Uma matéria que se sucede todo dia n'O Globo é a que fala da operação do dia do "choque de ordem" da Prefeitura do Rio. Similarmente, aqui em São Paulo, uma das prioridades da gestão Serra-Kassab tem sido impor a "ordem," fechando bares e casas noturnas, varrendo mendigos e ambulantes das calçadas, e de modo geral permitindo que "gente bem" possa se sentir em paz numa cidade silenciosa e vazia. Símbolo máximo disso: a Vai-Vai, campeã do Carnaval de 2011, encerrou seu baile de comemoração à meia-noite em ponto, para não incomodar o sono das famílias de classe média da Bela Vista (nunca chamem o bairro de Bixiga, exceto talvez se estiverem vendendo uma cantina).
Essa ordem vazia advogada por eles é estranha. Não apenas porque eu, pessoalmente, prefira a bagunça. É que ela parece levar ao extremo a visão das ruas da cidade como apenas um sistema circulatório (Sennet diria à William Harvey), transportando corpúsculos entre os diferentes órgãos, onde toda a vida acontece. Ao deixar as ruas da cidade vazias, entretanto, e paradoxalmente, tendo em vista a paranóia obsessiva com segurança das pessoas que formam a base do eleitorado do PSDemB (ok, Paes agora saiu, mas o espírito é o mesmo), deixa-se a rua mais insegura.
Isso porque a tal da "ordem" deles não é senão o vazio. Não se está pondo algo na rua, uma nova socialização (que teria que ser por linguagem de sinais, imagino), novos usos e atividades. O que se está fazendo é remover o que existe. E, bem, o vácuo não é ordem. Muito pelo contrário, o vácuo é, nas línguas semíticas, indo-européias e turcas mais antigas, bem como nos ideogramas Shang, sinônimo de caos. Pangu e Marduk têm que derrotar o caos-vazio para que haja universo. E é justamente quando se remove o existente que as coisas fogem de controle. (Um paralelo, ainda na questão de segurança, é a imbecilidade de se matar traficantes a rodo, mesmo ignorada a moralidade; o efeito não é eliminar o traficante, já que as condições de produção deste continuam lá, mas substituí-lo por outro, mais radical e violento.)
O exemplo mais patente disso pode ser visto na praça Roosevelt. A praça, que era deserta e perigosa, voltou à vida quando se transformou num pólo de teatro alternativo e barzinhos, sem nenhuma ajuda do poder público. Era um lugar relativamente seguro e agradável, aonde milhares de pessoas se reuniam. Aí, em nome da "ordem," foram proibidas as mesas na calçada, foram fechados os bares à meia noite. A praça voltou, por um tempo, a ser um lugar deserto. Um dos que ainda tentavam se aventurar por ali, o dramaturgo Mario Bortolotto, foi baleado numa tentativa de assalto.
Não se pratica assaltos à mão armada, em geral, em lugares iluminados, movimentados, e cheios de gente, exatamente o tipo de espaço que Kassab e Paes estão tentando eliminar. A ordem deles é, no sentido mais puro e original, o caos.
Um comentário:
Sem discordar da análise, lembro que é melhor choque de ordem que ordem de choque...
Postar um comentário