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4.5.12

Um armário cheio de esqueletos

O ex-torturador do DOPS Cláudio Guerra lança um livro que ajuda a explicar por que os militares não querem que se abra o que restou dos arquivos da ditadura. Não, não estou falando do trecho em que Guerra explica como militantes foram barbaramente torturados e depois icinerados numa usina de cana, apesar desse ter sido o que chamou mais a atenção, mas de quando ele fala de como a ditadura matou um de seus próprios expoentes, o delegado Fleury. Também não creio que o planejado assassinato do Brizola impressione alguém (curioso seria se não houvesse o planejamento), mas a intenção de culpar a Igreja Católica, sim.

  É que a opinião pública comum é pródiga em avalizar quaisquer ações tomadas contra "oponentes." Assim, nem os próprios milicos nem a maioria dos brasileiros considera particularmente errado que se tenha cometido atrocidades contra militantes de esquerda, e esse é o discurso-padrão de apoio à ditadura, o de que as pessoas por ela atacadas apenas tiveram o que mereceram. Por isso mesmo, qualquer reinvindicação pela verdade e justiça que parta do pressuposto de que funcionará como propaganda apenas anunciando os malfeitos cometidos tocará mais ou menos tantos corações quanto uma vilã de novela se ferrando. Não existe a necessidade de justiça que seja sentida pelo país, como no Chile, na Argentina ou na África do Sul, porque ao contrário desses países aqui a noção geral é de que as vítimas da ditadura não foram o povo, mas um "outro," jovens de classe média radicais.

Ora, se essa operação de desqualificação teve tanto sucesso, não é a comprovação de quaisquer malfeitos contra esses grupos que preocupa os militares, sequer os preocuparia sua multiplicação até a náusea e o holocausto. Não deixa, afinal, de ser uma multiplicação da tortura e assassinato oficiais até quase o genocídio a que acontece nos bairros pobres e pretos do Brasil de hoje, com milhares de vítimas todo ano, e não falta emprego para Datenas dedicados a implorar por mais. O que preocupa os milicos com a abertura dos arquivos é, muito pelo contrário, o que vai além disso.

São as querelas internas mortíferas, que (como soi acontecer nas ditaduras) se multiplicavam. São os atentados contra grupos respeitados, como a Igreja Católica (não custa lembrar que o período também é aquele em que a Igreja foi relativamente progressista, e portanto alvo). São as falcatruas que desmantelariam a noção de que "sob a ditadura houve pouca corrupção" (como se Maluf e ACM fossem pouco). São, enfim, não os esqueletos no armário literais, mas os figurados que preocupam os militares.

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