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28.1.11

Togas e torres de cristal

Um dos problemas que acometem a sociedade contemporânea é que ela se baseia em uma forma de conhecimento que a maioria das pessoas teria dificuldade em explicar. Não me refiro aos conhecimentos específicos - assim como aqueles de nós que não somos engenheiros químicos não entenderíamos o processo de fabricação de uma aspirina, uma bosquímana especializada na coleta nunca conseguiria desvendar o fabrico de uma armadilha feita por seu marido caçador. (O exemplo vem do livro de Sahlins, Stone Age Economics, em que ele nota a complexidade do conhecimento técnico da "idade da pedra.") Mas à própria forma como funciona a ciência, que é ensinada pouco na escola, que dá preferência ao aprendizado fatos específicos de alguns ramos do conhecimento. Assim, muita gente (talvez a maioria) é incapaz de distinguir entre ciência e qualquer forma de conhecimento ou mesmo de discurso, levando a tratar a ciência como alguma forma de religião.

Um exemplo do problemão que isso pode causar se dá, justamente, no "debate" sobre o aquecimento global antropogênico. Nele, qualquer divulgação de erro nas contas é tratada por aqueles que insistem em negar o A.G.A. como uma prova de que toda a teoria está errada. Como, não creio que seja exagero dizer, a refutação de um dogma. Ora, a ciência não funciona assim. Cientistas, politicagens acadêmicas à parte, não são como religiosos que proferem dogmas e os defendem; saber que se estava errado sobre algo só significa, bem, mais oportunidades de pesquisa. E nem estou falando só de cientistas naturais. Assim, quando uma análise do DNA de Tutancâmon foi feita, estabelecendo hipóteses sobre a sua ascendência e patologia, a grita havida foi em relação á confiabilidade dos métodos empregados, por outros arqueogeneticistas, e não pelos historiadores da arte que agora não poderiam mais chamar de simplesmente realistas os peitinhos e queixada da família de Akhenaten nas figuras do período.

Fazer entender a ciência como processo de inquisição e aprendizado, e não dogma, deveria ser uma prioridade de todo o sistema de ensino, se pretendemos incentivar a produção, e não apenas a reprodução, científica. Ao invés disso, "é porque é," ou sua variante dirigida a um público um pouco mais velho, "é porque X disse que é," são as atitudes mais comuns, e não apenas no Brasil. Isso pode funcionar na religião, até no direito (onde "fulano diz que é assim" tem um enorme peso, independente do argumento de fulano), mas na busca por mais conhecimento, é um enorme estorvo. E na própria formação de políticas públicas, em que a ciência é tão frequentemente invocada, ajudaria as pessoas a distinguir o joio do trigo.


PS - OK, confesso, o post foi escrito só para ter a oportunidade de apresentar os dois links acima.

PPS - O título é uma alusão a toda aquela literatura e filmes de ficção científica em que gente muito avançada usa togas brancas, mora em torres de cristal, e fala como sacerdotes da CIÊNCIA. Que, curiosamente, foi em boa parte produzida por cientistas praticantes.

Um comentário:

Anônimo disse...

A ciência pode até ser pouco ensinada na escola. Concordo. Mas o problemão mesmo é como se divulga nos grandes veículos de comunicação de massa.

E é exatamente no jogo comercial, ou de políticas públicas (será q nãosão muitas vezes confundidos propositalmente?)onde se dão os pulos do gato marqueteiro... transformam um remédio num produto milagroso... transformam comidas em vilãs... etc...

Fora que ainda nivelam debates que nao tem que ser nivelados... tipo chamar sempre "o outro lado" para debater... sendo que não existe nem comparação entre uma coisa e outra...