Não que o Brasil, entre o reconhecimento da China como "economia de mercado" e a idéia de acabar com o BNDES e outros créditos dirigidos, não tenha uma quedinha, mas...
Francisca Vega
Santiago
O casarão da rua Capuchinos 746 é perfeito. O piso do pátio do antigo edifício está um espelho de tão bem encerado. Vestígios na grelha do churrasco indicam que não passou muito tempo desde o último festim. “Todos aproveitam bastante a piscina”, diz Marta Arias, dona da casa. “Mas homens e mulheres a utilizam separadamente.” Essa divisão não é questão de pudor, mas de categoria. A esbelta e bem apessoada Marta é subinspetora e chefe do Anexo Centro de Detención Preventiva Santiago, cadeia mais conhecida como Capuchinos, onde cumprem suas penas ex-ministros, empresários, líderes políticos, ricos e famosos do Chile.
Bem-vindos à única penitenciária cinco-estrelas da América Latina para réus em julgamento e condenados por crimes econômicos. Na ‘‘Prisão Caixa Alta’’, que só aceita réus pouco conhecidos se comprovarem boa conduta, não há assassinos, violadores ou seqüestradores de baixa categoria. Nela, o quente são grandes desfalques, malversação de fundos e fraudes. “Aqui você se torna especialista em economia e finanças”, diz um interno. “Você pode topar com conhecidos que jamais imaginaria que teriam problemas.”
Capuchinos não tem grades e, além de banhos de sol, oferece mais regalias, o que o faz diferente dos outros presídios latino-americanos. Para começar, por lei, seus presos VIP pagam pelo luxo uma mensalidade de até US$ 140. Homens e mulheres dormem em lugares separados e dificilmente um guarda aceita suborno.
No edifício de três andares, só há capacidade para 120 pessoas, que dormem em quartos individuais. Cada andar acarpetado possui os mesmos espaços comuns de uma casa de família. Há um pequeno living, onde os presos podem conversar; uma cozinha, uma sala de jantar e TV a cabo. Durante o dia, os prisioneiros podem mover-se por todos os espaços quase sem restrições. Os mais concentrados preferem disputar o desafio de xadrez no living.
Do lado de fora, no pátio central, perto da piscina de 10 metros de comprimento, um reluzente campo de futebol de salão reúne ilustres e policiais num campeonato no qual competem equipes batizadas como “Somos Inocentes” ou “Venho por um Dia e Vou Embora Amanhã”. Se o prisioneiro é um bom tenista, encontrará uma rede para improvisar um court, e uma academia com quatro equipamentos. Os presos também jogam tênis de mesa ou se divertem nos impecáveis bilhares, onde há letreiros com a frase “Cuide da mesa”.
Como o pagamento é legal, em Capuchinos ninguém esconde a comodidade. Com seus dólares, os internos garantem boa comida, médicos, capela e, melhor, vivem entre iguais. “As leis estabelecem que a pena deve ser cumprida e os internos perdem a possibilidade de livre circulação”, diz Juan Carlos Pérez, diretor da Gendarmería de Chile, organização que administra a prisão.
A lei é clara nesse sentido. As Nações Unidas estabelecem que os prisioneiros devem ser separados por tipo de delito, ter um espaço digno, comunicação e segurança. Claro que isso é apemas no papel, pois, segundo a mesma organização, mais de 80% dos processados por delitos econômicos na América Latina estão amontoados em pavilhões imundos.
pessoas educadas. Em tese, ser condenado por um golpe financeiro na América Latina implica viver apertado como sardinha em lata junto com algum criminoso barra-pesada e pedir aos céus para não ter de dormir abraçado com um serial killer estuprador. Quer dizer, isso se o golpista chega a ser condenado. Além do mais, eventuais privilégios são obtidos geralmente de maneira ilegal, por meio de suborno. Por outro lado, o sistema chileno fere o princípio de igualdade. “Na Argentina, todos devem ser tratados como iguais, têm direitos idênticos e se separam por prisões conforme o delito que cometeram e suas características como réus”, garante Enzo Gómez, diretor da Escuela Penitenciaria de la Nación Juan José O’Connor, em Buenos Aires. Mas existe a possibilidade de cruzar com um homicida em algum pátio? “Sim.”
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