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4.5.12

Afirmando os outros

Uma das peculiaridades da briga brasileira sobre a ação afirmativa é a autossuficiência dela. Em geral, não se lança mão da experiência estrangeira sobre o assunto, seja para defender a ação afirmativa ou (através de algum tour de force, haja vista dos resultados) atacar. Quando muito, se fala da experiência americana. Ora, o programa de ação afirmativa americano não é nem o maior nem o mais velho que há por aí. Nos dois maiores países do mundo, por exemplo:

A China tem o seu programa desde 1949, tendo sido reestruturado nas bases atuais nos anos 1980. Ele afeta as minorias étnicas não-Han (Han é o que chamaríamos de "chinês"), que são apenas 12% da população chinesa. Míseros 150 milhões de pessoas. Se destina tanto a áreas de maioria não-Han quanto a indivíduos não-Han. Aquelas recebem infraestrutura, inclusive educacional, extra; os indivíduos recebem "...preferences for family planning (exemption from the minimum marriage age and one-child strictures); education (preferential admissions, lowered school fees, boarding schools, remedial programs); employment (extra consideration in hiring and promotion of cadres); business development (special loans and grants, exemptions from certain taxes); and political representation (proportionate or greater numbers of minorities in "people's congresses" and among minority area leaders)." Não acaba aí - a lista chega a 150 itens, em alguns casos. Mas o mais curioso é que, ao contrário da cantilena sobre a divisão racial engendrada pela ação afirmativa, a idéia chinesa é justamente a de que a ação afirmativa permitirá a integração e pacificação de povos apenas recentemente conquistados. (Você não achou que os velhinhos de cabelo asa-da-graúna estavam sendo bonzinhos, né?)

A escala do programa indiano é muito maior. Ele beneficia todos membros de "classes atrasadas." São 52% da população, ou 600 milhões de pessoas. O principal sistema de ação afirmativa é o sistema de reservas, aka de cotas. Ao contrário do Brasil, as cotas não são apenas para educação terciária, mas também incluem serviço público, incluindo no parlamento. Imaginem se alguém sugere algo do tipo no parlamento brasileiro - os DEMos não seriam os únicos a soltar tantas ADINs que o Supremo morreria soterrado. Na educação terciária, as cotas reservam 49,5% das vagas para as "classes atrasadas." Ou melhor, dentro disso, tantos para tais, outros tantos para outros, e por aí vai; o sistema pretende aproximar a proporção na faculdade à na população de cada grupo específico, e não dos desprivilegiados em geral. Entre 1959, ano de implantação do sistema, e 1995, a disparidade de renda entre BCs e FCs ("classes avançadas") diminuiu em mais de quatro vezes (conquanto ainda seja enorme). Contra a acusação (ainda hoje feita na própria Índia) de que o sistema engessaria as castas, nos estados do Sul, e em particular Kerala, as proporções são constantemente revisadas porque o sistema funciona (classes que vão se aproximando em perfil socioeconômico das FCs vão sendo retiradas). Não que o governo ache que é o bastante - tanto que já ameaçou instituir cotas também para a iniciativa privada.

Na Europa, ação afirmativa étnico/racial ainda não é muito popular - se bem que na França, que não permite sequer a identificação étnica ou racial no censo (para desespero de alguns demógrafos), tentaram fazer um arremedo de ação afirmativa com base na geografia, ZEPs; e na Escandinávia, os sami (aka lapões, mas o segundo termo é um xingamento) têm direito a metade das vagas nos parlamentos provinciais relevantes, além de preferências educacionais; na Rússia, desde os tempos soviéticos há sistemas de preferências educacionais para minorias. Por outro lado, ação afirmativa de gênero existe em quase todos os países da Europa e, como no caso da étnica na China e Índia, não se restringe às faculadades.

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