Começando por baixo: o sistema de licenciamento e fiscalização ambiental no Brasil é, obviamente, longe de hiper estrito como frequentemente alegado, bastante leniente. Ou melhor: é esquizofrênico. Faz, em teoria, demandas até estritas, mas a falta de fiscalização (e inclusive de pessoal técnico para fiscalizar) significa, na prática, uma leniência extrema. E frequentemente ele é sensível aos argumentos da opção de saída, do "você não pode paralisar uma atividade que gera empregos." Ora, pode sim, se ela é ilegal. Por esse argumento, a polícia não poderia estourar uma boca de fumo. O que não significa sair fechando empresas a torto e a direito, mas significa, sim, parar qualquer coisa que represente risco inaceitável à população. No momento, estão em curso mais de uma tentativa de tornar esse sistema ainda mais fraco. Uma delas é o novo código mineiro, de interesse das mineradoras, inacreditavelmente defendido, entre outros, por Eduardo Cunha e Aécio neves usando como argumento o desastre da Samarco.
Outra questão - passando da morte do Rio Doce pra morte do Xingu - é a conduta, tanto ao nível da legislação quanto ao da elaboração dos editais, do governo no que tange à implantação de obras de infraestrutura, especialmente as de eletricidade. Com a paranóia dupla da ameaça de faltar energia e da preocupação com a corrupção por empreiteiras, cronogramas curtos são estimulados, e não cumpri-los significa prejuízos maciços para as concessionárias. Pode ser isso, por exemplo, e não a mera cupidez irresponsável (sem descartar esta), que está fazendo com que o consórcio de Belo Monte esteja queimando as toras de sua área de desmate, ao invés de vendê-las. Toda represa hidrelétrica tem que desmatar a área que será morta pelas águas que sobem, caso contrário a vegetação, presa sob o lago, começa a gerar quantidades maciças de metano, resultando num lago morto e numa represa de energia renovável que emite mais gases de efeito estufa do que uma termelétrica do mesmo tamanho. No caso de Belo Monte, a floresta de transição amazônica que está sendo desmatada está coalhada de árvores nobres; florestas semelhantes são desmatadas para vender madeira o tempo todo. Mas a empresa, ilegalmente, porque o Ibama só autorizou a queimada de galhos e folhas, está queimando essa madeira ao invés disso. É só uma suposição, e com um bom planejamento provavelmente teria sido possível cumprir o cronograma e não queimar as toras, mas resta o fato de que a obsessão com resultados rápidos induz ao desleixo. O Estado, novamente, não é só omisso: ao demandar velocidade e ignorar o controle, é cúmplice.
Outra ainda: a legislação tributária brasileira, especificamente a lei Kandir - lei complementar 87 - não apenas não desestimula, como em diversos outros países, a exportação de produtos primários sem elaboração ou tratamento algum, como a estimula, isentando de impostos. E isenta a importação de bens de capital para a indústria mineradora. É isso mesmo: não apenas o Brasil permite a exploração maciça de minério como nem sequer ganha muito dinheiro com isso. As máquinas podem ser compradas alhures, os trabalhadores numa mina moderna são relativamente poucos, comparados à escala do empreendimento, não se paga imposto na exportação. E o problema ambiental disso é que, se não se paga imposto, e portanto o produto é muito barato de ser exportado como produto primário, não existe grande incentivo pra se maximizar a eficiência da mina. Por exemplo, tratando os rejeitos e recuperando a quantidade de ferro ainda bastante grande que existe neles, o que resultaria numa necessidade de barragens menor. O que seria uma boa, sem chegar a ser um bem puro e sem porém, solução definitiva: os rejeitos mais tratados seriam mais tóxicos. Os rejeitos (muito mais tóxicos ainda, por serem de outros metais que não o ferro) da mina Gold King, no Colorado, cuja barragem rebentou em agosto deste ano, eram insignificantes em quantidade comparados aos da Germano, mas por serem mais tóxicos causaram um dano ambiental bastante significativo. Enfim, é mais um exemplo de como a legislação, no Brasil, o papel do estado, é antes apoiar e estimular a exploração em larga escala e predatória de recursos naturais do que limitar e conduzir esse processo. O Estado é um agente, um servidor da empreitada colonial, mais do que um Príncipe.
