Suportes à minha alegação, de toalhinha e massagista (ao invés do Casseta peludo, põe a Brittany Murphy, por favor):

Gosto do modelo universitário californiano, que é explicitamente baseado na desigualdade institucionalizada, com direito a pagamento de anualidade (de acordo com as possibilidades financeiras de cada aluno).
Sou (com reservas e qualificações) contra o multiculturalismo, que no Brasil como nos países anglo-saxões se tornou parte integrante do portifólio da esquerda.
Sou neutro quanto à privatização em tese, e apoiaria até uma privatização da Petrobras, dependendo das condições (esse "dependendo das condições" significa um "não" no futuro previsível, dados os tamanhos respectivos da Petrobras e da economia brasileira; a venda da Petrobras representaria três meses do movimento da Bovespa).
Acho razoável a desindexação das aposentadorias públicas, e até a equiparação delas ao sistema geral. E sou a favor de tetos de contribuição/recebimento razoavelmente baixos pra previdência pública.
Sou a favor da abertura de certos setores de serviços (eg advocacia) à concorrência estrangeira.
(No Brasil, é ser de direita) sou anti-nacionalista e anti-desenvolvimentista.
Deve ter mais, que tô esquecendo agora.

Ah sim - que tal privatizar parcialmente a Embrapa, ou melhor ainda, torná-la pública? Hoje em dia, ela faz serviço de graça ou quase pro setor mais rico do Brasil, e para multinacionais. Se virasse uma empresa de biotecnologia em bolsa, faturava uma pusta grana com isso, e sobraria mais pras pesquisas não-lucrativas.

7.2.06

Medo, muito medo

Someday, they'll make a movie about gay cowboys. Gay cowboys eating pudding. - Cartman, South Park.

Ao falar do Munique, acabei esquecendo de falar do filme pra falar da oposição entre alemães e mamonas. Pois bem : o filme é muito bonito, mas é comprido demais. Tem uma quantidade de locações impressionante. E, uma ou outra cena isolada à parte, mostra que o Spielberg ainda não recuperou a mão que perdeu depois de fazer a Privada do Ryan. Entre outras coisas, tudo bem, dá pra fazer bons filmes, e até personagens memoráveis, com maus atores - Burt Lancaster era um tremendo canastrão, e o próprio Spielberg dirigiu o canastrão Harrison Ford, cuja melhor atuação é acidental (tava de saco cheio e ódio do filme no Blade Runner, então ficou bem com jeito de detetive noir).

Mas por mais lento que seja Munique, eu tenho medo é de assistir Brokeback Mountain. Não é por nenhuma homofobia enrustida, é só porque...bem, Ang Lee é um pusta diretor. Fez alguns filmes, como Comer Beber Viver e Tempestade de Gelo, que entrariam na minha lista dos melhores que já assisti.

Fez também o filme do Hulk, que é uma atrocidade, é verdade, e a culpa não é do Hulk, que é dos personagens de quadrinhos que mais se prestariam a fazer um filme decente - ao contrário do Batman, que teve que ser inventado como personagem sério pelo Frank Miller (e rapidamente descambou para uma caricatura violenta), ou do Super-Homem, cujo tratamento "adulto" sempre é uma variação sobre o tema de ele ser, bem, o super-homem. O Hulk, afinal, é um cientista que vira um monstro cômico-horrível, cujo mote é "Hulk esmaga homenzinho," e mesmo assim é um herói, cujo "pai" e inimigo é o exército americano. Ao invés da história da beleza domando o coração selvagem, cue deus ex malvado, dava pra ter feito muita coisa interessante.



Mas é muito, muito, muito lento, principalmente quando é sério. O Tigre e o Dragão é uma releitura de um gênero que prima pela velocidade, até por uma necessidade estilística (o filme tem que ter espaço para as lutas, com uma variedade de oponentes e cenários), e mesmo assim é lento. O Banquete de Casamento é uma comédia divertida, e mesmo assim é lento.

E a Montanha das Costas Quebradas tem cara de filme lento. Pelo que contam, eles se apaixonam nos três primeiros minutos, e tem algum tipo de resolução no final. Nas restantes duas horas, têm o Amor que Não Ousa Dizer o seu Nome. Gay cowboys eating pudding.

O medo da lerdeza só não me tira a vontade de assistir porque descobri que o roteiro é baseado num livro da Annie Proulx.

6.2.06

Da série "os jornalistas e..."

A aritmética: O Estado de Minas nos informa que dez é a maior parte de 40:

O consumo atual de álcool no mundo é de aproximadamente 40 bilhões de litros por ano, sendo 30 bilhões usados exclusivamente como combustível. As indústrias química e de bebidas são ainda os principais destinos do produto.


A distinção: A Newsweek nos informa que a École Nationale d'Administration, da qual saem os enarcas que governam a França, é um curso de boas maneiras.

Born in Dakar, Senegal, into a French military family, she studied at the prestigious ENA finishing school.



A física: O Valor ensina que hertz não é, como crêem os leigos, uma medida de frequência.

A agência explicou, em seu relatório, que uma modulação mais eficiente põe mais informação nos 6 MHz (megahertz) de potência de cada canal a ser utilizado na TV digital.

Energia Nukular

Apesar do Dirceu ter caído há já um tempo (dizem as más línguas que por conta de ter tentado, no início do governo, bater de frente com a Febraban), ainda é forte o campo, no governo e fora dele, que quer ver Angra III sendo construída. É bem verdade que hoje o campo dos ashuras dos ambientalistas se mudou em grande parte de Angra pro Rio Madeira, com o hidrelétrico Silas Rondeau no ministério de minas e energia.

A idéia de completar Angra III só porque "já se gastou dinheiro nisso" não faz o menor sentido. O dinheiro gasto já foi enterrado, não vai ser recuperado, e o dinheiro que falta não é pouco, comparando com o investimento em uma usina termelétrica fóssil, eólica, ou hidrelétrica. Apesar disso, eu sou a favor da construção da usina - não em si, mas como parte de um plano de usinas nucleares brasileiro. A necessidade desse plano se baseia na idéia, defendida num post anterior, de que a restrição dos gases de efeito estufa interessa ao Brasil, e setores emissores como energia e transporte - hoje minoritários no Brasil e majoritários no mundo - tendem a crescer muito, mesmo sem crescimento econômico e muito mais com.

As alternativas não-carboemissoras de geração de energia dividem-se entre experimentais e comerciais. As primeiras geralmente têm algo a ver com o mar: energia das ondas, de correntes marítimas, da diferença térmica entre as profundezas e a superfície, mas também coisas cyberpunk como biocombustíveis de micróbios (que não seriam plantados, mas produzidos), e usinas solares no espaço mandando microondas para antenas receptoras na terra. Esta última opção teria custo proibitivo (inclusive em termos de carbono, já que o foguete a combustão usado pra pôr as tais centrais lá em cima polui que é uma beleza), mas tem uma versão corta-custos verdadeiramente alucinada: ao invés de se construir vários satélites geoestacionários de microondas, manda-se uma única máquina de Von Neumann, isto é, que pode criar outra igual a si mesma, pra lua. Lá, o robozinho vai se reproduzindo até cobrir a Lua inteira de robozinhos-usinas-solares conectados, dos quais um cinturão "equatorial" se converte nos emissores de microondas. Então, ao invés de meia dúzia de satélites com alguns Km2 de área, teríamos milhões de Km2.

As comerciais são, pela ordem de preço, solar, eólica, nuclear, biomassa, e hidrelétrica. A hidrelétrica é a mais barata de todas, e ainda por cima a mais confiável, mas no Brasil fica muito mais cara porque os grandes aproveitamentos perto dos consumidores já acabaram. O plano reativado da Eletrobrás, de enfiar três mega-barragens no Rio Madeira, vai perder no caminho até São Paulo quase um terço da energia, transformada em calor. Fora transformar o rio Xingu, que é um rio de corredeiras e grande variação sazonal, em um rio estático, com consequências...não muito boas, digamos...bem ruinzinhas para o ecossistema circuncidante, aí incluídas as comunidades indígenas e ribeirinhas.

Pausa pra explicar o "confiável": energia elétrica té contada de dois jeitos, o watt e o watt-hora. Sim, o watt-hora nada mais é do que um watt por uma hora, mas as duas medidas se tornam independentes quando você lembra que a energia elétrica, ao contrário de outros materiais (e até de outras formas de energia) não pode ser armazenada em grande escala. Então, como o consumo não é estável ao longo do dia, ser capaz de suprir o consumo total anual (em w/h) não é o bastante, porque você não vai ter energia (w) pra ligar o chuveiro elétrico. Uma usina elétrica também é medida pela sua "capacidade," isso é, quanto tempo ela fica funcionando, e quanto tempo parada. Uma hidrelétrica funciona 97% do tempo, salvo secas extemporâneas; uma térmica, uns 60-70%; uma eólica idem, mas você não programa quando os 40-30 vão aparecer. A combinação disso tudo quer dizer, por exemplo, que Itaipú é responsável por "só" um sexto da capacidade de geração nacional (14GW de ~88), mas por um quarto da energia gerada por ano (~90TWh de ~360); Itaipú fica ligada o tempo todo, e nos períodos de pico as térmicas são ligadas também. Isso tudo significa que, quando alguém põe no jornal que a usina tal "gera não sei quantos Mw," isso não quer dizer muita coisa.

