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8.8.13

Megaflora carismática, quantificada

Eu volta e meia reclamo do fenômeno da megaflora carismática, isso é da tendência às pessoas se concentrarem na devastação ecológica em locais cênicos e ignorarem (ou mesmo acharem que não tem problema nenhum) essa devastação em lugares mais, digamos, andrajosos. Assim, o governo brasileiro já pretendeu estimular a ocupação do cerrado para salvar a amazônia. Assim, a perenização de rios da Caatinga não é considerada devastação ecológica, fazer o deserto florescer é bônus e não ônus. Idem a plantação de florestas comerciais no Pampa - aliás, a maioria dos países conta a plantação de florestas comerciais em suas contas de "desmatamento líquido."

Enfim. Lendo um artigo na UNESP Ciência que tinha o número de artigos científicos cadastrados na Scopus pra cada bioma brasileiro, resolvi quantificar essa atenção. Aí embaixo está a tabelinha. Espero que os campos sejam autoexplicativos; na busca do google news adicionei "desmatamento" quando vi que muitos artigos se referiam àquele bioma entendido como região, e não apenas como bioma, mas não quis jogar fora o primeiro dado.

https://docs.google.com/spreadsheet/ccc?key=0Ag0-e7PoCAFcdGJ4VnJRQy1LT0N5QTZ1NklfRGxGWXc#gid=0


12.7.13

Socorro!

Já que torrar todas as minhas economias com médico não adiantou de nada, lanço aqui na internet, sem muita esperança, a pergunta:

Estou há já um ano com dor no pescoço, que vai se tornando insuportável quando fico de pé, e especialmente no computador; desde novembro do ano passado, a essa dor se compuseram dores irradiadas pelo corpo. A mais frequente, nos dedos das mãos e dos pés, é aliviada (enquanto não estou há muito tempo de pé) inclinando a cabeça à esquerda, quando ocorre um estalo na área circulada na imagem abaixo, entre a vértebra C3 e o crânio.

Desde que fui num acupunturista que resolveu dar uma de quiroprata, intensificaram-se dores também na parte de trás das coxas e pernas, e no bíceps esquerdo; essas estão associadas a um desconforto na região assinalada na terceira imagem, quase na base do pescoço.

Além de ficar muito tempo em pé ou sentado, deitar-se com o pescoço inclinado também aumenta as dores.

Alguém tem idéia do que fazer ou quem procurar? Já estou fazendo fisio 3x por semana, osteopata 1x por semana.  Já fui num energúmeno no Instituto Vita que me cobrou 600 reais para dizer que devia ser depressão, receitar antidepressivo, e dizer que "fazer esporte é bom pra saúde," depois d'eu começar a consulta reclamando de não conseguir fazer exercício. Os laudos da ressonância magnética apontam obliteração foraminal, mas não hérnia que cause compressão da coluna. Estou desde janeiro de licença médica.






27.6.13

O gigante confuso

Numa demonstração de força da velha mídia que considerávamos morta, O Gigante Acordou. Que nem no comercial de uísque. Não foi a mídia que o acordou, claro - as tentativas de fazer passeata própria com o Cansei deram todas com os burros n'água. O que acordou foram as cenas horrendas da Quinta de Sangue e Vinagre, espalhadas pelas redes sociais, cheias de jovens brancos de classe média agredidos barbaramente pela polícia, que fizeram com que a mídia - que até então era contra qualquer protesto porque impedia o Mélange, perdão, o trânsito de fluir - resolvesse partir para a agenda positiva e pautar o movimento. Tiveram sucesso, com a ajuda de grupos como o Anonymous Brasil. Hoje, as manifestações são só acessoriamente pelo passe livre; são por tudo e por nada, com direito a toques de micareta, dicas da Capricho, e gente fazendo joinha com o Choque.

Pela polissemia extrema, tem muita gente que se avogou em porta voz do povo na rua, seja a favor (imputando suas próprias convicções a ele, e se dirigindo às autoridades) ou contra (temendo um golpe ou fascismo). Besteira. O movimento não é unificado, apesar da preponderância de pautas caras à classe média, influenciada mas não comandada pela mídia. Tem abaixo a rede Globo e abaixo o Bolsa-Família, tudo junto e misturado. E a FIESP não tem nenhuma vontade de fazer golpe contra uma presidenta que é sua aliada contra a FEBRABAN. Não quando o pior que pode acontecer é ser eleito ano que vem o candidato da FEBRABAN. Os milicos até muito gostariam, foram lá na Pirâmide do Mal da Paulista em romaria (e a visão do povo na frente cantando o hino enrolado na bandeira deve ter lhes levado lágrimas aos olhos), mas não são eles quem manda.

