A maioria das grandes universidades públicas brasileiras tem seus campi principais em "cidades universitárias," grandes extensões que poderiam muito bem ter nascido, armadas de égide e lança, da testa de Le Corbusier. As faculdades dentro de uma cidade universitária se espalham por vastos parques de grama com algumas árvores, têm poucos andares e são interligadas por estradas asfaltadas largas, com duas a quatro pistas carroçáveis por sentido. Como tais, essas cidades universitárias dependem do uso do automóvel para locomoção interna (ou de ônibus circulares). Mesmo quando estão próximas à rede de transporte de massa, essa forma de campus faz com que essa proximidade seja, quando muito, relativa; assim, para ir da estação "Cidade Universitária" da rede de trens paulista (ou da extensão via ônibus do metrô) até algumas das faculdades da USP é uma caminhada de pelo menos
Educação Física: 670m
Educação: 1300m
História: 2000m
Comunicação: 2100m
Economia: 2600m
Arquitetura: 2730m
Nem pode-se alegar que essa situação é algum tipo de herança maldita dos anos do alto modernismo e do CIAM, nos quais foram erguidas as cidades universitárias. Afinal, a USP, pelo menos continua sendo contra a instalação de uma estação do metrô dentro de sua cidade universitária. E, mais absurda e imediatamente, não se vê ninguém fazendo, a custo quase zero, a solução óbvia, aliás a oportunidade oferecida pelas tais avenidas de seis, oito faixas.
Vá a qualquer faculdade da Ivy League americana. Aliás, a qualquer faculdade em boa parte do mundo. O que você vai ver são bicicletários dignos da Holanda: o modo natural de se deslocar em universidades é a bicicleta. A bicicleta como modo de deslocamento urbano em geral apresenta dificuldades de implantação (falta de espaço para ciclovias), relevo (ninguém vai ao trabalho subindo a Augusta de bicicleta), distância (ninguém vai de Santa Cruz a Botafogo de bicicleta), e segurança, no caso da bicicleta pública. Nenhum desses problemas está presente nas cidades universitárias. O preço de se fazer de um terço das pistas de carro duas vezes o seu número de pistas de bicicleta, e converter parte dos estacionamentos em bicicletários, é mínimo (e deveria ser feito mesmo sem ser como parte do projeto maior). As distâncias são, de bicicleta, pequenas. Com chips RFID, controlar onde estão bicicletas públicas modelo Vélib é facílimo, ainda mais que as cidades universitárias têm um número relativamente restrito de entradas e saídas. E com isso poderia-se abater em muito o número de carros e até ônibus circulando pelos campi.
Pera, esqueci de explicar o que é modelo Vélib, não? É o modelo parisiense de locação de bicicletas. Funciona assim: as bicicletas ficam estacionadas em pontos ligados a totens. Esses totens têm um painel digital e entrada para cartão de crédito/débito. Você pode alugar a bicicleta usando um, com uma quantia bem módica - mas ao mesmo tempo tem que aceitar uma "caução" imposta sobre o cartão, que será cobrada caso a bicicleta não seja devolvida em alguma estação do sistema. Outra dificuldade do modelo vélib no Brasil é o acesso restrito a cartões de crédito/débito. Ora, noves fora o próprio público universitário (obviamente alunos e professores, mas até os funcionários) ser bem mais rico do que a média brasileira, seria relativamente fácil criar um sistema de pagamento e caução paralelo, utilizando as identidades universitárias e pagamento em dinheiro.
(Pessoalmente, acho que vélibs funcionariam mesmo nas cidades brasileiras como um todo, apesar de dificuldades maiores em algumas cidades e áreas. Mas nas CUs, é mais fácil ainda.)
3 comentários:
Tiago,
eu entendi mesmo sua ideia? Sua sugestão é de implantar um sistema público de bicicletas funcionando dentro dos campi, para reduzir o tráfego dentro deles? Mas isso é mesmo um problema? Minha impressão era que campi grandes e espalhados (como os da USP, da UFMG; grande, mas menos espalhado, o da Unicamp) compensavam isso concentrando suas atividades, de tal modo que um aluno da letras (por exemplo) faria a absoluta maioria de suas disciplinas no prédio da FALE (na UFMG), ou um professor de arquitetura daria a totalidade de suas aulas no prédio da FAU (na USP). Se muito, consigo imaginar este aluno tendo de se deslocar ao refeitório, ou um funcionário tendo de se deslocar à prefeitura do campus ou à reitoria, mas duvido que a maioria o faça de carro (é claro que eu conheci alunos que iam de carro de um estacionamento da universidade a outro, um percurso que, a pé, ida e volta, levaria menos tempo que de carro – mas este certamente não é o público que vai adotar sua ideia). Professores, sim, na minha experiência, tendem a usar o carro quando têm de ir (p. ex.) à reitoria – mas imagino que estes apresentariam resistência a usar bicicletas (talvez com razão – chegar suado ou com a roupa amassada para uma reunião importante não parece recomendável).
De fato, eu lembro de ter ouvido dizer que queriam implantar algo como o que você sugere na UnB (se me lembro, a iniciativa era dos alunos, o que quer dizer que os recursos eram bem menores, e que a sofisticação, proporcionalmente menor. Nada de chips, portanto, para rastrear bicicletas. Por outro lado, o objetivo era que o serviço fosse gratuito.) Minha impressão, porém, era que o problema que eles visavam a solucionar não era tanto o do tráfego de carros, mas o tempo de deslocamento entre uma sala de aula e a outra.
Finalmente, gostaria que você fundamentasse sua afirmação de que na maior parte das universidades do mundo a bicicleta é a forma natural de deslocamento. Na minha experiência (de fato, limitada), não é assim, não. Algumas pessoas podem até ir pra universidade de bicicleta (certamente não a maioria; nos EUA, aliás, poucas cidades são adaptadas a ciclistas), mas pouquíssimas se locomovem dentro delas de bicicleta (a maioria se locomove a pé). Sem falar que, no inverno, bem menos gente anima a usar a bicicleta.
Posso confessar uma coisa - logo eu, que reclamo tanto disso, acho que propus em parte uma solução à procura de um problema. Tem toda a razão, os deslocamentos entre unidades no campus não são tão comuns. Por outro lado, há um número razoável de deslocamentos que são ou deveriam ser feitos, eg bandeijão ou alojamento; estes ou são feitos de carro ou tediosamente a pé. E seria um projeto-piloto para a implantação em maior escala.
Quanto a fundamentar a minha afirmação sobre as bicicletas mundo afora, não posso porque é só impressão minha.
em besançon, que para todos os efeitos práticos é uma cidade universitária, a caução ao invés de ser no cartão é feita com um cheque deixado na prefeitura. só pra completar a sua ideia. e é mais barato que em paris, claro.
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