O nome Imhotep, fora do Egito e de uma audiência mais restrita de malucos pelo Egito antigo, tem mais chances do que não de evocar a Múmia do filme epônimo, em que milhares de pessoas zumbizadas repetiam ritmicamente IM HO TEP IM HO TEP. Mas Imhotep (pronuncia-se I-m-hotep) também foi alguém que talvez tenha existido, e foi um Leonardo da Vinci avant la lettre, aliás além até de Leonardo, já que foi (se é que existiu mesmo, o que até parece provável) o primeiro arquiteto, engenheiro, e médico de que se tem notícia. Por tudo isso, e por ter (alegadamente) inventado o papiro (não a planta, o material de escrita), Imhotep foi, após a morte, adorado como um Deus, privilégio que se estendeu a quase nenhum outro não-faraó.
A preocupação com a história tem sido uma constante no Egito desde então, perpassada pelas várias Bibliotecas de Alexandria que se sucederam desde que Ptolomeu Sóter mandou criar a primeira; a biblioteca foi destruída por Júlio César e de novo pelo imperador Aureliano, em ambos os casos conquistando um Egito governado por uma rainha (primeiro Cleópatra VII, depois Zenóbia). Não foi destruída pelo califa Omar, ao contrário da lenda, mas em algum momento entre sua reconstrução pós-Aureliano e o século V. Depois disso, os governantes subsequentes, dos fatímidas aos dias de hoje passando por Saladino e pelos paxás semi-independentes otomanos, sempre usaram e abusaram da história milenar do país; é até curioso em alguns casos, como quando se via califas e outros guardiães da fé orgulhosos de templos pagães.
Assim, tem um cheiro especial a luta, que agora tem chances de prosperar, pelo resgate da história recente do Egito, narrada nesta matéria da Al Jazeera
For decades now, in place of the critical history that only an open-ended public discussion can generate, Egyptians have been consuming cheap substitutes of pseudo-history created by official committee.
This was a history so simplistic that it positioned the omnipotent state as a singular historical player and the Egyptian public as mere foot soldiers in its service. A sense of Egyptian exceptionalism cut through much of the official and semi-official histories. Especially ubiquitous is the politically sterile mantra of a glorious 7,000 year old civilization. Can citizens demand their rights with such a triumphalist and uncritical history? Obviously not.
Some former Egyptian officials, the most famous of whom is Mohamed Hasanein Heikal, possess their own private state archive of stolen docuemnts. These individuals are free to tell whatever story they like. But can these privately-generated stories help Egyptians objectively know history and thus, claim their rights? Not likely.
Can they help maintain rights that have already been secured? Not likely either.
Claro que o Egito não é o único país no qual o (espera-se) fim de uma ditadura deixa uma herança espinhosa de arquivos que vão sendo escondidos, e às vezes queimados pouco a pouco (apesar de às vezes destruir tudo ser difícil. O Brasil, em particular, tem demonstrado menos disposição para lidar com os arquivos de sua ditadura do que qualquer outro país da América Latina, com a exceção do Chile (onde Pinochet, afinal, morreu senador). É apenas mais uma das maneiras em que nosso oficialato ganhou, de prêmio por torturar e matar tanta gente, um paraquedas dourado de fazer inveja a qualquer CEO de banco. Também tem, por exemplo, os apartamentos de graça na Zona Sul do Rio.
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