Pesquisar este blog

22.3.06

Castigando a virtude

Enquanto caça-níqueis e fábricas de diploma como a UniverCidade e a Universo prosperaram de maneira absurda desde os anos 90 (se você deixar uma caixa de papelão numa rua de pouco movimento, um mês depois acha lá um "campus" da Estácio de Sá), com a cooperação e apoio do governo, e fazendo do Brasil um dos pouquíssimos países onde há mais universidades voltadas ao lucro do que ao ensino, as poucas universidades privadas que honram o nome no Brasil vão cada vez afundando mais.

Com isso, a "expansão" no ensino terciário brasileiro das últimas décadas passa de farsa a tragédia. A expansão se concentra em cursos que dão diploma, e pronto; enquanto isso, três dos quatro conjuntos (chamá-los de redes seria muita bondade) de universidades propriamente ditas brasileiros enfrentam a falência (falência financeira propriamente dita), e o quarto não está tão melhor assim - a saber, as universidades federais, as católicas, as independentes, e as do estado de SP. Em parte, essa falência é fruto da própria farsa da expansão, que fez com que todos os quatro, apesar de verem sua entrada de dinheiro cair, tenham aumentado seus gastos. As universidades federais, amargando um corte no financiamento de 83% em termos reais de 1994 a 2002 e a novela das aposentadorias aumentar o gasto fixo, ainda assim aumentaram o provimento de vagas. As católicas, apesar de se beneficiarem do sucateamento das federais, não aproveitaram pra radicalizar o preço, e aumentaram a quantidade de bolsas. E as independentes fizeram um esforço maior para tentar se equiparar aos dois primeiros conjuntos. (As de SP estão em situação parecida com as federais, fora não terem amargado o corte no orçamento)

Isso tudo faz com que, a não ser que algo de extraordinário aconteça, o ganho em pesquisa que, contra toda a lógica, o Brasil conseguiu nos últimos anos, seja insustentável. Pior: não estão sendo formados, em todas essas novas faculdades, sequer professores suficientes para todas as matérias do segundo grau que, com a outra farsa da progressão continuada, também explodiu. Na nova república dos bacharéis, advogados já são mais comuns do que nos EUA (tradicionalmente a pátria do litígio), mas professores de matemática ou química são quase uma espécie em extinção.

Claro que esse último problema também vem de uma falta de interesse nas ciências exatas que chega a ser vergonhosa, ainda mais quando combinada com a obsessão econômica. É um monte de gente quase "innumerate" falando em números o dia inteiro. (Não, eu não estou pensando especificamente na Míriam Leitão.) E isso, sinceramente, sem nenhum interesse próprio e apenas pensando objetivamente na melhor relação custo-benefício, só vai ser resolvido com um investimento maciço em museus de ciências, à La Villette. Aliás, Lula, César Maia ou Garotinho, se vocês estiverem lendo isso: reloquem as instalações públicas do lado da Quinta da Boa Vista para expandir o zoológico e criar na penitenciária um museu de história natural, deixando o palácio só pra etnografia, transformem o gasômetro num aquário, e criem o museu de ciências no terreno da associação da RFFSA na Francisco Bicalho. Vai aumentar o crescimento do PIB em 5% ao ano e reeleger vocês. Juro.

2 comentários:

Lucia Malla disse...

"Innumerate" falando em números... fantástica essa frase. A idéia de transformar o gasômetro em aquário tbm é ótima, eu apóio. Aliás, a idéia de etnografia apenas no Museu Nacional tbm é muito boa. Thuin, mandou bem.

Roberto Imbuzeiro Moraes Felinto de Oliveira disse...

Por incrível que pareça, as notícias que me chegam da PUC-Rio são relativamente boas. As contas estão começando a se equilibrar; as bolsas formerly known as CREDUC melhoraram o nível dos alunos; há maior fluxo de dinhero privado para a universidade; e há, também, um interesse renovado em pesquisa. Para quem acompanhou a série de problemas que a universidade teve desde o maciço corte de verbas no Governo Collor, isto não é pouca porcaria.

A única coisa que justifica o cuidado expresso pelo 'relativamente' acima é que o tal dinheiro privado entrando estaria, na opinião de alguns, 'corrompendo' a pesquisa pura. Cada vez mais professores e alunos estariam sendo tentados a fazer algo aplicado só para ganhar um pouquinho da grana que entra no novo Instituto de Atuária ou em algum dos muitos projetos com a indústria. Mas ainda não há motivo para choro, exceto pelo fato do Departamento de Matemática ter contratado um 'petroleiro' no meu lugar. :(

(Tudo bem, o cara é super gente-boa.)