Também significa que os números são fáceis de torturar; o lobby dos moinhos de vento alega que os ditos são mais baratos, já, do que térmicas nucleares e a gás natural (não do que as movidas a carvão), medindo em dólares por quilovate de capacidade de geração. O poroberema é que, não sabendo quando elas vão estar funcionando, as bichas até funcionam como parte de um sistema integrado (principalmente um do tamanho do Brasil, em que dificilmente vai morrer o vento ao mesmo tempo na Lagoa dos Patos e em Natal), mas você precisar de mais quilovates delas do que de térmicas, cujas desativações podem ser coordenadas com antecedência (de preferência na primavera ou no outono), pra manter a capacidade de geração total do sistema no mesmo nível.

Usinas de biomassa podem ser unifuncionais - isso é, igualzinha a uma usina térmica fóssil, mas com combustível plantado, mas esse modelo, porque você gasta energia (inclusive fóssil) pra plantar, não é lá muito eficiente. A maioria das usinas de biomassa, então, queima lixo, seja lixo orgânico urbano ou sobras de colheita. Ainda tem muito espaço pra expansão das usinas de biomassa no Brasil, principalmente a partir da cana e do lixo urbano, mas usinas de biomassa desse tipo geralmente são dedicadas: a maior parte da energia delas é usada pra processar o próprio lixo ou cana de açúcar (reciclando um, transformando em álcool e açúcar a outra).

Usinas eólicas são provavelmente a melhor opção para o Nordeste, e uma solução ideal para o Brasil; os únicos problemas ambientais relevantes delas são meia dúzia de pássaros mortos - menos do que, digamos, morrem batendo em janelas - e a poluição sonora local. O problema é o preço, principalmente se você levar em conta as perdas na transmissão, do São Francisco ou do Rio Grande do Norte até São Paulo e Rio. E que tem um limite aproveitável economicamente, como no caso das hidrelétricas. É uma quantidade de energia muito grande, maior do que a capacidade de geração de Itaipú, mas ainda é limitada, e nem de longe o bastante pra suprir as necessidades energéticas de um país de 200 milhões de habitantes se o consumo sequer se aproximar do de um país desenvolvido. Usinas solares são melhores ainda, e o limite de aproveitamento de energia é muito maior, mas são muito mais caras.

Então, chegamos à energia nuclear. Você pode construir uma usina nuclear perto dos centros consumidores, como em Angra; isso na prática significa que 1000MW de energia nuclear rendem tanto quanto 1200MW de energia hidrelétrica, mesmo levando em consideração as paradas periódicas para reabastecimento e manutenção da nuclear. Isso assumindo Itaipú; se você comparar com as usinas programadas pela Eletrobrás no Rio Madeira, que tão mais perto de Caracas que do Sudeste ou Nordeste, a vantagem é bem maior. Isso, claro, é a mesma vantagem que qualquer térmica pode alegar; a diferença está na liberação de carbono. Bem, não só na liberação de carbono: sabe Tchernoby'l? Pois bem, qualquer usina de carvão de tamanho equivalente matou mais gente ao longo da sua vida útil. Como acontece no pingado, e com mineiros de carvão ao invés da população geral, não choca. Morrem mais mineiros de carvão todo ano no mundo do que morre gente na maioria dos conflitos. Só na China, a maior produtora do mundo, podem ser mais de vinte mil mortos todo ano. Só no acidente, sem contar as vítimas do Black Lung, a tropa de doenças pulmonares associadas à mineração de carvão. Sabe aquelas imagens de mina de carvão da revolução industrial de livro de história do ensino médio? Pois bem, aquilo continua sendo uma mina de carvão subterrânea. Claro que uma mina de urânio não é o paraíso das 77 huris, mas a escala é completamente diferente.

