Cincinato foi um patrício romano que, tendo sido Cônsul e tribuno, voltou à sua fazendinha para mandar apenas nos próprios escravos e ser feliz sem maiores ambições. Virou sinônimo de retidão e probidade quando, depois de aclamado ditador duas vezes pelo Senado, recusou-se a ficar no cargo mais tempo do que o necessário para resolver a crise e, nas duas vezes, voltou pra fazenda. Menos edificante, mas mais humana, é a estória segundo a qual, muito mais tarde, seu filho fez besteira e inocentado, simplesmente porque ninguém tinha coragem de contar ao velho Cincinato sobre a condenação.
Pois bem, um dos tópicos recorrentes nas bocas dos defensores da Ditadura é a de que "não sei de nenhum general ficou rico," em contraste com a atual roubalheira; seriam um bando de Cincinatos. Ora, o problema aí é esse "não sei": o fato é que à época qualquer revelação de um podre presidencial poderia resultar num editor torturado e morto. Mesmo hoje em dia, os grandes órgãos de imprensa brasileiros são favoráveis à ditadura, um deles, a Folha de São Paulo, tendo chegado a emprestar veículos de distribuição para os oprichniks do regime. Não custa lembrar que a mesma frase do "não sei" se aplicava até há pouco ao senador Demóstenes Torres, igualmente querido da grande imprensa.
Não custa refazer a pergunta: se não há nada que não seja sabido para se aprender nos arquivos da ditadura - e mortes e torturas de militantes esquerdistas são sabidas - por que então os militares têm tanto medo de abri-los? Não que imagine que todo tipo de falcatrua tenha sido consignado em arquivo, ou que todos os que tenham sido registrados tenham sobrevivido às queimas empreendidas nos últimos 30 anos.
Mesmo sem a abertura dos arquivos, temos uma certa quantidade de evidência circunstancial à mão. Por exemplo: Falam que é suspeito Lula ter uma cobertura em São Bernardo. Figueiredo deixou para a viúva uma cobertura triplex na praia de São Conrado. A diferença do metro quadrado entre o município da RMSP e o bairro carioca é de umas 5 vezes. Ah sim, e um haras. Fora que a ditadura, afinal de contas, não se compunha apenas de militares. Os ladrões mais famosos da Nova República foram todos pessoas que se iniciaram na política como agregados dos militares, se não diretamente como governantes biônicos, indicados pelos generais-presidentes. Collor, Sarney, Maluf, Antônio Carlos Magalhães, Jader Barbalho... alguém acha que eles só começaram a roubar depois de 1985, 1988, ou 1989 (dependendo de onde você queira situar nossa volta à democracia).
Ah sim, quanto ao outro lado supostamente cincinático dos generais-presidentes, o de que nenhum tentou - como outros ditadores - se perpetuar no poder: alguém realmente acha que um deles, se pensasse que conseguiria fazê-lo, não o teria feito? Castello Branco morreu de acidente de avião (até hoje suspeito de ter sido assassinato). Costa e Silva de derrame. Médici levou um golpe interno. Geisel estava desmontando o regime para manter os dedos (e os anéis). Figueiredo só faltou fugir na calada da noite.
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