No último post, reclamei da mentalidade de livro-caixa de alguns governantes, que pensam apenas em termos de "máximo de atividade por quantidade de dinheiro," como quando o Sérgio Cabral alega que é melhor vender uma área próxima ao centro para fazer mais unidades habitacionais na periferia do que usar a área diretamente. Ao fazer isso, comentei que ela se baseava na idéia, falsa, de que a atividade de governo é fungível, como o dinheiro. Ora, fungível, me dou conta, é um palavrão que não é, talvez, dos mais populares. Segundo o dicionário, fungível quer dizer "algo que pode ser substituído por outro bem de mesmo tipo, espécie, ou qualidade." Ou seja, fungível é tudo aquilo que pode ser trocado por outra coisa que tanto fez como tanto faz. Dinheiro é a coisa fungível arquetípica por definição, com a exceção da moedinha número um do Tio Patinhas; um real e outro real são tão exatamente a mesma coisa que não apenas não há diferença alguma entre eles como o meio físico que às vezes os acompanha é secundário. São todos parte da massa indiferenciada "real," em maior ou menor quantidade (lembra quase as noções de monadismo indianas). Em outras palavras, fungível é aquilo de que só se pergunta a quantidade, e pronto.
Alguns objetos do mundo real chegam próximos dessa qualidade das coisas abstratas; é quando se chama algo de "insumo" ou "commodity." Chegam próximos, não se equiparam, porque afinal de contas o mundo real é um pouco mais complicado do que as abstrações. Assim, o petróleo, commodity fungível por excelência, negociado em bolsa, na verdade é uma mistura complexíssima, principalmente de hidrocarbonetos mas também contendo vários outros elementos. O Brasil sabe bem o que é a diferença entre quase e efetivamente intercambiável, já que produz mais petróleo do que precisa, e mesmo assim importa petróleo, porque o nosso petróleo, "azedo" (cheio de enxofre) e "pesado" (contendo proporção maior de hidrocarbonetos mais estáveis e densos), em boa parte não é refinável pelas nossas refinarias, construídas para processar petróleo leve e doce do mundo árabe.
A confusão entre números e realidade não é prerrogativa exclusiva da centro-direita com ligações empresariais interessantes. Assim, durante a campanha presidencial, Plínio de Arruda Sampaio falou nos números de imóveis vazios e de necessidades de moradia brasileiros, dizendo que um compensaria o outro, como se fosse uma questão de mover colunas num livro-caixa, ignorando a questão de que um apartamento de quatro quartos nos Jardins não significa moradia para oito pessoas em João Pessoa. Ou para uma. Ou mesmo para uma pessoa sem moradia em São Paulo, haja vistos os custos de manter esse apartamento de quatro quartos. Também tem aquela velha esparrela do "quantos quilômetros de metrô se construiria com o preço do trem bala," e ah, um mundo de exemplos.
De certa forma, é o outro lado da moeda da falta de intimidade da maioria das pessoas com números, que no Brasil é particularmente aguda (já vi gente com diploma de engenharia e dificuldade pra distinguir média aritmética de mediana). Assim como as pessoas têm dificuldade em lidar com números, têm dificuldades em saber o que eles querem dizer - ie de fazer a transição entre os números e a realidade que eles descrevem. A matemática como é ensinada usa e abusa de exemplos "da vida real," mas eles são exemplos elaborados de "ilustrações," na minha opinião. Explico: não se trata de ensinar a descrever o mundo matematicamente, a usar números e expressões como linguagem, mas de "um jeito fácil de entender a matemática." Isso é, exatamente o contrário do objetivo real.
O problema é que, claro, desde sempre mas muito mais no mundo de hoje (que é, afinal, enorme), números são a maneira mais eficiente (às vezes a única) de se expressar boa parte dos problemas e soluções com os quais nos defrontamos. Por outro lado, quem não entende bem deles mas pressente isso tende a ter uma atitude ingênua frente a eles. Educar as pessoas mais em matemática não é apenas, como comunicados do MCT fazem parecer, uma questão de termos mais e melhores pesquisadores nas ciências "duras," mas uma questão de cidadania.
4 comentários:
E tem jeito de voce me ajudar na busca por aquele site que animava conexões entre megacorps, pessoas e governo nos EUA?
:-)
Ah, sou o http://twitter.com/cearax porque não posso usar senha onde eu tô.
Abração!
Voce me le?
Desculpas, passei um tempo sem acesso ao blogger (os últimos posts foram mandados por email). Já procuro o site, mas adianto que o root dele não tá mais disponível, só se tiver migrado.
OK. Valeu.
Qual é o seu twitter?
Se puder, favor responder para alexandre_ceara@hotmail.com ou no proprio http://twitter.com/cearax
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