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22.3.11

Valendo o quanto pesa

Um artigo do New York Times fala da quinoa, e de como o cereal boliviano, que caiu nas graças de yuppies e "foodies" mundo afora, está por conta disso ficando caro demais para os bolsos dos bolivianos que tradicionalmente lhe comiam; estes assim passam a comer, como pobres mundo afora, os produtos globalizados da indústria alimentícia, que por sua vez ficam mais baratos. E a exportação de alimentos tradicionais tornados em chiques significa que menos gente é autoprodutora, e o governo passa a ter que sustentar mais gente.

A estória poderia ser em qualquer lugar do mundo, e não só na Bolívia. É o quinoa, mas poderia ser o açaí, o dendê, ou qualquer das miríades de frutas e comidas regionais que eu ainda não comi. Nem é restrita aos países pobres - queijos e vinagres de luxo eram queijos e vinagres locais há nem tanto tempo assim, e a "safra de segunda" dos grandes vinhos franceses cada vez é menos distribuída aos viticultores e mais engarrafada e distribuída mundo afora.

É um resultado do acesso à informação cada vez maior, do mundo cada vez mais interligado por redes virtuais tanto de comunicação quanto de logística; são desfeitas as barreiras que antes resultavam em custos exponencialmente maiores de dinheiro, ou na necessidade de custos não-monetários (o clássico sendo a disponibilidade para viajar - eu mesmo conheci o quinoa às margens do Titicaca, numa versão meio sopa de caminhoneiro).

Assim, e de maneira bem linear, cada vez mais a qualidade e variedade do que se tem acesso depende do quanto se pode pagar, ou melhor, vai deixando de ser condicionado por outros fatores; a localização e especificidades culturais dela vão se tornando irrelevantes na metrópole virtual em que vai se tornando o mundo. Ainda não é uma coisa absoluta - eu mesmo estava reclamando outro dia de como no Brasil ainda não se acha facilmente um bom queijo de Minas no supermercado - mas vai caminhando para isso. E cada vez mais o dinheiro vai se tornando, realmente, a medida de todas as coisas.

PS a deslocalização fica completa pelo passo que o quinoa ainda está apenas começando a dar - a produção, mais competitiva, por produtores estrangeiros, não tradicionais, ou bem em maior escala ou bem "gourmet." O boom econômico para os agricultores representado pela escalada dos preços do quinoa pode não durar muito.

3 comentários:

tunics disse...

preciso dizer: um bom comté ainda é metade do preço na região produtora. e eles afirmam que vendem mais caro pra fora. com certo orgulho de francês que engana turista. e nossa, como tem queijo regional que não conhecemos. eu mesma conheci uns 4 nessa viagem. alguns incomíveis pra quem só conhece adulto. e vinho, conheci todos os do jura. que não são exportados, deus sabe porque.

thuin disse...

Bem, eu disse "ainda." Nem creio que o processo jamais (ou pelo menos antes da pós-escassez) seja 100% completo. Mas a tendência tá aí.

raph disse...

Ainda existe um outro problema nisso: o deslocamento da comida provoca gasto de combustível e as emissões de gases.

Porisso achei fantástica a solução de uma cidade no norte da Itália (isso passou num Globo Repórter a pouco tempo, mas não lembro o nome da cidade agora), onde os produtores locais tentam vender a maior parte da produção na própria área, muito embora as vezes ganhem menos por conta disso.

Infelizmente o dinheiro ainda é a medida, em todo caso, e soluções como essas ocorrem somente em poucos lugares...

Abs
raph