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6.11.15

A realidade não é verossímil I - A Maupin: o que os três mosqueteiros queriam ser quando crescessem

A idéia desta série não é falar de pessoas excepcionais, cuja vida daria um filme. É falar de gente que, se fosse personagem de cinema, seria considerada um bando de apelão. Das pessoas que fizeram de verdade coisas que você, vendo na tela, falaria “ah vá.” Enfim, daquele povo que fez a ficha no RPG da vida roubando muito, roubando forte, roubando rude. A primeira delas é uma mulher do século XVII que era basicamente uma mistura do James Bond com o d’Artagnan, só que com mais mortes e sexo envolvidos. Bisexual. No século XVII. Não que hoje em dia seja bolinho ser bi, mas imagina no século XVII.

Com vocês, a incomparável Maupin. (Sim, eu sei que falar “incomparável” é coisa de locutor de circo, mas lê que cê entende.)
Maupin by Beardsley






Julie D'Aubigny, aka Julie Maupin, aka La Maupin, era o que o D'Artagnan queria ser quando crescer. O gênero de capa-e-espada não é tão popular quanto já foi um dia, e os espadões medievais parece que substituíram os floretes, então não sei o quanto a referência faz sentido pra muita gente, mas... talvez lembrem do Dartacão. Enfim. Julie Maupin nasceu filha de um secretário do Conde de Armagnac em 1670 e morreu em 1707. Nesses 37 anos, foi espadachim, cantora de ópera, aventureira, e duelista profissional. Entre outras coisas.


O que é um duelista profissional?


É alguém que, quando você desafia um sujeito casca-grossa para um duelo até a morte, pode contratar para ir no seu lugar. Não é exatamente uma profissão segura... mas estamos pondo a carroça na frente dos bois. Julie D'Aubigny começou a ser diferente da maioria das mulheres abastadas da época, condenadas a uma vida acessória de bordados e fofocas, na infância - quando o velho Gaston D'Aubigny fez com que ela recebesse o mesmo tipo de educação que os meninos na casa do patrão, o conde de Armagnac, que era responsável pela educação dos pagens e escudeiros reais. O que quer dizer que a menina foi muito bem ensinada não apenas nas letras, matemática, e outros passatempos, mas também em coisas sérias: no labirinto de formalidades e informalidades rituais da Corte, na música, e a usar uma espada.


Aos quatorze ou quinze anos de idade - os relatos divergem - a menina seduziu o conde de Armagnac. Seduziu, é o que nos dizem, não "foi seduzida." E não, apesar de na época isso já ser jovem e não "adolescente," não era normal dizer que uma menininha de quinze anos de idade seduziu um dos maiores figurões do reino. Enfim, tornados amantes, o conde arrumou um marido para dar respeitabilidade à moça, o tal Maupin, de quem não se fala mais muita coisa nesta estória, porque afinal a única função dele era dar um motivo pra Julie acompanhar seu amante.


O romance não durou muito, e Sêo Maupin foi mandado de volta para a província. Já a Julie não curtiu muito a idéia de seguir junto, preferiu continuar em Paris. Vivendo de bicos como aulas de esgrima e a tal duelagem profissional. E, pra se divertir, sair na rua arrumando confusão e mais duelos, porque a vida só vale a pena ser vivida quando tem alguém tentando enfiar um espeto afiado de um metro e meio na sua barriga. Nessa vida pacata, ela encontrou um novo par romântico; outro valentão de rua, chamado Sérannes. Perseguidos pela polícia (aliás pela polícia inteira e pelo comissário de polícia, pessoalmente), foram obrigados a correr de Paris pra Marselha - na época a polícia não era exatamente nacional. Não tinha banco de dados. Nem a justiça; uma pessoa era criminosa em Paris mas em Marselha era livre.


