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20.5.11

De fome um pouco por dia

O vídeo da professora potiguar Amanda Gurgel ganhou o Brasil, ou pelo menos as redes virtuais da classe média e os editoriais dos órgãos de imprensa. Sobre por que e como isso se deu, não tenho nada de muito novo para falar; é a receita tradicional da indignação fácil da classe média, que reclama por prioridade número 1 para absolutamente tudo, desvirtuando a palavra e incluindo pedidos contraditórios (como maiores salários para professores e corte de impostos), e resolve essas contradições pela fórmula mágica da corrupção e da "moralização."

Mas uma coisa em particular me chamou a atenção. Num país federal, e duplamente federal graças a essa estranha jabuticaba que é o município ser ele também entidade da federação ao invés de apenas parte de seu estado, a situação de uma professora do sistema estadual de ensino do Rio Grande do Norte não é um problema do estado, mas nacional. O arqui-classe-média-indignada-vou-votar-no-DEM, Marcelo Tas, por exemplo, fala diretamente "dos governantes FHC, Lula, e Dilma." Ora, como assim FHC, Lula, e Dilma? O país não é federal? Avisem todas as campanhas de governadores à reeleição que todas aquelas obras não foram deles, mas de "FHC, Lula, e Dilma."

E aí é que está: cada vez mais, no Brasil, a solução para os problemas enfrentados pelos governos locais é vista na participação do governo federal. O resultado é um sistema híbrido, nem bem centralizado nem bem federativo, em que os problemas de ambas as soluções se acumulam. Temos uma burocracia hierarquizada e distante mas que ao mesmo tempo não é enxuta nem qualificada. Temos um sistema multicéfalo e disparidades regionais, sem termos uma variedade de soluções nem autonomia local. E esse retrato do SUS vai se estendendo a todas as outras áreas de atividade do governo. (Menos, até agora, a segurança. Parece que governadores gostam muito de sua prerrogativa de mandar bala em puta, preto, e pobre.)

Por outro lado, se na execução de políticas os governos locais se atrelam a sistemas únicos, na taxação e na confecção de leis vivem uma realidade quase hobbesiana, no sentido oposto. E com isso não apenas não temos as facilidades de comércio de um país unitário, como ainda somos muito piores para fazer comércio entre estados do que a maioria das federações. (E o terceiro nível legiferante não ajuda em nada.)

Não sei se é sequer possível uma "refundação" do Brasil, não mais como república federativa mas como estado unitário, como a França ou a Itália (ou como o próprio Brasil, durante o Império e o Estado Novo). Mas seria o caso de pelo menos se discutir as bases de como a federação funciona.

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