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27.10.10

Money money money money

money makes the world go around, the world go around...

E aqui está a previsão de de onde, para onde, as pessoas viajarão em 2020. Clicando na imagem, vai-se ao relatório completo. (Antes que alguém pergunte, isso quer dizer que a A. Latina vai crescer menos que a Ásia e mais que o Oriente Médio, mas vai continuar sendo pouco significativa no cômputo geral.)

26.10.10

Rumble in the Jungle

Às vezes dá a impressão de que a grande imprensa está com vergonha de seu candidato - não necessariamente do Serra autoritário e de direita, governador de São Paulo, que eles apoiaram desde o começo, mas do candidato que promete qualquer coisa que lhe pedirem. Não tem outra coisa que explique esse par de entrevistas da CBN, com religiosos que apóiam cada candidat@ à presidência. Com Leonardo Boff apoiando Dilma e Silas Malafaia apoiando Serra.

Isso mesmo. De um lado alguém que, apesar de controverso, é um pensador religioso razoavelmente respeitado. Do outro, o sujeito que quer proibir homossexuais de serem atendidos em hospitais públicos.

Me diz se o Noblat (que já riu muito da bolinha de papel que a Globo, e só ela, tentou provar que era alguma outra coisa) não tá sacaneando?

22.10.10

Sem carisma

Muita gente diz que nenhum dos dois candidatos à presidência é particularmente carismático. Mas o campeão de falta de carisma no Brasil é mesmo o Cerrado. Enquanto gente mundo afora tenta salvar a Amazônia, enquanto se fala de salvar o Pantanal, o Cerrado, que corre muito mais riscos do que ambos, está prestes a acabar e ninguém liga muito pra isso. Uma das maneiras pelas quais ele pode ser destruído sem problemas é a brincadeirinha do "podemos expandir a agricultura mediante o uso de pastagens degradadas, que o pessoal "mais razoável" da bancada ruralista repete sempre. Ora, o que é pastagem degradada, exatamente? Na definição específica da Embrapa, é uma área que foi utilizada para o cultivo de forrageiras para o gado até o empobrecimento do solo, hoje cheio de voçorocas e desbarranqueamentos. Na definição-prestidigitação pela qual se pode ampliar enormemente a área cultivada do Brasil, é qualquer pastagem que não seja atualmente objeto de cultivo de forrageiras para manejo moderno de gado. Isto é, inclui muita área que também é cerrado.

Isso porque, apesar daquele mapa do IBGE com a manchona "antrópica" avançando sobre os "biomas naturais," essa distinção é inteiramente artificial - e menos nítida do que parece. Os solos mais férteis da Amazônia, desde sempre, foram chamados, afinal, de "terra preta de índio," e têm evidências de terem sido manipulados em tempos pré-colombianos. As pimentas, de sua origem na área do rio Parnaíba, hoje dão no mato em toda a América do Texas ao Uruguai, graças ao cultivo humano. Coqueiros, mangueiras, jaqueiras... em alguns lugares, essas espécies invasoras são combatidas, como no parque da Tijuca, mas na escala macro é difícil fazer isso; espécies invasoras, incluindo aquelas criadas extensivamente e em baixa densidade pelo ser humano, convivem bem com o ecossistema "nativo."

Seria a idéia de expandir, e muito, a noção de parque nacional, para tentar salvar pelo menos parte do Cerrado. Hoje, possibilidade de ocupação de um parque nacional ainda carrega um ranço da velha noção de tutela que incidia sobre as reservas indígenas, em que um índio tinha direito àquela terra para desenvolver sua sociedade porque era um incapaz para sobreviver na sociedade mais desenvolvida; enquanto isso, no Reino Unido, a maior parte dos parques nacionais está cheio de gente, e até algumas cidades, dentro. Essa noção já está presente na própria lei, que, como frequentemente acontece no Brasil, é até bastante avançada. Mas se você olhar no mapa, verá que são pouquíssimas as áreas de proteção de uso sustentável apareceram principalmente na Amazônia e, fora dela, em alguns lugares de especial interesse turístico. A conclusão é óbvia: foram usadas no lugar de dar terras a comunidades tradicionais, ou de reservas naturais integrais, e não em adição a elas.

