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14.10.10

A falsidade da equivalência

OK, estou aqui escrevendo como eleitor assumido da Dilma. Caveat emptor. Mas uma falácia que vejo muito comum entre gente que fala que vai votar nulo é a falácia da falsa equivalência, que antes vi muito em gente falando que tanto fazia o Bush como o Gore para presidente dos EUA - inclusive eu. A falácia segue um esquema lógico simples:

A =! C
B =! C
=> A = B

Se nem A nem B são iguais a C, então se equivalem.

Ora, acho que qualquer pessoa, pensando um pouco mais sobre essa linha de raciocínio, verá que ela é falsa. Ad absurdum, é a alegação de gente por aí que nazismo e comunismo são a mesma coisa porque nenhum dos dois é democrático - digam isso para os nazistas e comunistas pra ver no que dá. Ainda ad absurdum, dessa vez no uso lógico da ferramenta, é como dizer que se nem o Sol nem a Lua são os luzeiros postos por Deus na Gênese, nenhum dos dois emite luz própria. Ou que se nem eu nem o Barack Obama somos os Johnny Depp, eu e o Obama somos a mesma pessoa.

Num post anterior, "pingos nos is," falei de por que o Serra e o PSDB em geral não são, nem um pouco, de esquerda. Às vezes se fala em resposta "ah, mas o PT não é de esquerda perfeita, pura e casta." Não, não é. O PT fez muita merda, e continuará a fazer. É de esquerda, sim, e parte de um governo de coalizão que é de centro-esquerda algo tímida. (E que, mesmo assim, causou o que só pode ser descrito como uma revolução social no Brasil, com a universalização do bolsa-escola do Cristóvam Buarque.) O PSDB, por outro lado, sempre foi de direita, e é até curioso que tenha que negar isso quando se apresenta ao público para se eleger. De novo: o PSDB, ao negar sua orientação estado mínimo, não está mentindo sobre mesquinharias tipo Paulo Preto e mensalão. Está negando a própria linha-mestra de suas convicções econômicas.

O PT recuou da defesa do PNDH 3, e isso é ruim? Sim, mas o PSDEMB atacou o PNDH 3. Se você liga para direitos das mulheres, pretos, e gays, a sua escolha é entre o partido que está com medo de assumir que os apóia e o que bate no peito pra reafirmar que é contra. Se acha ruim a privatização e desnacionalização, entre um partido que não a reverteu contra um que a promoveu. E por aí em diante. Mesmo se o teu voto é o ético, dê uma olhada na proporção de parlamentares petistas envolvidos em processos judiciais, e na proporção de parlamentares do PSDEMB. (O PMDB será governo de qualquer jeito, assim como PR, PP, PTB, e quejandos.) Se se preocupa com o meio ambiente, a alternativa é entre o partido que, sob Marina Silva e Carlos Minc, cortou em 90 por cento o desmatamento na Amazônia, mas também aprovou hidrelétricas na Amazônia, e aquele no qual uma maioria dos governadores e senadores, eleitos e atuais, fala em acabar com o código florestal (e também é a favor de hidrelétricas na Amazônia, claro).

E se diz "ah, mas não gostar do Serra não quer dizer gostar da Dilma," bem, sinto muito. Enquanto havia alternativas, tudo bem; essa é a graça da eleição com dois turnos. Agora não tem mais alternativa. Não existe "nenhum dos anteriores." Essa é a outra falácia, a de que é possível escolher o não. Você pode ajudar a escolher um ou outro, ou deixar que outros escolham sem sua participação, é tudo.

5 comentários:

raph disse...

Eu gostei de uma definição que vi do 2o Turno no Twitter (acho), que seria como uma final de Copa do Mundo entre duas Argentinas.

Mas claro, não existem duas Argentinas...

O problema do PT de José Dirceu e das coligações com sarneys e collors da vida, é que do PT de Lula se esperava mais. A cobrança é maior e sempre será, simplesmente porque o PT de Lula era pra ser uma Seleção Brasileira, e não um Equador. E agora, nem sabemos se teremos ainda um Lula lá...

Apesar de tudo, ainda existe uma coisa que o PT fez nos 8 anos do governo Lula que não pode ser relativizada nem diminuída de jeito algum: no período, a renda média da população mais pobre cresceu bem mais que da parcela mais rica - ou seja, inequivocamente houve maior distribuição de renda.

Se eu não votar nulo, vai ser exclusivamente por conta disso...

Abs
raph

thuin disse...

Mas o que eu tô dizendo é justamente que a alternativa não é aprovar ou não o PT. É entre o PT e o PSDB-DEM.

E quanto ao Sarney e ao Collor, eles estariam em qualquer dos dois, assim como fizeram parte dos governos FH e Lula. E como fariam parte de um hipotético governo Marina Silva.

L.M. disse...

Tiago,

não tem falácia, não. Quer dizer, se o raciocínio for como o que você diz, ele é claramente falacioso – mas há um jeito mais razoável de reconstruir o raciocínio.

A ideia, me parece, é que alguém quer C, mas as únicas opções de escolha que ele tem são A e B, e A e B claramente não satisfarão seu desejo por C. Nenhuma falácia aqui.

Por exemplo, suponha que eu queira uma Coca-Cola, mas na padaria só tem Pepsi e Guaraná. Como nem Pepsi, nem Guaraná são Coca, me parece razoável concluir que nem Pepsi, nem Guaraná matarão meu desejo por Coca-Cola. Considere mesmo o exemplo que você julgou reduzir o racicíonio ao absurdo – o Tim Burton quer filmar um novo filme com o Johnny Depp, mas ele não está disponível; se o Tim Burton quiser, tem você e o Obama, mas por que ele haveria de querer?

É claro que escolhas no mundo são mais complexas. Pode ser que não tenha Coca-Cola, mas eu que eu esteja com muita sede; neste caso, pode ser que eu prefira beber Pepsi a morrer de sede. Nestas situações não-ideais, realmente temos de distinguir as opções que, do ponto de vista ideal, pareciam igualmente ruins. Mas isso não quer dizer que elas nunca sejam igualmente ruins.

Nem quer dizer que nunca seja melhor escolher não escolher. Por exemplo, suponha que um bandido me obrigue a escolher qual de duas pessoas aleatórias ele vai matar: as duas alternativas são muito ruins, e parece razoável dizer que não tomar uma decisão aqui seria uma maneira de não compactuar com o crime (e portanto a melhor saída).

Acho que o voto nulo se vale um pouco dessa retórica de não compactuar com o crime, de manter uma certa pureza heroica; se o argumento se sustenta por si só é questionável – mas falacioso ele não é, não.

thuin disse...

Mas eu não disse que todo mundo que vai votar nulo tenha caído nessa falácia, só que "muita gente" o tenha feito, ué. Concordo plenamente, que tem gente para quem votar nulo seja razoável - digamos, alguém que não acredite no processo eleitoral em si, ou alguém que seja efetivamente nazista, ou de esquerda revolucionária, ou o que seja. Ou mesmo que tenha essa atitude, digamos, de pureza olímpica que você mencionou (que, para ser coerente, deveria ter se traduzido em voto nulo desde o primeiro turno, que fique bem claro. Afinal, Marina Silva também é aliada do clã Sarney, e Plínio foi colega de partido do Babu por uma década). Mas não era a esses que eu me dirigia.

L.M. disse...

Tiago,

Talvez eu não tenha sido claro, mas não tem falácia, aí, não. No máximo, uma premissa falsa – a de que Serra e Dilma são iguais. Eu concordo com você que, em vários aspectos, eles são diferentes, e certamente nos aspectos mais relevantes para a votação.