Saíram, dessa geléia geral, alguns temas recorrentes, e já que não tenho a hybris de dizer que o movimento realmente é pelo que quero, falo do que gostaria que fosse:

1) O passe livre, reinvindicação que começou tudo. No começo era contra, por achar que tem coisa melhor pra fazer com 12 bilhões de reais por ano só em São Paulo. Hoje, acho razoável. Faria uma verdadeira revolução no acesso à cidade e, se financiado por um IPTU triplicado e pedágio urbano de 10 reais por dia, seria ainda por cima fortemente progressivo. Até as empresas gostariam de não ter que pagar vale-transporte. E eu nunca mais ficaria catando o bilhete único pela casa. Aliás, para dar uma idéia do quanto  IPTU no Brasl é baixo, meu IPTU, num apartamento de três quartos num bairro burguês (a três quarteirões do apartamento do prefeito, pra ser exato), poderia triplicar que o passe livre para duas pessoas compensaria plenamente o aumento.

2) A copa do mundo. A galera que é contra a copa do mundo pelos gastos públicos exagera, e muito, o tamanho desses gastos. Nos estádios e seu entorno propriamente ditos o gasto não chega, na mais exagerada das estimativas, a 12 bilhões. Ao longo de oito anos. 1,5 bilhões por ano não chega a 3% do gasto de um ministério grande como educação, saúde, ou defesa. E sobre a corrupção, não é como se a copa fosse especial. Pra ficar na saúde, o hospital inaugurado com show superfaturado da Ivete Sangalo já começou a ruir...

Não que eu não tenha problemas com a copa e a olimpíada (e quiçá a expo 2020). Mas eles são por outro lado. Tenho problemas com a lei esdrúxula que submente o Brasil à FIFA. Tenho problemas com desfigurarem os estádios em nome do padrão FIFA, que aliás vai ser péssimo pros clubes depois, com os VIPS e VVIPS. Tenho problemas com o plano urbanístico previsto na maioria dos estádios, incluindo as remoções.

3) A PEC 37. Nos EUA, o ministério público não investiga, nem na maioria dos países de sistema judicial de common law. E é órgão do Executivo, não independente. Não consta que a justiça americana seja tão pior do que a nossa assim. Não que eu seja a favor dela, mas que não consigo, honestamente, formar opinião. E olha que, ao contrário de 99% dos que protestam contra ela, li a porcaria e as opiniões de juristas sobre.

4) Contra a corrupção, pela paz, pela saúde e educação, etc. Cês sabem que o Collor se elegeu com a bandeira de combate à corrupção, né? E Nação acima de partidos. Serião que cês querem reeleger o Collor?

5) Last but not least, a violência policial, que fez com que o movimento restrito pelo passe livre se tornasse um fenômeno de massa. Sem negar o quanto de sensibilidades injustas teve na reação chocada à violência policial contra jovens de classe média, o fato de na favela a bala ser de chumbo não torna menos legítima a indignação com a bala de borracha no protesto. São ambas ilegítimas, ilegais, e erradas. E não dá pra simplesmente dizer que a polícia "se excedeu." Não se excedeu. Ela é feita pra fazer isso mesmo. A polícia brasileira mata milhares de pessoas por ano, com a alegação de proteger a Ordem. Não as leis escritas, mas a Ordem hierárquica, consuetudinária. A polícia brasileira consiste de soldados, não de policiais, que são treinados para fazer o que se vê eles fazendo nestas últimas semanas. Sem desmilitarizar as polícias, criando uma polícia civil única (e sem "guarda metropolitana" também), não tem como falar em justiça no Brasil.

