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31.3.11

White Pride

Volta e meia alguém, mesmo sem ser particularmente racista (numa sociedade que é racista, não dá pra dizer que alguém seja inteiramente livre disso), repete aquela pergunta de white power, "se você pode ter orgulho negro, por que não orgulho branco, ein, ein?" A resposta que eu dou normalmente é a tradicional: porque orgulho negro se trata de orgulho de ter sobrevivido, e ainda sobreviver, a uma sociedade que lhe oprime, assim como o orgulho gay; nessa dicotomia, orgulho branco ou orgulho hétero ou bem são uma besteira sem sentido ou bem são orgulho de fazer parte dos opressores (ou, pelo menos, dos privilegiados). E sinceramente, a não ser que você seja uma dominatrix, acho que ninguém acha tão legal ou virtuoso oprimir os outros quanto manter a cabeça erguida diante da opressão. O orgulho negro, ou gay, explícito, se dá justamente para afirmar o valor frente a um orgulho implícito branco ou hetero fortíssimo. É como a piada do dia internacional da mulher; agora que acabou voltamos ao ano internacional do homem.

 Isso tudo, claro, se fôssemos apenas levar em consideração as palavras num vácuo sem história, porque "white pride" tem uma história específica de supremacismo branco, da Ku Klux Klan e dos whiteskins e boneheads. Ignorá-la para fazer retórica barata é como querer fundar um partido cujas bandeiras sejam o nacionalismo, o socialismo, e a defesa dos trabalhadores. Na Alemanha. O Thor até curte...

Racismo reverso não existe, ou melhor, não tem importância, porque não tem poder. Há doidos aqui e acolá como o Farrakhan, mas a Nação do Islã é um culto/gangue obscuro, não o sistema de poder da sociedade inteira. Num país, num planeta em que ser loiro é sinônimo de ser bonito e cabelo pixaim é "ruim," ser xingado de branquelo não tem como carregar o mesmo peso que ser xingado de crioulo. Aimeudeus, sofri preconceito por ser branco e rico porque não me tratavam como igual. Claro, porque o ressentimento de gente que não tem os mesmos privilégios que você é a mesma coisa que o desprezo de quem está acima de você. Falar em racismo de negros contra brancos é imaginar que se trata de tribos díspares em conflito, é entender errado o racismo como manifestação de xenofobia. Curiosamente, é uma visão que depende da existência a priori, e não como construção social, hierárquica e nada neutra, de raças humanas - e que é endossada por que gente que gosta de encher a boca pra dizer que não há raças humanas (então não deveria haver ação afirmativa, é a conclusão).

Hoje, vendo a wikipédia sobre os bairros do Rio, achei algo que atenta para uma das facetas desse orgulho, que se mistura com a noção dos EUA como modelo de civilização. É que o brasileiro - ou pelo menos, e principalmente, a classe média brasileira, que é afinal de contas principalmente branca e poderia concordar com a frase infeliz de Gilberto Freyre quando este diz que o brasileiro se misturou com o negro e com o índio - tem, muitas vezes, um orgulho desmesurado de suas raízes imigrantes. Você tem um único imigrante na família? Basta para se proclamar "italiano," "alemão," ou "espanhol." A importância da imigração é ensinada na escola, mesmo em livros radicais de esquerda, de forma epocal; no fim do século XIX, saem as lutas dos escravos, exceto por uma nota de rodapé dizendo que não foram devidamente apoiados após a abolição, e entram os imigrantes. O povo brasileiro do século XX, nessa visão, é imigrante.

E o Brasil não chega a ser exatamente um país de imigrantes, não na escala dos EUA ou da Argentina. A maior leva imigratória brasileira, de muito longe, foi mesmo a africana, forçada; 4,4 milhões de escravos, versus 3,3 de todos os imigrantes não-escravos juntos. E esses 3,3 milhões de imigrantes, ao longo da maior parte de um século, se somaram a um país que tinha, em 1872, quase dez milhões de habitantes, dos quais seis milhões de pretos e pardos. A imensa maioria do Brasil (e não da classe média) é mesmo descendente, não de imigrantes, mas de pretos, ibéricos da época da colônia, e índios; os imigrantes não chegam a ser um prato principal nessa mistura. Como foram trazidos justamente, em parte, por se acreditar na sua "superioridade racial," e se beneficiaram tanto de leis de imigração que em alguns momentos foram ridiculamente generosas quanto do racismo em geral, os imigrantes rapidamente viraram a nova classe média, expulsando dela a maior parte dos mulatos.

No caso dos bairros da wikipédia, chega a ser hilário. Alguém realmente acha que um componente importante da população de Botafogo é inglês? (No caso, como o modo de valorizar a imigração segundo o modelo americano já foi estabelecido, somaram ali uma igualmente enigmática Angola.)

Outro caso em que esse orgulho, essa ânsia de ser imigrante (e não-negro ou se mestiço só o bastante pra ter bunda, de preferência) fica engraçado é nos números anunciados da população "x" do Brasil. Fora os portugueses e os italianos, cujo número no Brasil é mesmo substancial (se bem menor, no caso dos segundos, que na Argentina), com efeito, os números propagandeados significariam que todo japonês, árabe, e alemão que veio pro Brasil teve mais filhos que o Genghis Khan. Assim, São Paulo sozinha teria mais de seis milhões de libaneses, apesar de haver, nos censos de 1920 e 1940, uns cinquenta mil imigrantes daquelas bandas. Os 250.000 alemães que chegaram até 1970 representariam a maior parte da população do Sul - uma multiplicação de 1 pra cada 50, pelo menos, o que significa que o Gobineau estaria certo e a fertilidade ariana era mesmo maior, já que se os pobres bugres brasileiros da mesma época tivessem se multiplicado do mesmo jeito, o Brasil seria mais ou menos do tamanho da Índia.

2 comentários:

raph disse...

Heh excelente o texto Thuin.

Existem já um monte de racistas assumidos no país, pelo menos assumem "em família", mas a grande maioria é racista mesmo sem perceber.

Por isso que é sempre válido refletir sobre isso...

Para mim, o racismo é sobretudo um fardo. O que eu tenho de racista, tento sempre me livrar, pois em última instância é apenas ignorância, uma ignorância que pode me afastar de conhecer boas pessoas.

Abs
raph

raph disse...

Nossa, realmente, o campo "Imigração predominante" nessas páginas de Bairros na Wikipedia é uma viagem total :)

Eu posso postar esse texto no meu blog? Devidamente referenciado claro...

Abs
raph