Outra ainda: a legislação tributária brasileira, especificamente a lei Kandir - lei complementar 87 - não apenas não desestimula, como em diversos outros países, a exportação de produtos primários sem elaboração ou tratamento algum, como a estimula, isentando de impostos. E isenta a importação de bens de capital para a indústria mineradora. É isso mesmo: não apenas o Brasil permite a exploração maciça de minério como nem sequer ganha muito dinheiro com isso. As máquinas podem ser compradas alhures, os trabalhadores numa mina moderna são relativamente poucos, comparados à escala do empreendimento, não se paga imposto na exportação. E o problema ambiental disso é que, se não se paga imposto, e portanto o produto é muito barato de ser exportado como produto primário, não existe grande incentivo pra se maximizar a eficiência da mina. Por exemplo, tratando os rejeitos e recuperando a quantidade de ferro ainda bastante grande que existe neles, o que resultaria numa necessidade de barragens menor. O que seria uma boa, sem chegar a ser um bem puro e sem porém, solução definitiva: os rejeitos mais tratados seriam mais tóxicos. Os rejeitos (muito mais tóxicos ainda, por serem de outros metais que não o ferro) da mina Gold King, no Colorado, cuja barragem rebentou em agosto deste ano, eram insignificantes em quantidade comparados aos da Germano, mas por serem mais tóxicos causaram um dano ambiental bastante significativo. Enfim, é mais um exemplo de como a legislação, no Brasil, o papel do estado, é antes apoiar e estimular a exploração em larga escala e predatória de recursos naturais do que limitar e conduzir esse processo. O Estado é um agente, um servidor da empreitada colonial, mais do que um Príncipe.
Nem podia deixar de ser assim, dada a concentração de poder econômico existente no Brasil. Não só econômico - ortodoxias, ainda que radicais, predominam na maioria das áreas técnicas, cf. a manutenção dos juros punitivos pra impedir uma inflação que não é de demanda, há já umas duas décadas. Mas falemos do econômico: quando foi privatizada, a Vale do Rio Doce respondia por uma proporção bem menor da produção de minério de Minas Gerais do que hoje, quando a empresa e a economia de Minas se confundem. Foi absorvendo as concorrentes, cevada a créditos do BNDES (e à própria geração de caixa monstruosa, com a compra a preço camarada dos ativos durante a privatização), e sob um olhar benevolente do Cade. A ideologia de que devemos incentivar grandes empresas foi mais plenamente articulada sob a presidência de Lessa no BNDES, mas veio antes dele (a Ambev foi formada, com o beneplácito do banco de desenvolvimento, ainda sob FH) e sobreviveu à sua exoneração. Essa concentração de poder em uns quantos grupos empresariais significa, por sua vez, que o próprio Estado é vulnerável, por canais lícitos ou não, à sua pressão. Que governador cassaria a licença ambiental da Vale, com o ônus econômico que isso significa? E, claro, à medida que se desce as esferas de governo, a pressão vai ficando mais forte. O Estado brasileiro de que os médios e pequenos empresários reclamam é antes uma mãe para os grandes. Seria necessário, para melhorar não apenas as condições socioambientais de exploração mas a própria economia, reverter essa idéia de incentivo à formação de chaebols ou zaibatsus, e pelo contrário, começar a quebrar trustes. Até porque, convenhamos, se é pra fazer alguma comparação histórica, o Brasil se parece mais com os EUA do século XIX do que com o Japão e a Coréia do pós-guerra, em todos os sentidos.
Um Sherman Act brasileiro pode não ser uma utopia. Mas que ajudaria, ajudaria.