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17.10.12

Carta aos reaças II

Sou - creio - meio chato na tecla de se reduzir a desigualdade através do aumento dos impostos de renda e patrimônio. Isso porque acredito que a igualdade é um bem-em-si; o golfo social entre eu e outros privilegiados, de um lado, e a massa maior do outro me incomoda mais até do que o golfo entre eu e os "1%" do movimento Occupy wall street. Mas existe um motivo bom, liberal-ortodoxo em economia, para reduzir a desigualdade, e que não tem nada a ver com socialismo, fraternidade, ou outras questões de bichinha coração de banana. É que a desigualdade aumenta os custos do Estado. E, afinal de contas, reduzir custos, especialmente os do Estado, é uma das bandeiras mais velhas do liberalismo. Foi a bandeira da criação do semanário inglês The Economist, cujo nome antedata a profissão de economista, e se refere à frugalidade.

Não é um processo muito complicado. A expectativa de renda de uma pessoa não é ilimitada (como proposto por algumas escolas econômico-filosóficas) mas, empiricamente, ancorada numa noção de renda justa que tem muito a ver com a renda observada do mesmo estrato social. As consequencias disso para o gasto do Estado se devem ao número de profissionais altamente qualificados que são necessários para a manutenção dos serviços públicos, desde a implantação de princípios ostensivamente meritocráticos para a burocracia de Estado na Prússia e na França (ok, e bem antes disso na China). Esses profissionais, parte de uma elite social por um zilhão de motivos (inclusive a reprodução intergeneracional de seu capital social ostensivamente meritocrático), e tem suas expectativas de renda balizadas pelo seu entorno. O Estado, portanto, (como qualquer empregador) a longo prazo terá o salário médio de seus profissionais qualificados puxado para a média dos salários de elite, ou bem terá que conviver com a insatisfação crônica desses profissionais e, no limite, o abandono por parte deles das carreiras públicas.

Vamos fazer uma simplificação tosca pra exemplificar a conta: Falemos de duas nações, Laputa e Houyhnhn. Em ambas, os funcionários públicos qualificados - médicos, professores universitários, promotores, auditores, e quejandos - representam 5% da população. Em ambos, os governos têm como prioridade o bom funcionamento dos serviços públicos, então o salário médio de seus funcionários está em linha com suas expectativas, isso é, em linha com os rendimentos do quintil (20%) mais rico da população. A diferença é que em Laputa, o quintil mais rico ganha 3,6x mais que o PIB per capita, enquanto em Houyhnhn, mais igualitária, o quintil mais rico ganha apenas 1,7x o PIB per capita.* Pois bem, para fazer funcionar a contento sua máquina pública, Laputa gastará 18% do PIB só em salários de funcionários qualificados, enquanto Houyhnhn gastará 8,5% do PIB com os mesmos funcionários.

Vamos lá: o simples fato de a desigualdade ser menor em Houyhnhn faz com que seu governo, para prover os mesmos serviços aos cidadãos, possa ter uma carga tributária 10% menor. O equivalente a desonerar o tal "setor produtivo" de toda a arrecadação estadual brasileira. Não é uma discussão pequena, em tempos em que hospitais erguidos não funcionam por falta de médicos, e universidades novas não conseguem achar professores. Na mesma tradição da direita que, previdente, pretende reformar a previdência pensando no longo prazo, os efeitos de uma redução de 10% na carga tributária no longo prazo não podem er subestimados. Sem coração de banana.


*Sâo as razões brasileira e japonesa, respectivamente.

2 comentários:

Edson Alves Jr. disse...

O pessoal da The Economist parece que te ouviu: http://www.economist.com/node/21564556?spc=scode&spv=xm&ah=9d7f7ab945510a56fa6d37c30b6f1709

(Reclamam que só do aumento de impostos, e usam o tema pra tentar lascar os welfare states europeus, mas quando até eles reclamam da desigualdade é pq essa perspectiva tá hegemônica, né?)

thuin disse...

Bem, eles sabem o que acontece com os comedores de brioche eventualmente. E não adianta jogar golfe com os servos.