Alguns dos defeitos da usina nuclear também são comuns a termoelétricas em geral. Por exemplo: às vezes alega-se que elas seriam melhores do que uma hidrelétrica porque não detonam um rio. Só que uma usina térmica usa uma quantidade brutal de água pro seu resfriamento, que é devolvida à natureza vários graus mais quente. "Poluição térmica' não é frescura; o ambiente aquático perto de uma usina é geralmente estéril. Em alguns casos, isso é utilizado para aquecimento residencial depois, mas acho difícil muita gente gostar da idéia de ter água aquecida por um reator nuclear. (Apesar da popularidade das águas minerais radioativas. Vai entender.)

Outros defeitos são só delas: por exemplo, o risco catastrófico. Tudo bem, eu disse que no agregado uma usina nuclear não mata tanta gente quanto uma térmica, mas bem - isso não muda o fato de que é mais fácil pôr os outros a perigo, principalmente os que, como os soldados e mineiros de carvão, são voluntários. (Na França, os "veteranos do trabalho" têm alguns dos mesmos direitos e honrarias dos veteranos de guerra, o que me parece bastante razoável, já que arriscam a vida "pela nação" do mesmo jeito, fora não serem assassinos.) Fora que se, para reduzir o custo de transmissão, você enfia uma usina nuclear no vale do Paraíba, você está pondo em risco uns 10 milhões de pessoas. Se puser vento acima de São Paulo, então...Tchernoby'l foi o pior desastre nuclear que aconteceu, mas não o pior concebível; um risco baixo, mas catastrófico, vale a pena correr? Qualquer programa nuclear deveria ser precedido de um debate a sério, com direito a audiências públicas e associação de moradores, quiçá plebiscito nas áreas afetadas, sobre isso. Novas tecnologias, como o leito de cascalhos radioativos, diminuem em muito o risco de uma explosão do reator, é verdade, mas não seria o caso de Angra 3, a ser construída com tecnologia velha. E essas novas tecnologias são caras - tanto usá-las quanto reforçar a carapaça de concreto são estratégias de redução de risco que fazem com que a alegação de que as usinas nucleares são econômicas deixe de ser verdade.

Falando em preço, outro problemitcho é intensificado no caso brasileiro: assim como a comparação entre o quilovate de geração eólico e o térmico é uma meia-verdade, é uma meia verdade a comparação entre o custo de uma usina nuclear por quilovate e o de uma eólica. Isso porque eólicas são construídas em unidades de 1 a 3MW, enquanto você precisa completar uma unidade de mais de mil megavates antes de começar a gerar energia nuclear, e demora mais pra começar a operar. Num país em que a taxa básica de juros tem dois dígitos, essa diferença não é nada insiginificante; contando os juros, a usina nuclear fica muito mais cara. Pra completar Angra 3, o investimento seria equivalente ao da refinaria petroquímica planejada pela Petrobras ou da Replan - isso o investimento novo. Contando o que já se gastou (isso, repetindo, não deveria influenciar a tomada de decisões agora), acho que Angra 3(1.2GW) fica atrás, em termos de projetos brasileiros, só de Tucuruí (8GW) e Itaipú (14GW).

Pra não dizer que eu só soltei um monte de coisa sem dar opinião ou conclusão: o uso de usinas nucleares representa a única alternativa viável, a médio prazo, pro Brasil e pro mundo. Existem alternativas melhores, que precisam receber muito mais dinheiro de pesquisa, mas se continuarmos usando combustíveis fósseis até elas serem econômicas, vamos começar a usá-las no mundo maravilhoso do Kevin Costner. (O filme, se não me engano, foi considerado pelo júri dos troféus framboesa pra receber o prêmio "pior do século," mas foi derrotado pela obra-prima "A Reconquista," que alterou o nome do prêmio pra "pior de todos os tempos."

3.2.06

Bem feito por linhas tortas

O episódio do concurso de caricaturas xenófobas dinamarquês:

Setembro
Jornal racista publica cartuns feitos pra ser ofensivos.
Organizações muçulmanas* dinamarquesas protestam.
Até aí, morreu o assunto. Mais um de 22025956335673 casos em que jornais cometem alguma babaquice e os grupos insultados protestam.

Janeiro
Por algum motivo (insira sua teoria favorita), os governos árabes resolvem tomar a causa pra si, e denunciam entre outros o governo dinamarquês, demonstrando a total incapacidade de gente como sua majestada Abdullah ibn Saud** de separar governo e imprensa. Faz sentido - na Arábia Saudita, se algo foi impresso, o rei aprovou. E coisas bastante interessantes são impressas - por exemplo, regularmente, o libelo de sangue, a acusação medieval (incomum no islã medieval, mas frequente na cristandade) de que os judeus usam sangue de criancinhas em seus rituais, e até pra fazer o chalá. Ou, no Egito, documentários de TV usando os Protocolos dos Sábios de Sião como fonte.