Não que seja nos costumes e hierarquias da polícia e das forças armadas apenas que o autoritarismo sobreviveu no Brasil. Ainda tem muita coisa nas próprias leis. Quer coisa mais kafkiana do que o crime de "resistência à prisão"? Ou "apologia ao crime," que a rigor proibiria a menção de descriminalização de qualquer coisa, fora a amplitude com que é interpretado. Desacato à autoridade? A polícia brasileira não é horrível porque os policiais contratados são más pessoas, mas porque é para isso que serve. Isso tem que mudar. Isso - vergonhosamente ausente dos "pactos" da presidenta - deveria ser, mais do que tudo, a prioridade nos protestos que tomaram corpo com a própria violência policial.

16.5.13

Maurício Gernsback Tolmasquim, a ferro e fogo



Em entrevista concedida ao Valor para neutralizar, digo comentar sobre estudo do WWF sobre a necessidade de proteção de ecossistemas amazônicos, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, diz que "não se vai construir a ferro e fogo" enquanto explica que sim, vai construir a ferro e fogo.





Problemas na entrevista do Tolmasquim: 1) Tolmasquin: Tapajós é uma área pouco antropizada. O grande desafio ali não é desenvolver, é construir preservando o máximo possível. Por isso a ideia das usinas plataformas, pensando em que as áreas onde ficariam os operários da obra sejam temporários e que não se formem cidades, que pessoas não se estabeleçam ali e que as áreas mexidas sejam reflorestadas.

Hidros-plataforma são um embuste, por uma série de motivos que já comentei aqui. Resumindo, é que plataformas não são isoladas e de baixo impacto no sítio por alguma forma exótica de planejamento ou engenharia, mas porque sendo flutuantes são construídas longe de seu destino final. O local de impacto da construção de uma plataforma é Niterói, não a bacia de Campos. Não dá pra rebocar usina hidrelétrica. http://sambadoaviao.blogspot.com.br/2012/05/projeto-hudson-redux.html


2) Tolmasquim: No caso do Tapajós, não tenho dúvida. Não se pode construir uma usina a ferro e fogo, destruindo todos os Ecossistemas. É claro que esse modelo vai contrariar tanto o pessoal que quer otimizar o uso daquela bacia, que não está usando da forma ótima, como vai contrariar os que desejam preservar intocado aquele ambiente. É preciso ter uma solução de compromisso. O potencial do Tapajós, Teles Pires e Juruena é de 28 mil MW - isso é o que é possível, não o que será feito. O que será feito é o que vamos ver no futuro. Só uma parte pequena está planejada.

Falar que "não fazer 100% de um nem de outro" é conciliação. Só que só de projeto firme ele fala em mais de 60% dos MW. Fazer só quase tudo o que ele quer é fingir que houve conciliação. Aliás, restringir a questão ao Tapajós, idem. As usinas do Madeira e do Xingu não entram na conta do "a parte que nós desenvolvimentistas queríamos" por quê?


3) Tolmasquim: Pelo inventário do Teles Pires, Juruena e Tapajós são 42 usinas. Isso não significa que serão construídas, o que está em planejamento é outra coisa. Mas no inventário há potencial para sete usinas no Tapajós, 29 no Juruena e seis no rio Teles Pires. São desde usinas bem pequenas até grandes.

O último PDE tem oito usinas na região no planejamento até 2021. São quatro no Teles Pires - Colider (342 MW) e Teles Pires (1820 MW) que já estão em construção, Sinop (461 MW), que deve ir a leilão possivelmente em agosto, e São Manuel (746 MW), onde ainda temos que fazer audiência pública. No rio Tapajós são outras duas, São Luiz do Tapajós (6133 MW), que está em estudos e provavelmente vamos leiloar em meados do ano que vem, e Jatobá (2338 MW). Por fim, no Juruena, São Simão (3509 MW) e Salto Augusto (1461 MW), que ainda nem se iniciaram os estudos. Isso não quer dizer que as outras estão abandonadas, apenas não estão ainda no horizonte do planejamento. Os estudos serão úteis para a discussão no futuro.

Ao falar de MW, tratar dano ambiental como se fosse coisa fungível. "Não mexemos em x% da área". Só que o pedaço que mexeu ferrou tudo. Arguivelmente, apenas a hidrelétrica de São Luís do Tapajós, com 6GW anunciados, já mexe com toda a bacia, já que interrompe o fluxo do Tapajós. Rios em particular são por definição ambientes dinâmicos, e o mesmo peixe pode ter como seu território todo o comprimento do Tapajós. E não, escadinha não resolve o problema, até porque além da barreira física tem a zona morta a montante da barragem, em que a água parada tem menos oxigênio.


