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22.10.10

Sem carisma

Muita gente diz que nenhum dos dois candidatos à presidência é particularmente carismático. Mas o campeão de falta de carisma no Brasil é mesmo o Cerrado. Enquanto gente mundo afora tenta salvar a Amazônia, enquanto se fala de salvar o Pantanal, o Cerrado, que corre muito mais riscos do que ambos, está prestes a acabar e ninguém liga muito pra isso. Uma das maneiras pelas quais ele pode ser destruído sem problemas é a brincadeirinha do "podemos expandir a agricultura mediante o uso de pastagens degradadas, que o pessoal "mais razoável" da bancada ruralista repete sempre. Ora, o que é pastagem degradada, exatamente? Na definição específica da Embrapa, é uma área que foi utilizada para o cultivo de forrageiras para o gado até o empobrecimento do solo, hoje cheio de voçorocas e desbarranqueamentos. Na definição-prestidigitação pela qual se pode ampliar enormemente a área cultivada do Brasil, é qualquer pastagem que não seja atualmente objeto de cultivo de forrageiras para manejo moderno de gado. Isto é, inclui muita área que também é cerrado.

Isso porque, apesar daquele mapa do IBGE com a manchona "antrópica" avançando sobre os "biomas naturais," essa distinção é inteiramente artificial - e menos nítida do que parece. Os solos mais férteis da Amazônia, desde sempre, foram chamados, afinal, de "terra preta de índio," e têm evidências de terem sido manipulados em tempos pré-colombianos. As pimentas, de sua origem na área do rio Parnaíba, hoje dão no mato em toda a América do Texas ao Uruguai, graças ao cultivo humano. Coqueiros, mangueiras, jaqueiras... em alguns lugares, essas espécies invasoras são combatidas, como no parque da Tijuca, mas na escala macro é difícil fazer isso; espécies invasoras, incluindo aquelas criadas extensivamente e em baixa densidade pelo ser humano, convivem bem com o ecossistema "nativo."

Seria a idéia de expandir, e muito, a noção de parque nacional, para tentar salvar pelo menos parte do Cerrado. Hoje, possibilidade de ocupação de um parque nacional ainda carrega um ranço da velha noção de tutela que incidia sobre as reservas indígenas, em que um índio tinha direito àquela terra para desenvolver sua sociedade porque era um incapaz para sobreviver na sociedade mais desenvolvida; enquanto isso, no Reino Unido, a maior parte dos parques nacionais está cheio de gente, e até algumas cidades, dentro. Essa noção já está presente na própria lei, que, como frequentemente acontece no Brasil, é até bastante avançada. Mas se você olhar no mapa, verá que são pouquíssimas as áreas de proteção de uso sustentável apareceram principalmente na Amazônia e, fora dela, em alguns lugares de especial interesse turístico. A conclusão é óbvia: foram usadas no lugar de dar terras a comunidades tradicionais, ou de reservas naturais integrais, e não em adição a elas.

Quem quer que seja o próximo presidente vai ter que se ver às voltas com um Brasil extremamente vulnerável à mudança climática, e para o qual a maior parte das emissões do efeito estufa é oriunda do desmatamento (em segundo lugar, para incredulidade do secretário do meio ambiente de São Paulo, vem metano saído do bucho das vaquinhas). Inclusive essas hidrelétricas todas que eles querem tanto construir vão secar se o planeta aquecer muito e/ou o Cerrado perder muito mais mato.

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