Em Marselha, sem grana, sem tantos fidalgos bundões pra pedir socorro num duelo, o casal pra viver fazia apresentações de duelos e musicais, e às vezes das duas coisas juntas. Foi nessa época que, durante um duelo encenado, um mané da platéia gritou que era mentira que aquela criatura, vestida de homem e manejando uma espada, fosse mulher mesmo. Julie na mesma hora arrancou a camisa, mostrando os peitos, considerados depois os mais bonitos da França. (Outra coisa que ainda não existia: silicone.) Como ela cantava realmente muito bem, passou da estalagem ao teatro e à academia de Marselha (recém criada). Pouco depois, anunciou à platéia que tinha se cansado do Sérannes, e dos homens em geral. Rapidamente arrumou uma patricinha loira (pra contrastar com a morenice dela e compor quadro, nas próprias palavras), cujos pais horrorizados mandaram prum convento em Avignon. Sem problema; a Maupin entrou ela também pra ordem religiosa das carmelitas descalças, arrumou o cadáver de uma freira recém-morta, pôs na cama da menina, e tacou fogo no convento. Com o incêndio, o cadáver queimado e carbonizado foi identificado como se fosse da loirinha. Depois desse começo épico, no entanto, o relacionamento parece não ter dado muito certo; poucos meses depois, a menina apareceu, rejeitada, chamada de tediosa, e abandonada, na casa dos pais. E de volta pro convento. Pelo menos era uma construção novinha em folha...


Com o testemunho da ex-namorada, e a animosidade dos pais influentes dela, a Maupin foi acusada de meio código penal e condenada pelo tribunal de Marselha. Nova fuga, de volta a Paris, cantando e fazendo acrobacia pelas tavernas e estalagens. Numa dessas, arrumou briga com um nobrezinho que se achava bom de espada e seus amigos; desarmou os três (não se sabe se fizeram fila ou foram derrotados juntos) e enfiou a espada no ombro do garoto; arrependida, foi no dia seguinte perguntar como ele estava; novo romance alucinado e curto (ele foi mandado pra guerra na Alemanha). Próximo! Foi um cantor de ópera, na próxima cidade, Ruão. Com a ajuda do primeiro ex, o conde de Armagnac, e porque o rei quando leu as acusações todas se divertiu pra cacete, conseguiu acabar com as condenações e voltar a Paris, virando cantora de ópera. (Sim, no palco ela usava roupa de mulher; também, reza a lenda, só precisava ler uma vez qualquer libreto.) Aqui para a conta de amantes, porque ela basicamente passou o rodo na Ópera, atores, atrizes, e patronos.


Como ninguém era de ferro, e apesar do salário de cantora de ópera, a Maupin continou a fazer bico de duelista. Como duelo depois de um tempo fica chato, ela se especializou em duelos au mouchoir, ao lenço. Duelo "ao lenço" significa o seguinte: cada duelista pega uma ponta de um lenço de linho, mais ou menos de meio metro, com a mão esquerda. Na direita, uma espada um pouco mais curta que o florete, mas tão afiada quanto. Parabéns, toma aqui teu atestado de doido, e quem largar o lenço ou morrer primeiro perde. O fato do rei se divertir com as aventuras da menina (e provavelmente querer muito ser foda que nem ela) salvou ela de ser presa por conta desse trampo, ou por conta da vez em que ela, num baile real, agarrou uma condessa e derrotou (não se sabe se matou; como o caso foi no Louvre, nem chegou a ir pro tribunal) os três pretendentes dela, que ficaram putos com a falta de vergonha. (E com o gosto amargo de chupar o próprio dedão). A justificativa do rei foi que a lei dos duelos proibia eles apenas aos homens, e ela era mulher.


Por via das dúvidas, a Maupin resolveu passear um pouco longe de Paris. Em andanças Europa acima e Europa abaixo, foi amante do eleitor da Bavária em Bruxelas, e quando ele, que era quem mandava no país (que ainda não se chamava Bélgica), resolveu terminar o namoro e ofereceu um saco de ouro como compensação, Julie não se fez de rogada: jogou-lhe o saco na cara (literalmente. Ouro é pesado. Dói.). Foi dama de companhia em Madri, e quando cansou da duquesa escrota fez-lhe um penteado com nabos na parte de trás, invisível ao espelho, sucesso absoluto entre os não-tão-amigos. Ameaçou de morte outra duquesa se se engraçasse com Albert (o nobrezinho dois parágrafos acima; ele morreu na guerra  antes que pudesse por em perigo a vida de uma bela dama, muito nobre da parte dele). E assim por diante, Europa afora, até morrer, aos 37 anos de idade, ainda cantora de ópera e espadachim. Provavelmente pra seduzir as anjinhas e cair na porrada com os querubins.


Quem quiser mais informações, tem nesses sites:


http://www.corrieweb.nl/amazon/historica8.htm
http://www.eldacur.com/~brons/Maupin/LaMaupin.html



Estatísticas de D&D: St 14 Dx 19 Co 16 Int 14 Wis 6 Cha 19

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