Uma das particularidades do segundo maior orçamento militar do hemisfério ocidental é a de o quanto dele é gasto em regiões metropolitanas, comparado com o primeiro. Enquanto os "army brats" americanos são criados em regiões longínquas no deserto do Novo México, ou em ilhas do Pacífico, é mais comum seus equivalentes brasileiros conhecerem as capitais de estados ricos ou estações de veraneio. Não é muito estranho de se explicar: o exército brasileiro servia para reprimir o povo, mais do que inimigos externos; assim, teve de se instalar aonde o povo está, por supuesto. Hoje em dia, entretanto, essas imensas áreas são um desperdício tanto para as cidades em que estão quanto para as próprias forças armadas. Claro que um oficial vai adorar ser postado (e ganhar apartamento digrátish) no Leme ou na Urca, bairros nobres do Rio de Janeiro, mas para as atividades de treinamento e operacional será que um quartel dos fuzileiros sem cais é uma boa? O que dizer de um campo de treinamento de artilharia cujo comprimento é inferior ao alcance de um morteiro, cercado de casas de todos os lados? Um depósito de material sem ligação com rodovias? Um quartel da Polícia do Exército que é a única instalação militar no bairro? E por aí em diante.
À inércia das instalações mantidas em locais que já fizeram sentido no passado, soma-se a inércia das instituições. As forças armadas brasileiras preservam, por exemplo, estados-maiores separados para cada Arma (com suas respectivas escolas). É toda uma burocracia desnecessária que, acontecesse alguma situação de guerra real, só ficaria no caminho - assim como a maioria dos recrutas, já que na guerra moderna um recruta mal treinado não vale um vigésimo de um soldado profissional. Uma reorganização das forças armadas, diminuindo o efetivo (e principalmente o efetivo do oficialato - hoje, a razão é de um oficial para cada dez praças, nestes incluídos os sargentos) e acabando com o alistamento militar obrigatório, aumentaria imensamente a capacidade bélica brasileira, diminuindo o dinheiro gasto (63bn por ano, atualmente). Além disso, liberaria vastas áreas para serem ocupadas pelas cidades - fosse para transformação em equipamentos públicos, fosse para a União faturar uns cobres. E não seriam poucos cobres - só os quartéis da orla carioca e aqueles próximos ao parque do Ibirapuera - estes representam quase metade da área mais valorizada de um bairro burguês, sem nenhuma utilidade estratégica ou operacional fora a proximidade do clube de oficiais - dariam uns bons 5 bilhões, pelo menos.
As maiores áreas que se beneficiariam com isso que eu conheço estão na zona norte do Rio, em que o prefeito acaba de anunciar a criação do segundo maior parque da cidade - com míseros 100.000m2. Enquanto isso, o campo do Gericinó é o tal campo de artilharia em que não cabe artilharia, mas tem uns bons 4km2. E no complexo dos Afonsos, apertado para um quartel de paraquedistas, cabem um parque do tamanho do Aterro do Flamengo mais uma data de conjuntos habitacionais; a Zona Norte poderia deixar de ser patinho feio, praticamente de uma canetada, e o Rio merecer um pouco mais o título de patrimônio da humanidade. E paraquedistas e artilheiros, relocados para quartéis no interior com muito mais área e custos menores, só teriam a lucrar. Para dar uma idéia da diferença de área disponível entre terrenos abraçados e apertados pelas metrópoles e os terrenos disponíveis (e já de posse das forças armadas) mesmo em cidades menores próximas, a AMAN, em Resende, onde os novos oficiais do Exército continuam sendo ensinados a admirar os golpistas de 64, tem literalmente dezenas de quilômetros quadrados livres. Todas as instalações do exército do Rio de Janeiro E São Paulo caberiam lá com folga, apenas na parte baixa e sem mato.
PS Infelizmente os círculos militares, clubes de oficiais localizados invariavelmente no maior filé possível imobiliário, não poderiam fazer parte dessa reforma agrária, já que não são, oficialmente, patrimônio do governo, mas dos oficiais. Foram doados.
Um comentário:
"Uma das particularidades do segundo maior orçamento militar do hemisfério ocidental é a de o quanto dele é gasto em regiões metropolitanas, comparado com o segundo."
Você quis dizer "comparado com o primeiro", não?
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