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10.2.11

Call-me-Dilma

O primeiro ministro britânico, David Cameron, conhecido como "call-me-Dave" pelas suas afetações de informalidade, mostrou bem, tendo assumido o poder, que o filho de Eton não foge à luta, e determinou um corte generalizado nos gastos do governo, especialmente aqueles direcionados aos mais pobres, assim que assumiu, isso é enquanto o Reino Unido ainda estava em recessão. Alguns gastos essenciais foram preservados - os salários dos presidentes do Royal Bank of Scotland e do Lloyd's, dos quais a Coroa britânica é acionista controladora, continuaram sendo acrescidos de bônus milionários (em libras esterlinas). Mas até gastos quase sagrados como aqueles direcionados à guerra foram sacrificados no altar da responsabilidade fiscal, além daqueles óbvios, como ensino de línguas a imigrantes* e escolas primárias situadas em áreas pobres. Tudo corretíssimo, afinal foram eleitos os conservadores para isso mesmo - esperava-se, talvez, que os liberais-democratas pudessem temperar a sanha, mas isso seria esperar demais num país mais acostumado com a ditadura eleitoral do que com a negociação parlamentar, muito menos governos de coalizão. (Em outros tempos, a mim mais simpáticos, isso permitiu a nacionalização a canetadas da infraestrutura britânica no imediato pós-guerra.)

Aqui no Brasil, a situação é decerto bem diferente. O corte de 50bn de reais anunciado pelo governo Dilma Roussef não veio no meio de uma recessão, mas após um ano em que o país cresceu mais de 7%, e em meio a uma expectativa de alta de inflação generalizada. (Apesar de esta ser exagerada, já que boa parte dela advém de problemas climáticos pontuais. Não creio que a Região Serrana do Rio de Janeiro e o Vale do Paraíba fiquem debaixo d'água pelo resto do ano.) Assim, o corte no orçamento não pode ser considerado simplesmente uma dedicação ideológica desprovida de senso econômico, mas uma real necessidade econômica de contenção do déficit nominal e mesmo de contenção da expansão da atividade econômica.

Et pourtant, Dilma não foi eleita para ser conservadora. Ao contrário da situação inglesa, o partido conservador, em sua coalizão, é o membro júnior, e o de centro-esquerda o membro sênior. E existe outro jeito, além de cortar gastos públicos, de se aumentar a poupança, ou diminuir a gastança, do governo, diminuindo o déficit nominal e pondo um freio melhor do que os juros na economia, principalmente no lado da demanda. Chama-se aumento de impostos. Especificamente, aumento de impostos sobre a renda e a propriedade, que já foi uma bandeira da esquerda, mas hoje parece estar esquecida, mundo afora, ou quando muito restrita à vociferação contra as "grandes fortunas," que são sempre os outros.

O argumento de que isso seria impopular não procede. A grande imprensa fala em aumento da carga tributária todo ano, mesmo sem nenhum aumento de impostos. A maior parte do povo será indiferente a um aumento de imposto que não lhe afeta. E mesmo a parte afetada tem quatro anos até a próxima eleição para perceber que não foi tão ruim assim, e para ser compensada pela diminuição gradual de impostos sobre a produção. Este momento, longe de ser um problema em que o fantasma de Margareth Thatcher impõe a Dilma o seu "there is no alternative," deveria ser considerado uma oportunidade dourada para fazer a reforma tributária, não aquela vaga e neoliberal, mas a que faria com que a estrutura dos impostos no Brasil, como deveria ser e como é em muitos países, cobre mais de quem pode pagar mais. Desperdiçando-a, Dilma corre um sério risco de passar à história mais como Bill Clinton que como Lula. Ia dizer Tony Blair, mas o nome Bill Clinton, apesar dos mísseis no Sudão, não virou sinônimo de "criminoso de guerra."



*Este corte é particularmente curioso porque Call-me-Dave acaba de entoar, logo em Munique, um discurso no qual culpa o "multiculturalismo," que "permite" aos imigrantes se isolarem, pelo terrorismo, e pede pela "integração nacionalista" em seu lugar. O discurso foi, claro, entusiasticamente recebido pela Frente Nacional e outros partidos de extrema direita.

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