Pesquisar este blog

7.12.04

Solo la Izquierda, como la censura.

A esquerda latinoamericana, vista da Argentina :

Durante dez meses, entre dezembro de 1999 e outubro 2000, o historiador Carlos Alberto "Chacho" Alvarez foi vice-presidente da Argentina, eleito pela frente partidária Frepaso em coligação com Fernando De la Rúa, um conservador da centrista União Cívica Radical. Foi o mais alto posto ocupado por um político de esquerda naquele país, onde as correntes ditas "progressistas" sempre foram mais fracas do que em todos os países vizinhos, com exceção do Paraguai. Foi uma experiência aliancista que tornou-se o símbolo de um desastre: denunciando um esquema de compra de votos no Senado para aprovar a flexibilização da legislação trabalhista, Alvarez renunciou. Um ano e dois meses depois, foi a vez de De la Rúa fazer o mesmo, em meio a um verdadeiro levante popular.

Depois da eleição de Lula no Brasil e Néstor Kirchner na Argentina, Chacho começou a sair do ostracismo. Montou um "think tank", chamado Centro de Estudos Políticos e Sociais e lançou um livro comparando os dois presidentes. Sua conclusão é que o dirigente brasileiro poderia ter sucesso onde De la Rúa falhou: desenvolver uma política ortodoxa que proporcionasse crescimento sustentado. O historiador esteve no Brasil, para participar da conferência promovida pelo Pnud em Brasília, onde concedeu a seguinte entrevista ao Valor:

Valor: No Brasil, há uma comparação muito freqüente entre Lula e Kirchner, de que Kirchner seria um dirigente com posições políticas e econômicas mais fortes que Lula no cenário interno. O sr. concorda?

Chacho Alvarez De maneira alguma. Os países vêm de situações políticas distintas. Argentina vem do défault e está renegociando a dívida e Lula chegou ao governo e esteve obrigado a desenvolver uma política para justamente evitar que o Brasil caia em défault e melhorar a confiança externa do Brasil. As políticas para enfrentar situações diferentes são diferentes.

Valor: Como Lula conseguiu superar o impasse que não foi vencido na Argentina?

Alvarez Lula está tentando consolidar uma plataforma mais sólida para o crescimento, assegurando fontes de financiamento para a economia. E estamos vendo agora o crescimento do Brasil no último trimestre, que indica o êxito da estratégia. O desafio é ampliar a base de crescimento. Com um crescimento sustentado na média de 3%, não haverá geração de empregos. No caso da Argentina, nossa economia tem que crescer, no mínimo, 5% em bases sustentadas. Este crescimento só se dará com regras claras e aceitáveis para os investidores. Se não, não haverá ingresso de capital.

Valor: Ou seja, se trocássemos os presidentes Lula e Kirchner, teríamos as mesmas políticas executadas em ambos os países?

Alvarez Os dois governos têm que garantir as contas fiscais, a saúde das finanças públicas, o superávit fiscal e as bases para um crescimento sustentado da economia. Esta estratégia os dois presidentes as têm clara, como Tabaré Vazques no Uruguai também a terá clara, e como Ricardo Lagos já faz o mesmo no Chile. Ser presidente de esquerda não quer dizer mais que não se tenha que dar conta de determinadas políticas macroeconômicas, que não são mais de esquerda ou de direita. Não têm um signo ideológico.

Valor: Isto não pode afastar a esquerda democrática dos movimentos sociais?

Alvarez A esquerda deveria rever sua postura quando ainda está na oposição. Porque em vários países, a esquerda adota uma certa facilidade discursiva e quando chega ao governo constata que precisa remontar situações e necessita de utilizar instrumentos que não estavam na sua agenda. Isto também se passa com Kirchner. Isto gera mal-estar nos movimentos sociais, que têm demandas que não podem ser atendidas a curto prazo. O sucesso político do governo dependerá da capacidade de liderança do presidente, da força do partido que o sustenta e dos resultados da política econômica que está aplicando. A eficácia desta política se mede com o crescimento. Na Argentina, em 1999, quando chegamos ao poder, aplicamos uma receita dura, porque tínhamos US$ 10 bilhões de déficit fiscal. A receita dura não funcionou, o país continuou na recessão. Aumentamos a carga tributária para melhorar a arrecadação, mas as críticas que recebemos não foram pela política que desenvolvemos, mas pela falta de resultados.

Valor: Em 2002, na eleição de Lula, o fracasso do governo De la Rúa foi um tema recorrente durante a campanha eleitoral. Na Argentina, de que maneira o governo Lula torna-se objeto de debates na classe política?

Alvarez Em primeiro lugar, do resultado final do governo Lula no Brasil dependerá o futuro da esquerda democrática na América Latina. Em nenhum outro país a esquerda está sendo posta à prova como no Brasil. Lula comanda um governo em que a esquerda tem hegemonia, o que não é o caso de outros governos de coalizão, como o do Chile. Na Venezuela, no Equador, os presidentes não estão amparados por um partido de esquerda democrática com tradição. Tudo isto em um país com o peso do Brasil. A expectativa que Lula despertou, mesmo em outros continentes, é extraordinária. Portanto todos os dias torcemos para que Lula se saia bem. Na esquerda argentina, o governo Lula gera um debate em surdina, já que a política de Lula surpreendeu a muitos, mas não há discussão pública.

Valor: Kirchner e Lula agora já possuem condições de retomar a agenda das esquerdas no âmbito administrativo, ou a agenda do mercado financeiro ainda se impõe?

Alvarez Novamente, há uma diferença de situações. Na Argentina, o acordo com o FMI, que traz uma agenda de compromissos a cumprir, está suspenso até que se conclua a renegociação da dívida. Enquanto isso, Kirchner está executando uma agenda de transformação no campo dos direitos humanos, no combate à criminalidade e no campo das reformas institucionais. Começa a rever os valores de pensões e aposentadorias. Negociou com empresários e trabalhadores um aumento do salário mínimo. Dentro de limites, há como agir. Não estamos capturados pela agenda que a questão da dívida impõe.

Nenhum comentário: