Em meio à udenização do debate político, o plebiscito do desarmamento é das poucas coisas práticas que ainda podem acontecer no Congresso até a eleição.
Dado original : o Brasil, em números absolutos, é dos países em que mais gente morre de maneira violenta. O número de mortes devidas a armas de fogo é similar ao dos EUA (que têm 100 milhões de habitantes a mais), mas nos EUA metade dos mortos são suicidas, e suicidas são geralmente descontados. Não que eu saiba por quê - a facilidade de se matar é quase tão ampliada pela arma quanto a facilidade de matar outros.
O desarmamento, porém, não afeta uma parte significativa dessas mortes : as derivadas da guerra às drogas, que aqui só não é tão violenta quanto na Colômbia. Traficantes e policiais dispõem de canais de compra que não serão afetados em nada pelo desarmamento. A percepção corrente de que essas mortes representam a maior parte das mortes por armas de fogo no Brasil é incorreta; os pró-desarmamento não desfazem a confusão porque acham que perderiam impacto, e os anti- porque feita a confusão o desarmamento é inútil.
E, é claro, a discussão sobre os mortos da guerra às drogas inexiste. Depois falam dos EUA, onde 50% da população é contra a guerra no Iraque. Aqui, é quase consenso de que a guerra às drogas é consequência natural e necessária do próprio tráfico de drogas.
Mas o assunto "descarmamento" é outro. As três categorias principais de morte violenta são Homicídio, Suicídio e Acidente de Trânsito. A lista de 30 países selecionados, para o total das três, põe o Brasil em 9º lugar, com uma taxa total de 49.2/100.000capitae p.a.
Dessa taxa, suicídio (26º lugar) responde por 5.1 , homicídio (3º) por 23.3, e acidente de trânsito (5º) por 20.8 Ou seja, o país está "bem" em duas categorias. Cadê o povo reclamando por um "descarmamento"?
O IPEA calcula que a utilização de caminhões para cargas de longo curso, superdimensionada no Brasil em pelo menos 60%, seja responsável por 33% dos acidentes de trânsito nas estradas. Relevando esse cálculo*, cortemos pra 20%. Se você adicionar os mortos em viagens de ônibus, frequentemente em linhas de grande tráfego, que poderiam muito bem ser servidas por trens- mais, que foram servidas por trens no passado - pode acrescentar uns 10%. Os acidentes urbanos não seriam tão afetados por um incentivo ao transporte público sobre trilhos, mas em compensação a poluição seria - e até na Europa dos trens, a fumaça de caminhões e ônibus é a causa primária de mortes por poluição atmosférica.
Um "descarmamento" do Brasil, com o aumento do preço dos combustíveis e criação de uma malha ferroviária**, pouparia uns 15.000 mortos por ano, por baixo. Cadê a passeata de branco na Lagoa?
*porque ele geralmente parte do princípio de que outro país "similar" é o certo. Mas a China usa hidrovias porque se desenvolveu ao longo do Huang Ho e do Yang-Tse-Kiang, os EUA e o Canadá são planos até chegar no complexo hidroviário do São Lourenço, e a Rússia é quase toda plana.
**Uma malha hidroviária significa, de certa forma, matar os rios, transformando eles em estradas. No Brasil, isso já aconteceu com o Tietê e o médio Paraná. E fazer o mesmo com o alto Paraná-Paraguai é uma imprudência; pode acabar com o Pantanal, e mudar todo o sistema hídrico sul-americano.
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