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6.10.10

Um copo meio cheio e dois meio vazios

Meu copo meio cheio é que acho surreal o clima de desânimo e derrota de gente que apóia a Dilma por não ter ganho no primeiro turno. Lula não ganhou no primeiro turno, e o mapa eleitoral dele foi pior que o da Dilma. Primeiro turno não é resultado normal, é goleada. E sem o apoio unânime da grande mídia e dos governadores do Sudeste (Minas e SP são sempre do PSDB, já o Rio é do PMDB, portanto do governo, qualquer governo), ninguém ache que a esquerda vai jamais ganhar de goleada uma eleição nacional. Quem ganha de goleada é direita que esteja ocupando o cargo, e olhe lá.

Isso dito, a vitória de Serra, se acontecer, será bem pírrica. Dentro do PSDB, terá se hipotecado a Aécio e Alckmin, o que pode não contar muito para alguém useiro em traições internas e já odiado pela maior parte do próprio partido, Tasso Jereissati que o diga. Aliás, se alguém acredita na declaração do Tasso de que vai se empenhar de corpo e alma na campanha do Serra, tenho um belo terreno em Xena para vender. Fora do PSDB, terá que lidar com um Congresso muito menos amistoso do que o que FHC conheceu, com uma bancada maior do PT e outros partidos de esquerda e uma muito menor do DEMo. (O crescimento do PMDB é irrelevante.) A esquerda teve uma vitória eleitoral no legislativo, como teve na campanha presidencial. Só que não de goleada, em nenhum dos dois casos.

O meu copo meio vazio é que, sinceramente, a maioria dos votos pró-Marina provavelmente vão virar votos pró-Serra. Posso estar enganado, mas decuparia os votos pró-Marina em cinco grandes temas, com alguma sobreposição entre si:

1 - Os tão temidos votos evangélicos. Esses, sinceramente, serão Serra ou nulo. Inclusive porque, vamos lá, parte do que eles acusam é ridículo : Temer pode ter cara de mordomo de filme de terror, mas não é satanista; ninguém vai proibir cultos, nem se imiscuir nos sacramentos das igrejas. Mas parte é bem verdade, e será uma grande derrota abdicar desta parte progressista em nome dos votos evangélicos. O PT é mesmo, graças a Deus, a favor da legalização do aborto e do casamento civil homossexual.

2 - Os votos verdes propriamente ditos. Estes provavelmente cairão meio a meio (e mais pros nulos). Mas poderiam, talvez, ser influenciados pela realidade; assim como os evangélicos conservadores terão toda a razão em votar contra Dilma, os verdes deveriam votar contra alguém que põe um ruralista de Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, e que ataca a constituição de reservas ecológicas e indígenas.

3 - Os votos "éticos," votos contra "tudo isso que está aí," e a política em geral. São, um pouco, estranhos, já que Marina não é uma outsider, é uma política experiente, com décadas de experiência, a maior parte no PT execrado por boa parte do pessoal do voto "ético." A maioria destes deve ir pra Serra, porque são também o voto da grande imprensa. (Só o Estadão, logo o menos militante, declarou voto, mas quem achar que Globo e Folha são neutros, pra não falar da Veja, ganha um terreno em Plutão.)

4 - Pessoas que votaram no moderno, no novo, numa agenda para o século XXI, num grande projeto, enfim na tábula rasa em que deliberadamente a Marina se tornou durante a campanha - já que de projeto e programa reais o da Marina que se pode ler é uma radicalização do projeto neoliberal, com algum greenwashing, e não uma opção pelo desenvolvimento menos rápido mas mais sustentável, como já vi gente projetando na tabula rasa. E(Quem acreditar que a Natura pretende desacelerar o crescimento em prol do meio ambiente ganha terreno em Caronte.) Estes vão na maioria anular; dos que sobram, imagino que a maioria vote Serra, e seja bem pouco influenciável.

5 - Pessoas que rejeitavam a polarização entre PSDB e o PT, e/ou desejavam um segundo turno por questão de princípio. Estes provavelmente cairão um pouco mais pra Dilma.

Nenhum dos 5 é particularmente influenciável pela posição a ser tomada nem da Marina (provavelmente neutra) nem do partido verde (provavelmente Serra), aliás, então não sei por que PT e PSDB pintaram a cara de verde com tanto gosto. Bem, talvez os 4 e parte dos 2.

Agora o copo meio vazio que não é meu: enquanto tem gente que diz que Marina é a pessoa mais poderosa do Brasil, eu pessoalmente acho que ela está é numa sinuca de bico. Ela detem um poder enorme que, como em algum sistema místico-esotérico, vai se dissipar no momento em que tentar usá-lo, só existe em potência. (Com perdão do trocadilho). Os exemplos que ela tem de situações parecidas com a dela são o Gabeira e a dobradinha Cristóvam-HH, mostrando que nem a aliança com a direita nem a neutralidade reverteram em bons dividendos políticos. Cristóvam conseguiu ficar senador, HH e Gabeira estão no olho da rua. E se bandear para o lado da Dilma envolveria vencer ressentimentos pessoais que sem dúvida existem, além de inevitavelmente diminuir o próprio status. (No limite, diria que resultaria em algo não muito diferente - talvez um pouco melhor, pelas afinidades programáticas, mas não muito - da aliança do Gabeira com o PSDB.)

Por outro lado, o partido dela é bem mais simpático ao PSDB até do que a ela, e bastante organizado em torno de seus cardeais paulistas e fluminenses. Não dá pra invejar alguém nessa situação; o afago no ego não compensa a sinuca de bico.


PS Um copo inteiro cheio: César Maia e Picciani não se elegeram ao Senado. Ahhhh Schadenfreude...

PPS Se alguém acha que a própria Marina realmente acredita no discurso que iguala PSDB e PT, tenho um terreno em Gabrielle pra vender...

PPPS Este blog não se responsabiliza pelo uso dos termos Xena e Gabrielle para o plutóide conhecido pela UIA como Eris e seu satélite Disnomia. Quaisquer consequências legais, pessoais, ou ontológicas que possam advir desse uso não serão imputáveis a este blog.

2 comentários:

Marcus Pessoa disse...

Ah, Dilma vai ganhar tranquilo, a não ser que aconteça alguma catástrofe.

Eu só lembro a sangria desatada de 2006, todo mundo com certeza de que o Lula ia perder, numa situação pior do que agora, e ganhou fácil.

Acho um tanto exageradas essas suas previsões de tranferência de votos de Marina pra Serra. Até entre os eleitores do Serra tem um contingente de uns 25% que votaria em Dilma num hipotético segundo turno entre ela e Marina. Menos que isso, entre os eleitores de Marina que não vão anular, a Dilma não vai ter, e isso já garante a vitória.

raph disse...

Eu acho que o voto da Marina era o voto do séc. 21 - o voto do 2o Turno vai se dividir entre os que acham que existe uma batalha ideológica e os que acham que existe projetos de poder com diferenças aqui e ali.

Pelo menos os últimos não estarão iludidos de que existe ainda ideologia no PT. E quem vota no PSDB nunca ligou pra ideologia nenhuma anyway.

Abs
raph