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22.11.06

Fome zero é isso aí

Os EUA sempre se destacaram, entre os países desenvolvidos, por ter a maior proporção da população passando fome. Onze milhões de americanos passavam fome em 2005 (eram oito milhões em 2001), quase um terço dos 35 milhões de americanos abaixo da linha da pobreza e sofrendo de "insegurança alimentar."

Bem, isso acabou. De agora em diante, o Ministério da Agricultura vai dizer que essas mesmas pessoas têm "grau muito baixo de segurança alimentar." A nomenclatura anterior, em vigor há tempos, era "insegurança alimentar e fome."

21.11.06

Do verde ao verde ao verde

A visão comum sobre os organismos geneticamente modificados é mais ou menos simpática dependendo de aonde você vá, mas num mundo que idolatra os orgânicos é difícil negar que a visão do futuro mudou, em relação aos anos 50. Naquela época a Revolução Verde, com organismos ainda modificados usando técnicas "arcaicas" de manipulação genética (isto é, cruzamentos), era vista como um grande e utópico movimento, uma realização pela tecnologia dos sonhos da humanidade. Deu em várias merdas homéricas, claro, como sói acontecer com utopias. Os ecossistemas antrópicos tradicionais têm desaparecido, graças a ela, mais rápido do que a maioria dos ambientes naturais, com riscos de doenças agrícolas e certezas de aumento da dependência econômica, desigualdade e uso de agrotóxicos. Bem, nesta segunda frase talvez já se veja a transformação pela qual a nova Revolução Verde, de hoje em dia, já deixou de ser de cientistas utópicos pra ser de corporações bastante pragmáticas. Novos organismos deixaram de se preocupar em acabar com a fome para significar aumento na geração de divisas, ou qualquer que seja o termo elegante da vez para encher o rabo de grana. E, como tal, ao contrário da radicalização e transformação nos hábitos proposta pela primeira Revolução Verde (que fez os indianos passarem a comer trigo ao invés de lentilha), se preocupa em não fazer nada que não seja reconhecível e fácil de vender. Hoje em dia, o efeito colateral bunda da primeira revolução verde, o aumento do uso de pesticidas, virou a própria raison d'etre de produtos como o grão de soja "Pronto pro Pesticida" da Monsanto.

Por isso, não deixa de ser interessante a volta às origens do trabalho realizado agora, que visa fazer com que algodão seja comestível, pelo visto com sucesso. Veja bem, algodão é venenoso - pra gente e pra maioria dos animais que comemos. Se cultivássemos algodão comestível, a produção mundial de alimentos, especialmente de proteína, aumentaria muito, sem que um acre de terra ou quintal de água a mais tivesse que ser gasto. De deixar o Norman Borlaug orgulhoso

17.11.06

Mike Tyson tá p... da vida

Literalmente. Com carteira assinada. O Grande Canibal Americano foi contratado pela Heidi Fleiss, aquela cafetina do escândalo tão grande, em Hollywood, que virou filme (não de Hollywood).

Perguntas relevantes:

1) O preço é dividido em pra entrar e pra sair?

2) "Recomenda-se às clientes que usem protetor auricular"?

3) Você pagaria para ir pra cama com um canibal com problemas de autocontrole e suspeita de estupro?

Façam a sua piadinha! É melhor do que a morte do Senna.

14.11.06

Angband

Uma das grandes idéias brilhantes partilhadas por neo-desenvolvimentistas e neoliberais brasileiros é a anulação da idéia* de que trustes são uma coisa ruim. Assim, os neoliberais tucanos forçaram a barra para que a AmBev fosse criada, e o Lessa propôs textualmente o apoio público à consolidação e "cooperação" no mercado brasileiro, para formar kereitsus e chaebols**. Pois bem, a AmBev, que seria a Grande Multinacional Brasileira, agora é o braço sul-americano da Interbrew belga, fazendo do Lemann um dos homens mais ricos da Suíça. E do mesmo modo é na Suíça, através de vários níveis de anti-transparência e evasão fiscal,*** que os altos executivos da Vale do Rio Doce querem centrar os negócios de minerais não-ferrosos da empresa, tanto os internacionais (adquiridos com a Inco) quanto os nacionais, preexistentes. A estrutura proposta tira poder do conselho de acionistas (o governo, via BNDES e fundos de pensão, ainda poderia ser o acionista controlador, se quisesse, agora que o Steinbruch saiu) e entrega na mão dos executivos. Vamos lá: o "orgulho do Brasil," além de estar ameaçando o governo brasileiro tanto com a opção de saída quanto com processos internacionais, está se mudando parcialmente pra Suíça, numa manobra expressamente calculada para diminuir sua sujeição ao Estado brasileiro (e aos acionistas controladores em geral). E vai continuar a receber babações de ovo de políticos e jornalistas.

Cabe dizer aqui, só pra que ninguém me confunda, que eu não defendo a reestatização da Vale. Cronologicamente, minha opinião sobre cada momento da vida da empresa:

1: Não devia ter sido criada. Empresas estatais para serviços públicos, OK. Empresas estatais para setores básicos, estruturantes, da economia, além da capacidade de investimento do setor privado, ótimo. Mas uma mega-empresa estatal que funciona como operação de exportação auto-contida, nos mesmos moldes das grandes empresas primárias dos EUA-Europa, aí incluídas a influência indevida sobre o governo e o atropelo das comunidades locais? Eu hein.

2: Na privatização, devia ter sido quebrada em pedacinhos. Qualquer pessoa com um mínimo de cérebro poderia prever os problemas relacionados à privatização do maior complexo mineiro e melhor rede logística do país em um bloco só. Começando com a falta de capital privado disponível para comprá-la, o que fez com que fosse comprada com dinheiro público, e passando pela posição de força da CVRD contra outras mineradoras, suas concorrentes e clientes de suas estradas e portos. Não custa lembrar: o porto de Santos, maior porto público do país, é só o terceiro porto em tonelagem, se você incluir na lista os terminais da Vale em São Luís e Vitória. E a vale, especialmente quando seu controlador ainda era o Steinbruch, detinha as vias de escoamento de minério das Gerais.

3: É óbvio que houve maracutaia na privatização. Steinbruch, Armínio Fraga, e provavelmente o Eliezer Batista, talvez devam fazer companhia ao Marcola. Mas se isso for provado, não quer dizer necessariamente que devamos reestatizar a empresa. Inclusive porque imagino que alguém devesse ser idenizado por isso, até porque esses três não são mais acionistas da CVRD, nem o é o grupo Soros.

4: Depois de privatizar a Vale num bloco só, o governo não fez nada para impedir que ela passasse de maior mineradora a quase-monopolista. Pelo contrário, até ajudou. No máximo a SDE manda umas compensações meia-bomba. Qualquer ação antitruste decente pelo menos mandaria cindir o negócio de logística do de mineração, se não fragmentar mais ainda a empresa. Ao contrário, a Vale pôde, sem ser incomodada, pressionar e adquirir suas concorrentes. Assim, o prédio da Caemi em Botafogo agora é o "centro empresarial botafogo," e a Samarco, segunda maior empresa de Minas, não existe mais. Nem a MBR, detentora de um quinto do capital da outra via férrea de Minas, que não era da Vale. A ferrovia Centro-Atlântica também foi pro papo. Resultado: a empresa estatal que tinha concorrentes virou uma empresa privada praticamente monopolista.

5: Mesmo sem ação antitruste, mesmo sem revisão da privatização, cabe lembrar que o governo poderia, se quisesse, influenciar a empresa. Os fundos de pensão estatais mais o BNDES detém mais de 50% das ações da Valepar, que por sua vez controla a Vale (o BNDES também tem uns 10% das ações da própria Vale). Não o faz para não ameaçar os rendimentos dos fundos de pensão, e porque a ideologia do "crescimento," a qualquer custo e como se fosse um dado simples, está firmemente associada à mineradora, que conseguiu vender a imagem de orgulho nacional a tal ponto que o CEO é cotado pra ministro da Fazenda. Imagine se a Vale, como a Petrobras, estivesse aproveitando o aumento nos preços de seu produto pra conseguir ao mesmo tempo lucrar horrores e incentivar a indústria nacional? Poderia fazer na indústria ferroviária uma renovação similar à que a Petrobrás fomentou entre os estaleiros (esta também poderia ser potencializada pela Vale, que é um dos maiores armadores do Brasil). Imagine, aliás, se a Vale pagasse impostos "como deve," ao invés de se valer de todo artifício legal disponível. Ou se tivesse um orçamento cultural digno de nota? Ou se tivesse uma cooperação real, ao invés de uns trocados pra calar a boca, com as comunidades vizinhas? Pô, até a dívida externa total brasileira, que inclui a das empresas privadas, mudou com esse empréstimo de 18bn pra comprar a Inco à vista.


* de socialistas como Teddy Roosevelt.
** são duas figuras administrativas-proprietárias diferentes, mas ele queria dizer grandes trustes e fazer a associação com crescimento acelerado.
*** perdão, "planejamento tributário."

13.11.06

It's the economy, stupid

Numa prova de que o discurso do meio ambiente definitivamente deixou de ter mão política (ou melhor, de que agora pode ser calçado em qualquer mão, já que a forma que esse discurso toma em cada uma é bem diferente), Dominique de Villepin, pra quem poderia-se repetir, na sua disputa contra Sarkozy pela candidatura de direita à presidência, o mote anti-Le Pen "votez menteur, pas facho," pro^põe uma taxa de carbono sobre as importações européias.

8.11.06

São Paulo não pode parar

No geral, eu não tenho do que reclamar de São Paulo de Piratininga. A oferta de livrarias não é tão boa quanto a da Mui Leal e Honrada, mas fora isso é até mais meu tipo de cidade. Mas putj, fazem falta as áreas verdes, que aqui, principalmente fora do centro velho*, são escassas.

Não que São Paulo tenha pouco verde. Pelo contrário, dependendo do bairro tem mais árvores em suas ruas e avenidas (e nas beiradas das incontáveis vias expressas) do que a maioria das cidades que já conheci. Menos do que o Rio, mas estão mais bem cuidadas.

Só que área verde não é um termo muito bem escolhido. Uma área verde não tem nada a ver com vegetação, pode ser uma praça inteiramente pavimentada e nua; o verdadeiro significado de área verde é um lugar de descanso, um lugar subtraído ao "uso" habitual, onde há bancos e um pouquinho de calma, onde os fluxos da cidade podem se acumular um pouquinho e perder velocidade. Acho que por aqui devem achar a noção de parar, de ficar sem propósito e objetivo, uma blasfêmia (banco de rua, em geral só os dos pontos de táxi).


*Como a minúscula cidade colonial foi completamente arrasada no começo do século XX, e até do Império sobrou bem pouco, "antigo" ou "histórico" ´seria forçar a barra.

7.11.06

Ovos de páscoa à Genefke

Ovos de páscoa é como os programadores chamam pedaços de código inscritos num programa que ficam escondidos, como ovinhos de páscoa procurados por crianças, até que soltam uma surpresa divertidinha. Achá-los é um prazer em si, e o seu interesse é menos função de alguma qualidade intrínseca do que de sua condição. A expressão "fan service" (assim, em inglês mesmo) denota algo parecido (parecido não quer dizer "mais ou menos o mesmo,´" só parecido), que é quando desenhos animados e revistinhas japoneses inserem detalhes (muitas vezes microscópicos) que serão reconhecidos pelos fãs, colecionados num prazer não completamente distinto do que move um colecionador de selos. Claro que esse prazer está longe de se restringir às categorias de nerds acima mencionadas - os filmes de Tarantino são um imenso fan service do começo ao fi- tá, mau exemplo de não-nerd.

"A vida secreta das palavras," filme que encerrou a Mostra São Paulo no cine-sesc, tem ovos de páscoa o bastante pra afogar um gordo, pelo menos pra mim. Se você quer assistir e não gosta que lhe contem a história antes, é melhor parar por aqui. O filme é um panfleto, e não deixa de ser óbvio em momento algum, como fica claro desde as cenas iniciais, em que só falta que alguém bata na cabeça do espectador dizendo "ELA É SURDA, PÔ," já que somos agraciados com um plano dos protetores auriculares sendo pegos na fábrica, menos o da protagonista, com ela trabalhando sem falar ao contrário das outras operárias, etc etc etc. Aliás, é um panfleto de alguém que, como eu, não consegue se ater ao tema principal, já que se aventura pela devastação ecológica causada pela indústria do petróleo, pela malaise pós-industrial, pela denúncia dos estereótipos quanto a homossexuais... mas o importante poderia ser resumido na frase de Hitler que é mencionada pela conselheira do IRCT: "Trinta anos depois, quem se recorda dos armênios"? A protagonista é sobrevivente de um horror que, mais que esquecido, já é até denunciado como "inventado" por gente que, horrorizada com a invasão do Iraque e afeita a generalismos, enfia a Bósnia no mesmo saco. (Não que, por sua vez, defenda a intervenção - como fica claro durante a cena das cicatrizes, em que os soldados da ONU-OTAN também são denunciados...)

Ah sim - o filme também é prova ao mesmo tempo de que se pode e não pode julgar uma obra pela capa, ou no caso pelo título. Entrei só por conta do mesmo - e se não me arrependi nem um pouco, por outro lado não tem nada a ver com palavras...

3.11.06

Halloween

A véspera de Todos os Santos foi, pelo visto, comemorada em grande estilo mundo afora. A Economist, em sua edição européia, nos deu uma capa de Halloween, coisa tradicional entre as revistas anglo-saxãs de literatura e hobbies, mas menos comum entre as noticiosas:



Já o governo americano resolveu usar uma fantasia de Halloween bem retrô-atualizada, chiquérrima, com o medo de um holocausto nuclear à fifties, mas incorporando elementos modernos como terroristas muçulmanos e a internet.



Last March, the federal government set up a Web site to make public a vast archive of Iraqi documents captured during the war. The Bush administration did so under pressure from Congressional Republicans who had said they hoped to "leverage the Internet" to find new evidence of the prewar dangers posed by Saddam Hussein.

But in recent weeks, the site has posted some documents that weapons experts say are a danger themselves: detailed accounts of Iraq's secret nuclear research before the 1991 Persian Gulf war. The documents, the experts say, constitute a basic guide to building an atom bomb.



E na França, Mussolini pegou as palavras anódinas sobre justiça social de Tony Blair (e do Imperador Palpatine) e transformou seu significado em algo mais temático.

« Je suis pour l'ordre juste », a déclaré vendredi Nicolas Sarkozy aux chauffeurs de bus de Villepinte, en Seine-Saint-Denis. « Il n'y a pas de justice possible sans ordre », a-t-il précisé. Evoquant l'incendie d'un bus à Marseille lors duquel une jeune fille a été grièvement brûlée samedi dernier, il a dénoncé "le sentiment d'impunité" dont jouissent certains mineurs et promis que tous les auteurs d'agressions seront sévèrement punis. Il s'est enfin engagé à "mettre le paquet" pour sécuriser les lignes de bus dans les zones sensibles