O Big Brother Brasil ganhou por breve tempo um concorrente de audiência: a expulsão dos seis a nove mil moradores da favela Pinheirinho, em San José Ocampo, levada a cabo por dois mil policiais, mil integrantes da guarda civil, uns 200 cachorros, e 600 cavalos. Isso antes da Rota chegar da capital.
As cenas são dantescas: casas pegando fogo, balas de borracha na cabeça, idosos com AVC jogados no pátio dum abrigo improvisado, pulseirinhas para identificar fora do abrigo os moradores da comunidade(não se sabe se nelas estava escrito "Jude"), gás jogado em gente já confinada. Não se sabe exatamente (as declarações oficiais não inspiram confiança) se houve mortes. Moradores foram impedidos de retirar seus pertences, incluídos os documentos.
O processo foi confuso e antidemocrático: a justiça paulista determinou a desocupação sem que o caso estivesse bem explicado, a justiça federal ordenou que isso fosse sustado. O governador tomou para si a competência, que é do STJ, de entre duas ordens conflitantes escolher a que mais lhe convinha; não importa que o STJ depois tivesse confirmado a decisão - em desacordo com súmula vinculante anteriormente emitida pelo mesmo STJ sobre a questão do conflito entre a justiça federal e a estadual.
As entrelinhas são suspeitas: os beneficiários da ação de desocupação são a própria prefeitura da cidade, que ao invés de pensar em solução de moradia para os favelados incitou a xenofobia contra eles ao dizer que eram "estrangeiros," e o "investidor" (como tem sido chamado nos jornais) Naji Nahas. Este vem a ser, caso alguém pergunte, dos maiores estelionatários da história do Brasil, responsável sozinho pela quebra da Bolsa do Rio de Janeiro, que foi de metade do mercado brasileiro de ações para traço em um ano. Há indícios de que o terreno pode na verdade ser do estado, e ter sido simplesmente grilado pelo "investidor."
Mas com tudo isso, Pinheirinhos é excepcional? Só em grau, e mesmo assim não tanto quanto se gostaria; a notoriedade vem mais da (acidental ou não) bem feita ação de propaganda dos moradores, que ganharam notícia de jornal pelo insólito de se armarem em "exército de Brancaleone" (foi a alcunha mais comum) para resistir à polícia. Desocupações pelo batalhão choque de favelas e outras áreas de moradia, algumas com posse formal da terra, são comuns, ousaria dizer diárias no Brasil inteiro. Com requintes de crueldade em muitos casos. São, até, mais notórias no exterior do que no Brasil; fotos de moradores andrajosos na frente de paredes de escudos policiais são presença rotineira em listas das melhores fotos jornalísticas do ano. O Brasil, para os mais pobres, é mais violento e arbitrário, tem menos direitos humanos, do que a URSS no período pós- ou pré-Stalin.
A banalidade do mal é sua regra; ele é burocrático e sem graça, como alertava Hannah Arendt, mas também é banal por cotidiano e recorrente. Nesse lodaçal, governo federal não teve participação direta nos acontecimentos, dessa vez (vejamos quando algum lugar no Rio for desocupado "para as Olimpíadas"), mas ao lavar suas mãos do caso, com a simbólica aprovação que provavelmente será dada pela presença de Dilma na festa do aniversário da capital, ajuda a impedir que um dia essa situação mude. Não que as forças conservadoras que assim são ajudadas por um governo dito de esquerda vão em algum momento agradecer a ajuda. Cría cuervos, que te comen los ojos.
2 comentários:
Nunca ouvi falar de presidente de Tribunal ir pessoalmente "acompanhar" cumprimento de ordem judicial - que, como já explicado, devia estar suspensa.
Você viu isso:
http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/dilma-define-a%C3%A7%C3%A3o-da-pm-no-pinheirinho-como-barb%C3%A1rie
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