(Com mil perdões a quem ficou com essa música imbecil na cabeça)
No último post, falei sobre como a energia nuclear tem associada a ela um problema de histeria, comparando as atenções mundiais que atualmente se focam na usina de Fukushima-Daiichi com a atenção dada à catástrofe do rio Pomba, quando um dique de rejeitos de mineração se rompeu com as chuvas, em Minas Gerais, afetando o vale do Paraíba até a foz. O número de pessoas postas em risco naquela ocasião era mais ou menos comparável ao número de pessoas em risco neste momento; o número de mortos, a cenários bem próximos do pior que pode acontecer. Et pourtant, nem no Brasil o rio Pomba é, creio, um nome que todo mundo identifique de orelhada.
Pode parecer que eu estava simplesmente defendendo a indústria nuclear de uma reputação imerecida, ou pelo menos imerecida em relação a outras indústrias, mas não é exatamente esse o caso. Acho que dá pra decupar essa preocupação exagerada, entre aspas, com o nuclear em duas vertentes, uma irracional e outra não. Primeiro, pra situar ainda melhor os riscos com a indústria nuclear: esta tem mais ou menos um sexto da importância das térmicas a carvão, em termos de geração global de energia elétrica. Ora, morre mais gente todo ano graças à indústria do carvão do que graças à nuclear desde seu nascimento, a imensa maioria destes sendo os mortos graças a Chernobyl. Isso é, o carvão, em termos de riscos, é como se tivéssemos uma Chernobyl a cada seis anos. Então, dizer que há algum tipo de exagero em nossa análise de risco do nuclear não me parece temerário demais.
A primeira vertente é o medo representado pela própria palavra "nuclear," uma combinação da falta de compreensão do que seja uma reação nuclear e do merecido terror que inspiram as armas portadoras do mesmo adjetivo. Em boa parte da história do movimento ambientalista, a oposição às usinas nucleares tem, inclusive, se misturado à oposição às armas nucleares. Por outro lado, pessoas entendem tão pouco de como funciona uma usina nuclear que perguntam se vai ter uma explosão atômica em Fukushima (não vai), se a nuvem radioativa vai chegar aos EUA (não vai), e se o reator pode derreter e furar até o centro da terra, explodindo o planeta (pelamordejesuiscristinho). Carvão, por outro lado, é carvão. Queima. Todo mundo sabe como.
O outro motivo pelo qual se desconfia dos riscos associados à geração de energia nuclear mais do que de riscos equivalentes ou maiores, entretanto, é eminentemente racional. Ele se baseia na diferença entre um risco gradual e permanente e um risco eventual e catastrófico. Nós podemos fazer, constantemente, correções e melhorias na indústria de carvão. Podemos ver se morreu mais gente este ano e fazer com que morra menos ano que vem. Estamos acostumados a fazer isso, desde sempre, e sistemáticamente desde o iluminismo, pelo menos. Conseguimos administrar problemas incrementais. Estamos, em suma, no controle da situação (mesmo que ela seja horrível). Se não estamos no controle, isso é um erro e um problema, geralmente de causa humana e moralmente condenável. A catástrofe, por outro lado, é obra divina, se nos escapa.
Há mais do que um componente psicológico na rejeição ao risco catastrófico, na preferência pelo (ainda que sabidamente maior) risco constante: é que, por ser catastrófico, ele é (quase por definição) imprevisível. Além disso, a responsabilidade e atuação de outras partes na prevenção desse risco catastrófico é difícil de conhecer, se não propriamente incognoscível. Assim, ninguém sabia que Chernobyl era uma bomba relógio até explodir. Ninguém tinha como saber que a Tokyo Electric tinha comprado geradores imprestáveis para seu sistema de emergência até eles se revelarem como tais numa emergência. E por aí em diante. E suspeitar da capacidade alheia, e da transparência das grandes corporações responsáveis por essa administração de riscos, não é nem um pouco irracional.
Angra 1, por enquanto, só se mostrou uma porcaria na geração de energia e resíduos. Que se saiba, ainda não explodiu...
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