4) Tolmasquim: Na Amazônia há dois tipos de usinas, dois modelos. Um deles é para áreas antropizadas, onde há muita atividade humana, que é o caso das usinas do Madeira, em Rondônia, e de Belo Monte, no Pará, onde 70% do entorno são fazendas. Nessas áreas, muitas vezes longínquas, com uma considerável população pobre vivendo em situação precária, a usina é vista como vetor de desenvolvimento regional. As condicionantes da obra levam o tratamento de esgoto aos municípios, melhoram o sistema de saúde. Nesses casos, as usinas podem significar desenvolvimento regional e também preservação ambiental, com a obrigação de criar áreas de conservação, recompor a mata ciliar. Obrigações que procuram reverter o processo de degradação e proporcionar desenvolvimento regional.

Falar do ideal de desenvolvimento levado por usinas em áreas já desmatadas como se tivesse relação com a realidade. Esgotamento, recomposição de matas ciliares, e companhia, são belas intenções, não o que as empresas construtoras de barragens realmente fazem, muito menos o que acontece na região, para além do controle delas. Sem prever as falhas nem ter mecanismos para preveni-las, os "planos" da EPE, com todo o seu custo e todos os seus pesquisadores, são wishful thinking, e valem tanto quanto um post no meu blog propondo usinas nucleares-parque no sudeste.


5) Tolmasquim: O potencial hidrelétrico, da mesma forma que a Biodiversidade, é uma riqueza. Temos a matriz energética que menos emite gás estufa do mundo. Não vamos aproveitar todo o nosso potencial hidrelétrico de lá. Belomonte, do ponto de vista de engenharia não é um projeto onde se visou produção de energia máxima. Não é que a engenharia não saiba fazer uma usina, poderia gerar mais se tivesse um reservatório grande, mas o impacto disso não seria aceitável. Mas não terá os impactos negativos que poderia ter. Esse meio termo é o que buscamos, esse é o debate.

Valor: E a preservação é uma variável importante?

Tolmasquim: No caso do Tapajós, não tenho dúvida. Não se pode construir uma usina a ferro e fogo, destruindo todos os Ecossistemas. É claro que esse modelo vai contrariar tanto o pessoal que quer otimizar o uso daquela bacia, que não está usando da forma ótima, como vai contrariar os que desejam preservar intocado aquele ambiente. É preciso ter uma solução de compromisso. O potencial do Tapajós, Teles Pires e Juruena é de 28 mil MW - isso é o que é possível, não o que será feito. O que será feito é o que vamos ver no futuro. Só uma parte pequena está planejada.

Valor: Essa bacia é a mais importante como potencial hídrico do país, representando 25%?

Tolmasquim: Sim, entre as que não foram exploradas ainda. O que precisamos agora é criar elementos importantes para o diálogo entre as áreas. Não necessariamente todo mundo vai concordar no fim, mas isso faz parte do processo.

Valor: E a questão indígena?

Tolmasquim: É o tema mais importante no planejamento de hoje. 

Exagerar a importância da energia do Tapajós. Se Belo Monte é o modelo, o "meio termo" propalado são 11GW, não 28. Com 100% de aproveitamento. Afinal, Belo Monte tem uma potência nominal de 11GW, e geração firme de 4, e o regime de águas do Xingu é muito parecido com o do Tapajós. 28GW são duas Itaipus, é um número impressionante. "Um pouco menos de uma Itaipu" em troca de eliminar completamente uma área de Amazônia maior do que a maioria dos estados brasileiros é menos atraente.

4.4.13

Ao mestre a morte



O descaso do governo do Rio de Janeiro para com a universidade não é novidade para ninguém. Notícias sobre marquises caindo na UERJ são quase recorrentes (aqui mesmo já reclamei), assim como de sucateamento de toda a (minúscula) rede estadual de ensino superior. Mesmo em notícias da própria assessoria de imprensa do governo ele pode ser visto, como nesta matéria sobre a mudança do QG da Polícia Militar para um prédio pertencente à universidade, que diz que com a mudança irá "melhorar o aspecto do prédio, que apresenta má conservação: a pintura das paredes está descascando e há janelas quebradas." A idéia de que o aspecto do prédio possa melhorar com o uso pela própria universidade nem sequer passa pela cabeça do governo estadual.

Não é um descaso de hoje (conta, pelo contrário, décadas), mas contrasta com outras iniciativas pioneiras dos governos do Rio de Janeiro, Distrito Federal, e Guanabara no campo do ensino e pesquisa. Assim, a Universidade do Distrito Federal foi a primeira universidade concebida como tal no Brasil (um pouco antes da USP; a UFRJ foi criada só pra dar diploma ao rei da Bélgica). A UENF, criada por Darcy Ribeiro no norte do estado e que hoje lhe leva o nome, mudou a forma de se estruturar a universidade. E, no governo Lacerda, mais modestamente, sem o nome de universidade, foi criada a ESDI - Escola Superior de Desenho Industrial, inspirada na Bauhaus e na Escola de Ulm, primeira escola de design do Brasil.

A modéstia no nome saiu caro a alguns professores e técnicos da ESDI, uma vez esta incorporada à UERJ em 1975.  Os fundadores Bergmiller, Goebel, Wolner, e Zuenir Ventura,  os professores da segunda geração Leonardo Visconti, Roberto Verschleisser, Arisio Rabin, Uwe Peter Kohnen, além dos mestres de oficina: Walter, Neoci, e Ripper, e Cenira 
Foram incorporados, com o descaso renitente aliado à uma sonsice deliberada, à rede de professores estaduais das escolas, e não à de professores universitários, recebendo, em troca de fazer da sua a melhor faculdade de desenho industrial da América Latina, salário mínimo. Entraram com uma ação na justiça em 1994; a sentença correu em 1996 o Estado valeu-se de sua infinita capacidade de adiar, assegurada pelo Judiciário brasileiro, desde então para adiar seu cumprimento e, especialmente, não pagar os atrasados. A sanha em não pagar aos professores é tanto mais curiosa porque não faz sentido sequer econômico - o valor da manutenção da ação por vinte anos em muito supera o dos atrasados que deveriam ter sido pagos em 96. 

Como os seres humanos são mais frágeis e menos duradouros do que os Estados e as injustiças, já morreram cinco dos professores e técnicos que deram entrada no processo contra o Estado. Entre eles Goebel Weyne (responsável pela programação visual da Novacap, empresa que construiu Brasília), Ulwe Kohnen formado na ESDI e que nela lecionou por 35 anos até sua morte em 2008, e o último, Leonardo Visconti, que morreu este ano, em 17 de março e foi responsável pela identidade visual de empresas como a CSN, a CEG, e o Hemo-Rio, além dos metrôs de Rio e São Paulo.

 
Aparentemente, o governo de Cabral (como antes dele o fizeram os Garotinhos, Marcello Alencar, e Brizola) conta com a morte como sua aliada; parafraseando Keynes, no longo prazo da justiça, estarão mortos todos. 

O INSS e Krypton

Normalmente não ponho experiências pessoais aqui porque elas são, bem, pessoais. Mas o encontro com a junta médica do INSS foi tão bizarro e, ao mesmo tempo, provavelmente tão corriqueiro que achei que merecia ser narrado.


Estou de licença médica, incapaz de ficar em pé ou sentado por mais de duas horas de uma vez (Por isso, também, a falta de posts novos por aqui ultimamente), andar de carro por muito tempo, ou carregar peso; a causa é algum problema na coluna cervical que comprime a medula, provocando dor forte nas pontas dos dedos se descumpro algum dos preceitos listados; pra complicar, também tenho uma coisa chamada condromalácia patelar de tipo III nos joelhos, que significa que, como a do Batman, minha cartilagem do joelho disse tchau. Não é divertido, especialmente quando vou no supermercado e minha namorada com metade do meu peso carrega as compras sozinha. Felizmente não houve, ainda, dano neurológico permanente; saíram hoje os resultados da eletroneuromiografia, que é uma espécie de tortura com agulhões e eletrochoque para medir o estado dos nervos.


Como a licença médica foi renovada, e assim teria mais de 120 dias até seu fim, fui encaminhado a uma junta médica do INSS para a perícia. Ou melhor, teoricamente para a perícia. Ao invés disso, a médica que começou a me entrevistar exigiu os exames de imagem, ignorando o fato de que estes já haviam sido apresentados antes ao INSS e que os exames nos quais se baseava a renovação eram os clínicos. Depois, tirou minha pressão (estava alta - insônia, gripe, e pressão alta basal) e olhou para minhas costas, sem pedir que eu tirasse a camisa. Apertou com os dedos dois pontos na altura do peito (o problema, lembrando, é no pescoço, com reflexos no lombo). Não fez nenhum outro exame clínico (há dúzias de exames clínicos para as condições em que estou). 


Foram chamados os outros dois membros da junta. Me disseram, exaltados, que os exames de imagem "não provavam o que os médicos disseram nos atestados." Quando tentei explicar, fui interrompido duas vezes por um deles, enquanto a outra dizia "não, deixe ele falar." Ao final, disseram que o que eu tinha devia ser "psiquiátrico," por conta da pressão alta.  Uma conclusão, pelo menos, original. Apesar disso, confirmaram a licença, mas reduzindo-a de 4 para 2 meses; explicaram que "se for necessário você pega outro atestado." OK, não discuti para além disso.


Mas fica a indagação: uma perícia médica não deveria envolver, bem, um exame médico? Ao que parece, se meu caso não for excepcional (e não há motivo pra supor que seja), os "peritos" do INSS estão lá para procurar as exatas palavras do atestado num exame de imagem e, não as encontrando, para fazer um arremedo de interrogatório, com direito a good cop - bad cop. Se a idéia não é fazer exame médico de verdade - e não creio que dê pra fazer exame ortopédico olhando-se para as costas vestidas de um paciente e sem nenhum teste de manipulação, a não ser que a médica tenha visão de raios X - o INSS deveria contratar policiais treinados em métodos de interrogatório do que gente que os aprendeu assistindo seriados policiais. 

13.3.13

Atropelando o Aterro

Eike acaba de receber permissão do Iphan pra fazer seu centro de convenções no meio do maior (aliás, único de grande porte) parque do Rio de Janeiro. Alguns comentários:


1) Apesar do lugar ser tombado e concessão pública, não houve concurso público de arquitetura pra escolher o projeto (também não revelado) de Índio da Costa (pai do candidato a vice-Serra).

2) O projeto é uma encolhida de um projeto original de 45.000m2, e tem só 20.000m2. Como a maioria das pessoas não tem muita idéia do que isso quer dizer, eu ajudo. Isso aqui é um centro de convenções de 20.000m2. (Aliás, quase vizinho do Aterro, na outra ponta do Centro, desmentindo o moço da ABIH-RJ que, na reportagem do Grobo, fala como se só houvesse o longínquo Riocentro.)

3) A concessão original tinha como objeto uma marina e como prazo 2006, prorrogável até 2016. Impediram a empresa que levou de reformar a marina, ampliaram o prazo pra 2036, e permitiram que o objeto virasse marina mais centro de convenções. Isso é como eu alugar área pra fazer um quiosque no metrô, e permitir que façam ao invés disso uma casa. E concessão com mais prazo é pra ser mais cara. Cadê o povo indignado com a corrupção política nessa hora?

4) Reparem na inversão “A REX, empresa que detém a concessão da Marina da Glória, esclarece que irá falar sobre o projeto de revitalização do espaço em breve, logo após finalização dos trâmites em andamento junto aos órgãos públicos”. Ora, esses trâmites (normalmente) incluem a publicidade das ações públicas (sem medo da tautologia). Decidir tudo entre quatro paredes e só anunciar pra choldra depois é o contrário de um processo público justo. 

5) São Gonçalo, a Manchester tropical, sempre à frente de seu tempo, já vendeu uma praça pra fazerem shopping. Como é no subúrbio, não deu notícia.

6) O problema de centro de convenções não é só o prédio em si, mas todo o movimento de carro e gente, além da área que é subtraída ao parque. E esse problema continua existindo quando, como hoje, a Marina é usada como área de convenções. O SanglierX só multiplicaria. O ideal, pra mim, seria redesenhar a concessão da Marina para o necessário à manutenção dos barcos, talvez um par de quiosques-restaurante, e liberar a moita. Sem convenções nem show nem mundo mix nem nada. Mas nem a discussão sobre o projeto é possível, porque Eike não liberou os dados. Qual a quantidade de carros e veículos utilitários estimada por dia quando não tiver convenção? E quando tiver?

