Pesquisar este blog

24.10.12

Os muitos genocídios guaranis-kaiowá

Os índios brasileiros vêm sendo vítimas de genocídio há - pelo menos - 400 anos. Digo 400, não 500, porque o primeiro grande ato de genocídio europeu nas américas, através da transmissão das doenças euro-afro-asiáticas, foi involuntário. O segundo, longe das terras tupiniquins, foi bem voluntário, a extinção dos taínos pela família Colombo. No século XIX, o romantismo levou a que muitas famílias da aristocracia brasileira ganhassem nomes aludindo a índios - é o caso de um certo ex-candidato a vice-presidente - mas essa simpatia era por índios mantidos num passado mítico, equivalentes nativos dos teutônicos que povoavam, na mesma época, as fantasias de Wagner. Os índios de verdade, vivos, continuaram a ser mortos em profusão; ainda havia matas e índios em boa parte da superfície dos estados do Sul e Sudeste até os anos 1930.

Essa ligação entre matas e índios ajudou, na crista da onda do ecologismo dos anos 80, a solidificar a noção dos direitos à terra dos índios e outras populações tradicionais, no Brasil e no mundo. Não diminuiu a pressão contra em nenhum momento, mas houve passos importantes, como a homologação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, face a uma quase rebelião do governo do estado de Roraima, no Brasil, ou a conquista do imenso e gélido território de Nunavut pelos inuit. Foram ganhos em face de um genocídio cotidiano. Sim, cotidiano: o aumento das populações índigenas como um todo no Brasil na última década esconde em si um sem-número de grupos que foram sendo extintos, à custa de requintes de violência física e social. É um genocídio cotidiano, que gera bem pouca atenção e atende interesses de fazendeiros, mineradoras, empreiteiras, e governos. Em parte para testar essa visibilidade, está aí a hidrelétrica de Belo Monte, próxima da reserva indígena mais famosa do Brasil, que não me deixa mentir. Se o resultado tivesse sido protesto em massa, o resto do projeto de aménagement da Amazônia teria sido congelado; como foi a indiferença maciça, vai avançando. E o projeto amazônico, em que conluiam governo e agronegócio, é parte de uma contrainvestida maior, em que herdeiros da guerra fria de ambos os lados se unem contra o inimigo maior que é a natureza e os povos tradicionais, que não cabem nas utopias totalizantes. Depois podem discutir se a utopia de toga branca será capitalista ou socialista; urge que antes ela seja de engenheiros.

Neste momento, felizmente, uma instância específica desse genocídio - a morte dos guarani-kaiowá, cujas terras são invadidas por fazendeiros, assim como o são as terras de grupos próximos - ganhou bem mais visibilidade, basicamente graças a um feliz mal-entendido vagamente racista. Explico-me: o manifesto dos guaranis-kaiowás alertando para sua breve extinção, resultado natural de resistir até o fim, foi confundido, nas redes virtuais, principalmente a partir do artigo de Eliane Brum na Época que falava em "declaração de morte," como uma disposição para o suicídio coletivo como ato de protesto. O inaudito de um tal protesto chamou a atenção, e foi explicado pela diferença da "cultura índia" e reforçado pela realidade dos altos índices de suicídio na reserva (e em reservas tradicionais oprimidas mundo afora). Com uma pequena ajuda de quem viu no caso uma cause cèlebre antipetista, apesar da reserva ter sido homologada por Lula e proibida por Gilmar Mendes, com o processo parado, ou antes andando a passo de jabuti, no STF desde então.

Sim, felizmente. Se é verdade que Dilma não é atriz principal, como se lhe quer atribuir, deste drama específico, o é dos muitos dramas no entorno da Volta Grande do Xingu, e pretende ser de muitos outros ainda Amazônia afora. E muita gente de poder bem mais sólido que o dela também. Os muitos xingamentos no twitter, desta vez, podem não dar em nada, mas talvez sejam o embrião de alguma coisa.

Nenhum comentário: