O establishment europeu e americano mantém seu pé atrás em relação as revoluções pela democracia que se espalham pelo mundo árabe, por temer o espectro do "fundamentalismo islãmico." O tal fundamentalismo islâmico é muito pior do que outros fundamentalismos, como o cristão, o budista, ou o de mercado, porque, como todos sabemos, o fundamentalistas islâmicos são todos terroristas, e se terroristas não são todos fundamentalistas muçulmanos - antigamente o termo era "xiíta," mas depois da Al-Qaida sunita derrubar as torres gêmeas virou muçulmanos em geral - a chance de serem, pelo menos, é muito boa.
O quanto de simples e puro preconceito reside nesse senso comum pode ser conferido ao se olhar os dados do relatório da Europol sobre a situação e tendências do terrorismo nos países da União Européia. Nele, vemos que houve 294 ataques terroristas na UE ao longo do ano de 2009, contando tanto os que fracassaram de maduro quanto os impedidos pelas autoridades quanto aqueles que lograram sucesso. Desse total, quantos foram motivados pelo fundamentalismo islâmico? Cem? Duzentos? Pelo menos cinquentinha, certo?
Um.
Um único, de duzentos e noventa e quatro. A se julgar pelo número de ataques terroristas na Europa, faria mais sentido se preocupar com a possibilidade de haver esquerdistas numa eventual democracia egípcia ou tunisiana do que com a Irmandade Islâmica, já que foram quarenta ataques de terroristas de esquerda. OK, acredito que, devido ao jeito como funciona o sistema internacional econômico e político, até muita gente de partidos de esquerda europeus, particularmente os de centro-esquerda, não deve gostar muito da idéia de governos árabes de esquerda. Por outro lado, nem sequer a Veja alertou para o perigo da esquerda chegar ao poder no mundo árabe.
A imensa maioria dos atentados terroristas registrados na Europa foi obra de movimentos separatistas, e os trocados de grupos de extrema direita e "não especificados." A situação em relação ao número de pessoas presas relacionadas ao terrorismo muda a figura, já que foram 110 conectados com o islamismo, contra um total de 587. Em boa parte, essa situação tem provavelmente a ver mais com o racismo e bodes expiatórios do que qualquer outra coisa, haja vista a desproporção entre atentados realmente tentados e número de suspeitos presos. Mas vamos lá, vamos fingir que o "islamismo militante" seja mesmo responsável por 110/587 do terrorismo na Europa. Nesse caso, ele seria responsável por apenas o dobro do risco do binômio direita/esquerda (51 suspeitos presos). E ainda muito inferior ao nacionalismo, com 413.
A numerologia acima emplastra diferentes contextos e reduz todos. Não é séria. Mas a escala do quanto os números da Europol divergem do senso comum aponta para o ridículo desse senso comum. Pode muito bem ser, sem sombra de dúvida, que os países árabes, uma vez libertos dos ditadores cevados pelo Ocidente, sejam dominados por islamistas (dos quais eu, pessoalmente, não gosto nem um pouco); o que não faz nenhum sentido é supor que isso represente algum perigo para o Ocidente. Quanto aos problemas representados pelos islamistas no quesito direitos humanos, acho que o grande filósofo Tiririca, com sua máxima "pior que tá não fica," resume tudo.
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