E quer saber? Essa hipocrisia e confusão estarem atingindo o governo e as múltis dinamarqueses é bem feito. Porque o governo e a grande burguesia dinamarqueses apóiam descaradamente gente "simpática" como a Pia Kjåersgard, que engenhosamente publicou em jornais o nome e endereço de todos os imigrantes do oriente médio na Dinamarca.

*Pra distinguir de "islâmicos," que se centrariam na religião, "muçulmanos" é mais frequentemente (embora de maneira alguma sistematicamente) pra se referir à cultura, e portanto inclusive àqueles curdos, árabes, persas, turcos, pakis, etc. que não são particularmente religiosos.

**Poderes: executivo, legislativo, judiciário, moderador, econômico (via ser dono da Saudi Aramco), tribal...

2.2.06

Of mice and porcupines

Em Israel e nos EUA, muita gente vem boicotanto o filme do Spielberg por ser propaganda palestina. Enquanto isso, a maioria das pessoas que eu conheci (incluindo ieu) achou que tava mais do que óbvio que os mocinhos da história eram os judeus. E, claro, aparece quem diga que o filme não toma partido.

Sinceramente, acho que todos os três estamos errados. (Olha a arrogância aí geeeeente). O filme toma partido sim, e com a "sutileza" que é própria do Spielberg; é só porque o conflito envolve emocionalmente todo mundo que a gente não percebe. A sutileza é tanta que os personagens fazem discursos sobre o "lar" o tempo todo - o Xexéo chama de síndrome de Dorothy. Mas o que o Avner, o assassino-bonzinho, descobre no final, é que, ao contrário do que pensam os movimentos elencados pelo seu colega Ali no esconderijo em Atenas, ETA IRA OLP e os próprios israelenses, "lar" não é um pedaço de chão no qual você pode mandar, é a sua família. No final do filme (à parte a cena atroz em que o Avner trepa com a mulher jorrando suor enquanto imagina o setembro negro indo pelos ares), o protagonista confirma o que dizeram dele no começo, e que havia rejeitado: ele não é um sabra, é um yekke, um judeu da diáspora. O lar dele é o Brooklyn, onde não há necessidade de matar ninguém, longe do Mossad e do Setembro Negro, que seguem presos um ao outro na Totentanz. Os camundongos e porcos-espinhos do título são os judeus, que são representados como camundongos na revistinha Maus; quando alguém pergunta ao Spiegelman como ele representaria os sabras, ele responde "porcos-espinhos?" (sabra é um tipo de mamona). Posso (devo) estar muito enganado, mas o filme, com direito ao barbudinho simpático falando sobre a Justiça, é uma apologia aos camundongos e um libelo contra os animais de espinho de todas as variedades.

É claro que essa posição, mais do que plausível, me é simpática. É a do Singer contra o Eli Wiesel - e com todo o respeito ao Wiesel, que é um puta escritor, o Singer é um gênio.

Pode até dizer que é propaganda americana (na América, a terra prometida, todos podem ter seu lar), mas é interessante contrastada com o livro original, que era uma apologia franca às ações do Mossad - era o ponto de vista, não do Avner (ou do simpático relojoeiro com cara de italiano que erra as bombas - o que não faz NENHUM sentido se ele era engenheiro do exército), mas da mãe dele, que diz que tudo vale a pena, que a diáspora é uma sub-vida. E o livro ser uma estória de espionagem sem duplo sentido significa que deve ser uma porcaria, porque à parte a tentativa meio tosca de fazer do filme uma crise de consciência (e a competência do Spielberg com tensão e imagens), a estória é uma merda. Vou ligar pro Louis e seu Papa, pra perguntar onde estão os livros que perdi quando tinha 12 anos de idade, já que eles tudo sabem e tudo vêem.

Aliás, isso é algo a se perguntar: dada a tradicional antipatia dos ingleses e conservadores americanos pelos franceses, e o fato de o gênero de espionagem ser basicamente um gênero escrito por esses dois grupos, por que será que o francês de estória de espião é, geralmente, de uma competência quase ou efetivamente sobre-humana? Ou é o Jean Reno, que como é sabido põe medo em rinocerontes hidrófobos, leões feridos e no Samuel L Jackson, ou é um sujeitinho de lenço no pescoço, como o Louis, que sabe "a história minuciosa do porvir, as autobiografias dos arcanjos, o relato verdadeiro da tua morte."