Pesquisar este blog

10.7.04

Favela não é pobre

O discurso sobre as favelas continua a agir como se quem mora nelas fosse só pobre-coitado, excluído, "sem."

Bom, fora o fato de que hoje em dia, no Brasil, sem-dinheiro e sem-governo são muitos (todos aqueles que não são amigos de Marco Aurélio de Mello), o Vidigal e a Maré têm muitos indicadores sociais bem melhores que a média do município. A renda média é bem menor, mas a mediana nem tanto*. A maré tem banda larga de internet. 30% dos moradores do Cantagalo caem nas classes C1 e B.

Qual é a diferença, então, se a definição inclusive do IBGE (que ainda ressalta algo parecido com "habitação precária de taipa, alambrado ou adobe") não serve? A diferença é que a favela é "sem" estado. Enquanto do lado de fora dela vive-se nessa cidade moderna, pós-indivíduo**, numa comunidade apenas imaginária, a favela vive numa comunidade efetiva, dando razão ao eufemismo.

O que justifica, logicamente se não moralmente, a estratégia de guerra adotada pelo governo. Não se trata de combater o tráfico, mas de ocupar território inimigo. O problema dessa estratégia é, além do número estúpido de mortes que causa, ainda mais vergonhoso porque é un número racista e classista, que eu já assisti a muito filme de Vietnã, e em nenhum deles os EUA ganham. Se a idéia é acabar com as favelas, nesse sentido de corpo à parte, não será radicalizando a oposição que se conseguirá nada. Por outro lado, integrá-las numa comunidade imaginária, ausente o conflito, é algo relativamente fácil. Afinal, todos os estados modernos vêm fazendo isso há séculos. Tudo bem que alguns têm abandonado a idéia ultimamente - a favela é o sonho do multiculturalismo pregado pela política oficial canadense, por exemplo.

Por enquanto, ainda não há, que se saiba, um forte nacionalismo favelado, ou uma "consciência racial" (que acaba sendo quase a mesma coisa)***. Mas alguns anos mais tomando paulada da PM cuidam disso.


* Média - soma tudo e divide por todo mundo. Mediana - metade das pessoas está acima desse ponto, a outra metade abaixo.

** Tudo bem, no Brasil nem tanto quanto em outros países, principamente quanto no "Primeiro Mundo" ou "Ocidente."

***Apesar dos esforços daqueles que acreditam que, trocando o racismo à brasileira pela variante ianque, tudo se resolveria. Alguém um pouco mais pessimista imaginaria que a introdução mais acentuada da variante americana só faria criar um híbrido do que há de pior nas duas, e não que um racismo eliminaria o outro.

Nenhum comentário: