(Ressuscitando um post antigo, mas que achei relevante agora.)
Há algum tempo, escrevi aqui uma crítica à obsessão pelo poder federal brasileira, no caso representada pelo Villas Boas Corrêa, que falava do desmatamento e do ensino básico como se fossem assuntos federais. Agora tem uma extensão do raciocínio, menos segura: tem gente que é menos assustador imaginar de presidente do que de prefeito ou governador. Isso porque um presidente, ou melhor dizendo, um poder federal, tem um poder muito "vasto e difuso," não lida com as pessoas ou as relações entre elas diretamente. Fora ser uma esfera em que "checks and balances" - tanto no sentido institucional, dos controles por outros poderes, quanto num mais amplo, incluindo a pressão de diversos grupos organizados, nacionais e internacionais - são muito mais ativos. Enquanto isso, uma administração municipal pode acumular absurdos abertamente higienistas,* como demonstrado pelo Serra ultimamente, sem maiores problemas. Pode, através do urbanismo, moldar a própria forma das relações sociais numa cidade (fora, obviamente, a forma física da cidade). Os efeitos de um prefeito são de muito mais longo prazo do que os de um presidente. E incluem coisas que não se atém ao "social" no sentido socioeconômico que ele geralmente toma, mas têm efeito na vida e cultura da cidade, como quando o prefeito do Rio empreende uma campanha acirrada contra qualquer tipo de manifestação cultural alternativa na cidade, incluindo shows de rock, com uma proibição absoluta de coisas novas na Zona Sul, e aí importa uma banda de mais de quarenta anos, a peso de ouro.
Enquanto isso, os governadores são o locus de poder da política brasileira. Praticamente controlam o Congresso e as eleições presidenciais. Arrecadam uma proporção dos impostos bem maior do que em outras federações (mesmo federações muito mais radicais do que a nossa, como a Índia, onde o estado de Kerala conseguiu implantar um sistema comunista durante meio século). Têm o poder mais radical do Estado, que é o poder de polícia, inteiramente em suas mãos (apesar de isso começar a mudar com as guardas municipais). Usam esse poder pra matar mais de 6.000 pessoas por ano, tudo preto e pobre. (Pra efeito de comparação, a truculenta polícia americana, em um país 60% maior, mata 800. Na Europa, com mais do que o dobro da população, é um escândalo se a coisa passa de dois dígitos.)
Prefeitos e governadores administram ainda a saúde e a educação públicas, fora, nos estados com mais recursos, boa parte da educação terciária e pesquisa. (Depois do sucateamento federal da Era FH, o sistema paulista de ensino terciário passou a ser mais rico do que o conjunto do sistema federal).
Então, sinceramente, eu tenho mais horror a gente como o Serra numa prefeitura ou num governo estadual do que na Presidência.
*Anti-semita - quem odeia judeus
Racista - quem odeia uma raça (de preferência pretos)
Higienista - quem odeia pobres
Nenhum comentário:
Postar um comentário