Quem quer que seja o próximo presidente vai ter que se ver às voltas com um Brasil extremamente vulnerável à mudança climática, e para o qual a maior parte das emissões do efeito estufa é oriunda do desmatamento (em segundo lugar, para incredulidade do secretário do meio ambiente de São Paulo, vem metano saído do bucho das vaquinhas). Inclusive essas hidrelétricas todas que eles querem tanto construir vão secar se o planeta aquecer muito e/ou o Cerrado perder muito mais mato.

21.10.10

Retorcendo os bigodes

(Ressuscitando um post antigo, mas que achei relevante agora.)

Há algum tempo, escrevi aqui uma crítica à obsessão pelo poder federal brasileira, no caso representada pelo Villas Boas Corrêa, que falava do desmatamento e do ensino básico como se fossem assuntos federais. Agora tem uma extensão do raciocínio, menos segura: tem gente que é menos assustador imaginar de presidente do que de prefeito ou governador. Isso porque um presidente, ou melhor dizendo, um poder federal, tem um poder muito "vasto e difuso," não lida com as pessoas ou as relações entre elas diretamente. Fora ser uma esfera em que "checks and balances" - tanto no sentido institucional, dos controles por outros poderes, quanto num mais amplo, incluindo a pressão de diversos grupos organizados, nacionais e internacionais - são muito mais ativos. Enquanto isso, uma administração municipal pode acumular absurdos abertamente higienistas,* como demonstrado pelo Serra ultimamente, sem maiores problemas. Pode, através do urbanismo, moldar a própria forma das relações sociais numa cidade (fora, obviamente, a forma física da cidade). Os efeitos de um prefeito são de muito mais longo prazo do que os de um presidente. E incluem coisas que não se atém ao "social" no sentido socioeconômico que ele geralmente toma, mas têm efeito na vida e cultura da cidade, como quando o prefeito do Rio empreende uma campanha acirrada contra qualquer tipo de manifestação cultural alternativa na cidade, incluindo shows de rock, com uma proibição absoluta de coisas novas na Zona Sul, e aí importa uma banda de mais de quarenta anos, a peso de ouro.

Enquanto isso, os governadores são o locus de poder da política brasileira. Praticamente controlam o Congresso e as eleições presidenciais. Arrecadam uma proporção dos impostos bem maior do que em outras federações (mesmo federações muito mais radicais do que a nossa, como a Índia, onde o estado de Kerala conseguiu implantar um sistema comunista durante meio século). Têm o poder mais radical do Estado, que é o poder de polícia, inteiramente em suas mãos (apesar de isso começar a mudar com as guardas municipais). Usam esse poder pra matar mais de 6.000 pessoas por ano, tudo preto e pobre. (Pra efeito de comparação, a truculenta polícia americana, em um país 60% maior, mata 800. Na Europa, com mais do que o dobro da população, é um escândalo se a coisa passa de dois dígitos.)

Prefeitos e governadores administram ainda a saúde e a educação públicas, fora, nos estados com mais recursos, boa parte da educação terciária e pesquisa. (Depois do sucateamento federal da Era FH, o sistema paulista de ensino terciário passou a ser mais rico do que o conjunto do sistema federal).

Então, sinceramente, eu tenho mais horror a gente como o Serra numa prefeitura ou num governo estadual do que na Presidência.



*Anti-semita - quem odeia judeus
Racista - quem odeia uma raça (de preferência pretos)
Higienista - quem odeia pobres

19.10.10

A Economist fala do Malafaia

Bem, quase. Na verdade, o assunto deles, no Charlemagne, coluna editorial do caderno de Europa, é apenas um pouco parecido: trata-se do problema espinhoso de como lidar com a ascensão dos políticos de extrema direita, xenófobos, em todos os seus matizes. A Economist sugere que as estratégias tradicionais dos partidos igualmente tradicionais, à esquerda e à direita, falharam. O cordão sanitário, afinal, começa a ele mesmo por em questão a legitimidade democrática num país quando, como na Bélgica, o partido de extrema direita é o mais votado de todos, consistentemente, e apesar disso nunca vira governo. A Economist apresenta essa questão espinhosa, com toda a discussão da democracia equilibrada entre oclocracia e império da lei, apenas para fugir dela na mesma hora. O assunto é outro, é apresentar a sugestão deles. Para isso, também, tomam cuidado para apresentar o estudo de caso deles como bem "limpinho." Geert Wilders não é nazi, é a favor dos direitos das mulheres e gays. Ele é "só" xenófobo, com uma retórica islamofóbica extremamente agressiva e preconceituosa.

A solução, advoga o periódico, é integrar esses xenófobos mais "limpinhos" aos partidos tradicionais de extrema direita. Com isso, a "responsabilidade" de serem alçados ao ministério faria com que eles recuassem de suas posições mais extremas. O argumento é tênue por duas razões: uma é que a única moderação que o ministério já ensinou a alguém é a fiscal, e essa por motivos óbvios. A outra é que os ministérios que têm "reais responsabilidades" são os importantes. A Economist se sentiria à vontade entregando o banco central a um "populista"? A impressão que dá é que a revista se sentiu mais tentada pelo que fica nas entrelinhas : a aliança daria bastante força ao membro "sênior" da coalizão, o partido de direita tradicional. O problema, como se pode ver nos casos em que se tentou algo parecido mundo afora, dos EUA do TEA Party ao Brasil do Silas Malafaia, o parceiro "sênior" corre mais risco de ficar refém do "júnior" do que o contrário, já que este depende muito menos dos instrumentos de estado para sua sustentação no poder. Silas Malafaia, Geert Wilders, e Ron Paul podem ficar quantos anos sejam necessários longe do poder político e até do grosso do poder econômico e midiático, sem maiores problemas. José Serra, Mark Rutte, e Newt Gingrich não podem se dar a esse luxo.

15.10.10

Da unanimidade

Uma coisa que me chamou a atenção no "manifesto" pós-primeiro turno da Marina Silva é que ele fala em congelamento da construção de usinas nucleares, mas não de usinas hidrelétricas na Amazônia. Até desmente um pouco a minha crítica a ela como ministra do meio ambiente, que era de que ela focava demais na Amazônia e de menos no resto do país. Nenhum dos três candidatos principais falou mal da usina de Belo Monte em si - Serra até tentou se aproveitar das críticas ao projeto, mas para falar que manteria ele "só que faria direito," na sua tentativa de ser all things to all men, mas dizer que cancelaria mesmo, nem Serra nem Marina disseram. Dilma, por supuesto, é quem levou até o edital o projeto, que vem da Eletronorte da Nova República, e foi alterado para se transformar numa usina a fio d'água no apagar das luzes do governo FH. Belo Monte é apenas uma das 15 usinas hidrelétricas de grande porte que a Eletronorte pretende construir na margem direita do Amazonas.

Nenhum candidato ser contra me deixa encafifado porque esse plano é, em termos ambientais, bem problemático. As comparações com Balbina não se sustentam; todas as hidrelétricas propostas são, do ponto de vista da engenharia, bem boladas, com índices de eficiência razoáveis a ótimos, em alguns casos passando os 10 watts gerados por metro inundado de Itaipu. (É o caso da própria Belo Monte, mesmo assumindo os 4,000GW de energia garantida e não os 11.000 sazonais.) Mas essas hidrelétricas todas constituem, num momento em que o governo comemora a redução em 90% no desmatamento, um risco de desmatamento enorme na Amazônia. Pior do que isso, afetam significativamente as populações tradicionais, índigenas e ribeirinhas, em nome da exportação de energia elétrica pro Sudeste (que, lembremos, graças ao Serra fica com o ICMS).

É particularmente assustador que nem a Marina tenha mencionado isso porque as tais populações tradicionais são de onde ela vem. Em mais de um sentido, já que, mais do que uma política nascida de seringueiros, ela nasceu como política nesse movimento de seringueiros, que se apropriou e aliou ao discurso dos índios como mantenedores da terra, conseguindo fazer com que a relação especial entre índios e Estado - que permite aos índios terem controle de suas terras tradicionais - deixasse de ser a da tutela de inferiores. Se nem a pessoa que construiu sua carreira política a partir desse movimento, importantíssimo, se importa tanto com ele quanto com uma agenda secundária, em termos brasileiros, como impedir a eventual construção de novas usinas nucleares, tamulascados. Não é o Gabeira, que só se importa com parecer com os verdes dos países "superiores," fazendo essa inversão, é a Marina Silva, pô.

E essa ótica é ainda mais estranha porque aquele elogio à engenharia ali em cima não é um elogio à economia. Essas usinas, repita-se sempre, envolvem perdas gigantes na transmissão e custos "escondidos" enormes. E têm o condão de puxar população para perto de si. Estamos ainda pretendendo colonizar a Amazônia? Porque com essas usinas, é isso que acontece.

14.10.10

A falsidade da equivalência

OK, estou aqui escrevendo como eleitor assumido da Dilma. Caveat emptor. Mas uma falácia que vejo muito comum entre gente que fala que vai votar nulo é a falácia da falsa equivalência, que antes vi muito em gente falando que tanto fazia o Bush como o Gore para presidente dos EUA - inclusive eu. A falácia segue um esquema lógico simples:

A =! C
B =! C
=> A = B

Se nem A nem B são iguais a C, então se equivalem.

Ora, acho que qualquer pessoa, pensando um pouco mais sobre essa linha de raciocínio, verá que ela é falsa. Ad absurdum, é a alegação de gente por aí que nazismo e comunismo são a mesma coisa porque nenhum dos dois é democrático - digam isso para os nazistas e comunistas pra ver no que dá. Ainda ad absurdum, dessa vez no uso lógico da ferramenta, é como dizer que se nem o Sol nem a Lua são os luzeiros postos por Deus na Gênese, nenhum dos dois emite luz própria. Ou que se nem eu nem o Barack Obama somos os Johnny Depp, eu e o Obama somos a mesma pessoa.

Num post anterior, "pingos nos is," falei de por que o Serra e o PSDB em geral não são, nem um pouco, de esquerda. Às vezes se fala em resposta "ah, mas o PT não é de esquerda perfeita, pura e casta." Não, não é. O PT fez muita merda, e continuará a fazer. É de esquerda, sim, e parte de um governo de coalizão que é de centro-esquerda algo tímida. (E que, mesmo assim, causou o que só pode ser descrito como uma revolução social no Brasil, com a universalização do bolsa-escola do Cristóvam Buarque.) O PSDB, por outro lado, sempre foi de direita, e é até curioso que tenha que negar isso quando se apresenta ao público para se eleger. De novo: o PSDB, ao negar sua orientação estado mínimo, não está mentindo sobre mesquinharias tipo Paulo Preto e mensalão. Está negando a própria linha-mestra de suas convicções econômicas.

O PT recuou da defesa do PNDH 3, e isso é ruim? Sim, mas o PSDEMB atacou o PNDH 3. Se você liga para direitos das mulheres, pretos, e gays, a sua escolha é entre o partido que está com medo de assumir que os apóia e o que bate no peito pra reafirmar que é contra. Se acha ruim a privatização e desnacionalização, entre um partido que não a reverteu contra um que a promoveu. E por aí em diante. Mesmo se o teu voto é o ético, dê uma olhada na proporção de parlamentares petistas envolvidos em processos judiciais, e na proporção de parlamentares do PSDEMB. (O PMDB será governo de qualquer jeito, assim como PR, PP, PTB, e quejandos.) Se se preocupa com o meio ambiente, a alternativa é entre o partido que, sob Marina Silva e Carlos Minc, cortou em 90 por cento o desmatamento na Amazônia, mas também aprovou hidrelétricas na Amazônia, e aquele no qual uma maioria dos governadores e senadores, eleitos e atuais, fala em acabar com o código florestal (e também é a favor de hidrelétricas na Amazônia, claro).

E se diz "ah, mas não gostar do Serra não quer dizer gostar da Dilma," bem, sinto muito. Enquanto havia alternativas, tudo bem; essa é a graça da eleição com dois turnos. Agora não tem mais alternativa. Não existe "nenhum dos anteriores." Essa é a outra falácia, a de que é possível escolher o não. Você pode ajudar a escolher um ou outro, ou deixar que outros escolham sem sua participação, é tudo.

7.10.10

Cavalo Louco da Costa

A elite da elite da elite brasileira sempre cultivou uma auto-imagem, digamos, não de tolerância, mas talvez de bonomia; até criticamente, sempre se considerou um povo que pode achar todo mundo que não faz parte dela um horror, mas não levanta a voz pra falar isso.

Aí vem o candidato a vice-presidente da República Antônio Pedro de Siqueira Índio da Costa. O homem, se fosse mais crème de la crème, era chantilly. O "Siqueira" aí muita gente Brasil afora reconhecerá como nome de rua ou praça ou, no Rio e em SP, estação de metrô (OK, tecnicamente em SP a estação não incorpora o nome oficial do parque acima dela e se chama só Trianon-MASP); o Índio da Costa resulta da afetação indigenista das famílias da aristocracia brasileira no segundo império. O pai é arquiteto famoso. O irmão, designer idem.

E cadê a bonhommie, a polidez, a educação? Ao invés disso o vice-candidato virou o cara que deixa claro que é contra os direitos LGBT na linguagem mais, ahem, clara possível. Poderia-se dizer que é apenas estratégia de campanha, afinal a filha do Allende está fazendo a mesma coisa pelo marido, enquanto sua "outra" ex-VJ segue a linha teoria de conspiração. Mas Índio da Costa não era vice-candidato quando propôs, na assembléia legislativa do Rio de Janeiro, lei punindo o ato de dar ou receber esmola.

Parece que a finesse aristocrática é tão mito quanto a idéia de que noblesse oblige...

6.10.10

Um copo meio cheio e dois meio vazios

Meu copo meio cheio é que acho surreal o clima de desânimo e derrota de gente que apóia a Dilma por não ter ganho no primeiro turno. Lula não ganhou no primeiro turno, e o mapa eleitoral dele foi pior que o da Dilma. Primeiro turno não é resultado normal, é goleada. E sem o apoio unânime da grande mídia e dos governadores do Sudeste (Minas e SP são sempre do PSDB, já o Rio é do PMDB, portanto do governo, qualquer governo), ninguém ache que a esquerda vai jamais ganhar de goleada uma eleição nacional. Quem ganha de goleada é direita que esteja ocupando o cargo, e olhe lá.

Isso dito, a vitória de Serra, se acontecer, será bem pírrica. Dentro do PSDB, terá se hipotecado a Aécio e Alckmin, o que pode não contar muito para alguém useiro em traições internas e já odiado pela maior parte do próprio partido, Tasso Jereissati que o diga. Aliás, se alguém acredita na declaração do Tasso de que vai se empenhar de corpo e alma na campanha do Serra, tenho um belo terreno em Xena para vender. Fora do PSDB, terá que lidar com um Congresso muito menos amistoso do que o que FHC conheceu, com uma bancada maior do PT e outros partidos de esquerda e uma muito menor do DEMo. (O crescimento do PMDB é irrelevante.) A esquerda teve uma vitória eleitoral no legislativo, como teve na campanha presidencial. Só que não de goleada, em nenhum dos dois casos.

O meu copo meio vazio é que, sinceramente, a maioria dos votos pró-Marina provavelmente vão virar votos pró-Serra. Posso estar enganado, mas decuparia os votos pró-Marina em cinco grandes temas, com alguma sobreposição entre si:

1 - Os tão temidos votos evangélicos. Esses, sinceramente, serão Serra ou nulo. Inclusive porque, vamos lá, parte do que eles acusam é ridículo : Temer pode ter cara de mordomo de filme de terror, mas não é satanista; ninguém vai proibir cultos, nem se imiscuir nos sacramentos das igrejas. Mas parte é bem verdade, e será uma grande derrota abdicar desta parte progressista em nome dos votos evangélicos. O PT é mesmo, graças a Deus, a favor da legalização do aborto e do casamento civil homossexual.

2 - Os votos verdes propriamente ditos. Estes provavelmente cairão meio a meio (e mais pros nulos). Mas poderiam, talvez, ser influenciados pela realidade; assim como os evangélicos conservadores terão toda a razão em votar contra Dilma, os verdes deveriam votar contra alguém que põe um ruralista de Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, e que ataca a constituição de reservas ecológicas e indígenas.

3 - Os votos "éticos," votos contra "tudo isso que está aí," e a política em geral. São, um pouco, estranhos, já que Marina não é uma outsider, é uma política experiente, com décadas de experiência, a maior parte no PT execrado por boa parte do pessoal do voto "ético." A maioria destes deve ir pra Serra, porque são também o voto da grande imprensa. (Só o Estadão, logo o menos militante, declarou voto, mas quem achar que Globo e Folha são neutros, pra não falar da Veja, ganha um terreno em Plutão.)

4 - Pessoas que votaram no moderno, no novo, numa agenda para o século XXI, num grande projeto, enfim na tábula rasa em que deliberadamente a Marina se tornou durante a campanha - já que de projeto e programa reais o da Marina que se pode ler é uma radicalização do projeto neoliberal, com algum greenwashing, e não uma opção pelo desenvolvimento menos rápido mas mais sustentável, como já vi gente projetando na tabula rasa. E(Quem acreditar que a Natura pretende desacelerar o crescimento em prol do meio ambiente ganha terreno em Caronte.) Estes vão na maioria anular; dos que sobram, imagino que a maioria vote Serra, e seja bem pouco influenciável.

5 - Pessoas que rejeitavam a polarização entre PSDB e o PT, e/ou desejavam um segundo turno por questão de princípio. Estes provavelmente cairão um pouco mais pra Dilma.

Nenhum dos 5 é particularmente influenciável pela posição a ser tomada nem da Marina (provavelmente neutra) nem do partido verde (provavelmente Serra), aliás, então não sei por que PT e PSDB pintaram a cara de verde com tanto gosto. Bem, talvez os 4 e parte dos 2.

Agora o copo meio vazio que não é meu: enquanto tem gente que diz que Marina é a pessoa mais poderosa do Brasil, eu pessoalmente acho que ela está é numa sinuca de bico. Ela detem um poder enorme que, como em algum sistema místico-esotérico, vai se dissipar no momento em que tentar usá-lo, só existe em potência. (Com perdão do trocadilho). Os exemplos que ela tem de situações parecidas com a dela são o Gabeira e a dobradinha Cristóvam-HH, mostrando que nem a aliança com a direita nem a neutralidade reverteram em bons dividendos políticos. Cristóvam conseguiu ficar senador, HH e Gabeira estão no olho da rua. E se bandear para o lado da Dilma envolveria vencer ressentimentos pessoais que sem dúvida existem, além de inevitavelmente diminuir o próprio status. (No limite, diria que resultaria em algo não muito diferente - talvez um pouco melhor, pelas afinidades programáticas, mas não muito - da aliança do Gabeira com o PSDB.)

Por outro lado, o partido dela é bem mais simpático ao PSDB até do que a ela, e bastante organizado em torno de seus cardeais paulistas e fluminenses. Não dá pra invejar alguém nessa situação; o afago no ego não compensa a sinuca de bico.


PS Um copo inteiro cheio: César Maia e Picciani não se elegeram ao Senado. Ahhhh Schadenfreude...

PPS Se alguém acha que a própria Marina realmente acredita no discurso que iguala PSDB e PT, tenho um terreno em Gabrielle pra vender...

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