7) Esse espaço do shopping e centro de convenções seria isolado do aterro por grades e seguranças? Porque se for, é um Burle Marx de Fancaria bizarramente situado no meio do original. Como se o "mercado praça XV" do Barra Shopping se erguesse, incólume, imenso, e inacessível salvo por uma porta ou duas, no meio da Praça XV.
PS: já que vai fechar o parque que do outro lado tem a Porcão, sugiro pra nome "Sanglierx." Tem o X da sorte e um cachet de primeiro mundo europeu, que vai ajudar na revitalização sustentável da área.

9.3.13

Decálogo dos direitos dos humanos direitos

By Marco Feliciano, Coronel Telhada, Blairo Maggi, & Co.



1. Todo ser humano terá direito a expressar livremente seu preconceito, oprimindo as minorias que lhe forem convenientes.

2. Todo ser humano terá direito a portar armas.

3. Todo ser humano terá direito a ver criminosos esquartejados em praça pública, ressalvado o direito de não ser considerado criminoso que compete a alguém de classe média ou superior que cometa um crime.

4. Todo ser humano terá direito a uma baixa carga tributária, mesmo que não entenda o que é isso.

5. Todo ser humano terá direito a expressar-se na internet sem que o critiquem ("censura").

6. Todo ser humano terá direito à satisfação vicária com a força alheia, nacional, clubística ou outra.

7. Todo ser humano terá direito a sentir-se duro, forte, e abnegado por defender o sacrifício alheio. (Eg de índios em nome do progresso, ou favelados em nome da cidade.)

8. Todo ser humano terá direito à livre expressão de seu credo, desde que este seja o cristianismo.

9. Todo ser humano terá direito a fazer piada sem graça, desde que envolvida com a sustentação dos direitos precedentes.

10. Todo ser humano que não for um humano direito, cidadão de bem e de bens, não estará coberto pelos direitos acima.

28.2.13

Impostos II - o Imposto Territorial Rural

Existe um abaixo-assinado no momento que conclama as pessoas a votarem por uma proposta de limite à propriedade da terra. Com ressalvas, assinei o mesmo. Mas ele é completamente desnecessário. Por que? Porque a grande concentração de terra pode ser coibida sem se mexer no direito à propriedade, simplesmente através do artifício de se cobrar impostos - foi como os grandes latifúndios europeus foram destruídos, aliás, e note que as reformas agrárias diretas em lugares como Japão e México passaram por convulsões sociais, e não por processos costumeiros de democracias liberais.

No post anterior, eu comento sobre o imposto de renda pra pessoas físicas, que arrecada patéticos 70bn de reais, uma proporção mínima do total arrecadado pelo governo. Pois bem, o ITR é muito, muito, muito pior. Para se ter uma idéia, enquanto o município de São Paulo arrecada coisa de 4,6bn de IPTU, o Brasil arrecada de ITR exatos R$ 454.622.399,00 Todos os proprietários de terras no Brasil, juntos, pagaram por suas propriedades menos de um quinto do que foi arrecadado com as loterias da Caixa. Menos do que foi arrecadado com tarifas de embarque em aeroportos. Quando você tem um dos impostos básicos sobre a propriedade arrecadando menos do que taxas de embarque, você tem um problema.

No papel, o ITR seria até mais progressivo que o imposto de renda. Ele tem, afinal, tarifas que vão de zero (proprietário residente e trabalhando, só ou com a família, na própria propriedade rural, com menos de 50 hectares) a 20% (propriedades com mais de 5.000ha). O probleminha aí no meio foi o combate ao "latifúndio improdutivo." Eu já havia reclamado antes por aqui desse adjetivo que fez com que o problema do latifúndio se deslocasse do seu domínio socioeconômico para um "atraso" técnico-econômico, que faz com que a reforma agrária no Brasil ande a passos de cágado. Ora, essa mentalidade fez com que o ITR fosse compensado por um "grau de utilização," que daria direito a descontos na alíquota, criando assim, ao invés das alíquotas simples, uma matriz, assim:



"Grau de Utilização" é simplesmente a porcentagem da terra arável (isto é excetuando mata nativa e congêneres) efetivamente aproveitada em atividades produtivas. Isso realmente é problemático para o "latifúndio improdutivo," que justamente por conta disso vem cada vez mais desaparecendo no Brasil. Por outro lado, como grandes proprietários têm, não apenas mais recursos para utilizar a terra, mas também melhores advogados para alegar que estão utilizando a terra (ou que a não-utilizada está na categoria isenta de impostos), a progressividade do imposto, para além daquela isenção familiar que não aparece na tabela, fica definitivamente diminuída, com o imposto de grandes proprietários mais ou menos igual ao dos pequenos, na prática. E esse imposto é de 0,4%.

Claro que isso oficialmente. Na prática, como no caso do IPTU, o valor oficial da terra é bem menor que o valor de mercado - ou alguém acha que o total das propriedades rurais do Brasil vale pouco mais de R$100bn? Mas mesmo sem o caro e controverso processo de atualização dos valores da terra, a arrecadação do imposto poderia aumentar substancialmente, simplesmente reconhecendo-se A) que a terra "improdutiva" não é, ao contrário do pregado pelo projeto da alta modernidade, inútil, e que pelo contrário a plena utilização da terra é em si problemática para o meio ambiente e o valor futuro da propriedade, e B) que o latifúndio é um problema em si, e não apenas quando improdutivo.

Eliminando-se o Grau de Utilização e fixando-se as alíquotas assim:

isenção para agricultura familiar
até 50ha 0,05%
50-200 0,20%
200-500 2,30%
500-1.000 4,00%
1.000-5.000 9,5%
5.000+ 20,00%

teríamos um ITR arrecadando mais de 18bn por ano - e, mais importante, nivelaríamos um pouco as condições entre pequenos e grandes proprietários. E o imposto de 20%do valor da terra ao ano praticamente "proibiria" as propriedades de mais de 5.000ha, ou 50Km2.

Atualização: achei as tabelas de valor de pastagens e lavouras. São respectivamente 2700 e 5500R$/ha em média no Brasil como um todo. São 180Mha de pastagens e 64Mha de lavouras. Dá valores de 486 bilhões e 352 bilhões. Somados, 838 bilhões de reais. Com uma arrecadação de 454 milhões, tem-se que a alíquota média cobrada é de 0,05% E não é porque a maior parte dessa terra tá na mão de minifúndios familiares. Muito pelo contrário:


(Tabela tirada daqui )

 E subestimei horrivelmente a possibilidade de arrecadação - levando pra 4% de média já seriam uns 30 bilhões por ano. Dilma não luta de tudo que é jeito pra aumentar a folga no orçamento? Atualizar as tabelas de valor de terra não depende do Congresso, e já renderia uns 3 bilhões no mínimo.



24.2.13

As ondas do MAR

Eu, ao contrário de muitos colegas, não acho que se o Paes fez, é coisa do Anticristo -  - e acho o MAR bonito. MÃS é impressionante como até na reportagem chapa-branca do Globo você acha de cara vários problemas. Pela ordem:

1) 76 milhões pro prédio, 12 milhões por ano de operação - imagino que uns 2 de constituição de acervo. Vai demorar, na melhor das hipóteses, pelo menos 40 anos pro acervo igualar o prédio. O MoMA nasceu com acervo valendo 10x o prédio, e chegou rápido a 100x. Pra comparar, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que é a óbvia inspiração para o MAR, gastou, em valores atualizados, 43 milhões no prédio, e tem orçamento anual de 30 milhões.

2) "OSCIP que já gere a praça da Liberdade, em BH." OSs são um jeito bem caixa-preta de gerir instituições públicas. Quando essa OS  já gere museu ali do amigo (do Paes) Aécio, uma pulga atrás da orelha, pelo menos, é válida. Em defesa deles, registre-se que a OS ganhou uma concorrência pública.

3) Uma das expos de abertura é basicamente a exposição do catálogo comercial de um marchand, com catálogo a ser impresso às custas públicas, é isso mesmo?

4) O roteiro de visitação, que proíbe a entrada pelo prédio próprio em nome duma "sinergia com a escola" e obriga elevador, é estrambótico. Haja "pedagogia."

5) Tem uma cerca em volta do prédio modernista sobre pilotis. Tipo condomínio em Ipanema.