Uma das curiosidades que cresceram a partir do modelo elétrico brasileiro (instaurado pelas privatizações de FHC, modificado pela Dilma enquanto era ministra das minas e energia) é que hoje a energia mais cara de todas, a solar, é a mais barata em metade do território nacional. Explicando: o preço de instalação da usina é só parte - no Brasil, a menor parte - do custo da eletricidade; há ainda os custos de transmissão até a cidade aonde se consume, e de distribuição dentro da cidade. E, bem, a energia solar, ao contrário, é consumida in loco - ou vendida pelo consumidor à distribuidora, pelo preço desta. (Por lei - para as distribuidoras, faria mais sentido dar um bom desconto nesse preço.) Assim, o preço da energia solar, de 600R$ por Mwh, é entre seis e nove vezes maior do que o de uma hidrelétrica, mas inferior ao preço que conta, que é o cobrado pela Light, Cemig, Eletropaulo, ou quem seja.
A notícia é ótima, sem sombra de dúvida. Significa que, com um pouco mais de investimento e propaganda (melhor ainda se tivesse financiamentos subsidiados do BNDES que nem Belo Monte), poderíamos instalar dezenas de GW de energia solar Brasil afora. A Alemanha, que tem um potencial de energia solar de literalmente um trigésimo do brasileiro (comparem os respectivos mapas solares), já tem 24Gw instalados, gerando 18Twh por ano - quase o dobro e um quinto, respectivamente, da potência e da produção de Itaipu. Não é difícil imaginar o Brasil, só em tetos de casas e comércios, gerando pelo menos o quádruplo disso, a um custo total relativamente baixo. E energia solar não desmata nem mata índios.
Pera, pera. Quase o dobro e quase um quinto? Que conta é essa? Pois é, esse é o problema da energia solar. Ela, afinal de contas, não gera a plena carga a não ser ao meio-dia, e nós utilizamos energia elétrica, que não pode ser armazenada mas tem que ser gerada na hora, o dia inteiro (e à noite), e não apenas ao meio-dia. A mesma Alemanha mencionada anunciou orgulhosa que a energia solar gerou 40% da energia do país... durante 15 minutos, numa tarde de verão. Não serve exatamente para sustentar o computador em que você lê este blogue, a não ser que você tenha corrido para carregar o notebook nesses quinze minutos. No resto do tempo, a Alemanha aumentou a produção de térmicas e a importação de energia.
Não que para a Alemanha seja um mau negócio. Afinal, com energia térmica, gasta-se combustível; energia solar complementa bem uma usina térmica, reduzindo a necessidade desta para o exato complemento da solar. Economiza-se, assim, digamos, um terço do combustível - mas a capacidade instalada de térmicas flexíveis ou hidrelétricas com reservatório tem que subir acompanhando a solar. A energia solar, portanto, não deixa de ser, no total das coisas, uma forma de ganho de eficiência para as térmicas e hídricas, e não uma forma de energia independente. Teríamos 96GW instalados - quase o total de energia de todas as origens instalada no Brasil - mas essas outras origens continuariam tendo que operar à noite e nos dias nublados.
Para quem gostaria que a tecnologia apontasse o caminho para se conciliar a vontade de que todos tivessem acesso à tecnologia (principalmente à internet) com a ojeriza às alternativas barragistas, nucleares, ou fósseis, é uma ducha de água fria. Sem alguma forma desconhecida de armazenamento, a instalação de energia solar é um ganho de eficiência, só - necessário, mas insuficiente. E falando em ducha, tem algo ainda mais barato que a energia solar fotovoltaica, e que pode sim substituir a construção de umas duas Belos Montes: o aquecimento solar de água.
O chuveiro solar, afinal de contas, ao contrário da energia elétrica solar, tem uma bateria de baixo custo chamada caixa d'água; não sabemos armazenar energia elétrica barato, mas calor é fácil. E a energia gasta por chuveiros elétricos não é pouca coisa, e é consumida justamente em picos ao longo do dia - isso é, se trata da energia mais cara e necessária, aquela que demandaria a construção de novas usinas. Se for substituída por chuveiros solares, não se terá gerado um uóti a mais - mas a utilidade será a mesma, com 25GW a menos sendo gastos, e portanto liberados para outros usos. Claro que aí necessitaria-se convencer as pessoas a pensar em termos de utilidades e economias mais do que no da necessidade infinita de aumento de qualquer coisa.
O gasto para prover cada residência no Brasil com chuveiros solares seria de mais ou menos 20 bilhões de reais. Uns dois terços do dinheiro público que entrará em Belo Monte. Sem contar os gastos extras, como Força Nacional pra bater em índio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário