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16.2.11

No dogs or Chinamen allowed

A última moda parece ser denunciar "essas pessoas." Já comentei aqui sobre como David Cameron ganhou elogios da extrema-direita por falar da "falência do estado multicultural"; agora é Sarkozy que fala da pobre cultura dominante oprimida. Evidentemente, como é francês e não inglês, a fala tem uma pretensão pseudo-intelectual maior e uma preocupação com "as pessoas reais" menor, mas imagino que deva ter agradado igualmente à extrema-direita racista.

A idéia, evidentemente, é de uma imbecilidade, ou antes de uma falsa ingenuidade, atroz. O "multiculturalismo" que teria dominado o governo e o pensamento na França e na Grã-Bretanha não passa de um movimento, longe de ser consenso, que tenta diminuir o grau de preconceito sofrido por minorias. Sarkozy e Cameron não estão reclamando de um mundo dominado pelas minorias, como querem fazer crer, mas de um mundo em que é um pouco menos difícil ser uma minoria, em que o privilégio é um pouco menos forte.

O assustador é que essa readequação do discurso contra as minorias, que se utiliza de uma retórica pretensamente neutra para defender, na prática, o preconceito, tenha sido adotada de maneira tão entusiasmada pela direita tradicional. Em que pese a Margareth Thatcher ter pensado em abrir campos de concentração para homossexuais como resposta à epidemia de AIDS, a direita tradicional havia se distanciado, desde o pós-guerra, do preconceito étnico explícito, a tal ponto que, depois do anti-semitismo, este foi praticamente banido do discurso decente. Agora, temos os governantes de dois países em que imigrantes representam mais de 10% da população dando apoio, com suas palavras, a burocratas que humilhem quem não se expressa bem em francês ou inglês, ou a taxistas que se recusem a atender gente vestida de maneira étnica, ou a professores que façam troça dos costumes da família de seus alunos. Porque, como o "politicamente correto" significa "não xingue e humilhe" aplicado às pessoas, o "multiculturalismo de estado" denunciado por Call-me-Dave e pelo Schtroumphissimo é "não prejudique e humilhe" aplicado ao Estado. (Não que haja, de verdade, uma ideologia do "multiculturalismo de estado.")

Há quem diga que essa guinada de volta ao preconceito da direita tradicional, que se desejava apenas tradicionalista, "dura," e economicamente liberal, tenha muito a ver com o surgimento de órgãos de mídia de direita cada vez mais alucinados como a nova face da "extrema" direita, deslocando o ponto onde a "não extrema" direita deveria se situar. É um papel que skinheads neonazis* não podem cumprir, já que o skinhead neonazi, apesar de falar em prol de uma diferença que faz parte do sistema sociopolítico, está ele mesmo na margem desse sistema; ou, para ser curto e grosso, Hitler mandaria todos esses arruaceiros indisciplinados e maltrapilhos pra câmera de gás. A Fox News ou a Veja, por outro lado, não se invocam como extremos, mas pelo contrário: suas visões extremas são apresentadas como simples senso comum.

Claro que essa explicação falha porque justamente na Europa o órgão de mídia conservador que surgiu ou se tornou radical é um fenômeno basicamente dirigido às classes médias e baixas, ao contrário do Brasil e dos Estados Unidos. Pode ser só uma questão - uma revolução de jasmim às avessas - dos líderes europeus aproveitando a idéia uns dos outros.


PS Fora o racismo nojento e atroz, o artigo de Debbie Schlussel peca por ignorar que, bem, tem alguém no Egito que está cometendo violência, principalmente contra jornalistas, há algumas semanas, e esse alguém não são o povo egípcio em geral, muito menos aqueles que protestaram contra Mubarak.



*Os termos, só pra lembrar, não são sinônimos. Afinal, a cultura skinhead nasce entre jamaicanos.

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