Abortado - mas não inteiramente - pela imensidão da tragédia na Região Serrana, o grande factóide do início do ano na nossa imprensa libre pero no mucho ameaçava ser a expedição de passaportes diplomáticos para Lula e sua família. Digo factóide porque a imprensa tratou isso, implicitamente nas manchetes e explicitamente em inúmeros editais, como uma prova de que Lula subvertia nossas nobres tradições republicanas, esgarçando as fronteiras entre o público e o privado e imprimindo um personalismo nefasto à política. O que soa bonito nos editoriais da Folha e d'O Globo, até você se lembrar que o exército protegeu a fazenda invadida do FHC, cujo genro era presidente da Petrobrás, e que aliás recebeu, junto com toda a família, passaporte diplomático quando deixou de ser presidente, assim como Itamar e Sarney antes dele.
Não é que não seja errado - eu acho que é, e que o cidadão que deixa o cargo deveria deixar imediatamente de auferir quaisquer vantagens dele. É que, ao contrário do que pinta a grande imprensa, é um errado no qual Lula é igual aos outros. (Que a imprensa esteja apenas dando vazão ao fígado fica claro com a "denúncia" de que Temer, vice-presidente na ativa, tenha pedido passaporte diplomático para a mulher e o filho pequeno. Como se eles devessem, quando o acompanham, pegar fila separada.) Um errado, aliás, que em muitos casos, como no da vitaliciedade do acesso aos planos de saúde para presidente e congressistas, está engastado na lei.
Fica particularmente aparente o jeito como o tratamento diferenciado para "ôtoridades" no Brasil é banal, ao menos quando se trata de ôtoridades sem anel de doutor nem sobrenome ilustre, no editorial da Folha assinado pelo ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, no qual ele, criticando acertadamente Lula por, já ex-presidente, passar férias em instalações do exército, comenta que "é como se eu agora quisesse passar férias no palácio de Campos do Jordão" - sem se dar conta do absurdo que é o governador de São Paulo possuir palácio de campo. Aliás, um não, um de verão e um de inverno, além do palácio de governo. Nem isso só existe em SP; no Rio também o governador tem à disposição uma trinca de palácios.
E nem são os governadores os piores perpetradores, coletivamente. Afinal, de contas, Lula não é Nelson Jobim para passar férias em base militar porque gosta de fardas. Nossas forças armadas, que estão na penúria quando o assunto é material de guerra ou logística, são em compensação, para dizer o mínimo, faustosas quando se trata do conforto do oficialato, entre as bases (clubes de campo) e os círculos militares (clubes urbanos).
Como sói acontecer, a grande mídia desencavou um problema grave brasileiro, e ignorou ele completamente graças à obsessão com o Lula-Stálin da cabeça deles.
PS Outro caso de mira pouco calibrada foi o de Elio Gaspari, que criticou (acertadamente) o fato de Dilma Rouseff e Sérgio Cabral terem falado em ocupação irregular quando visitaram as áreas afetadas pelos deslizamentos de terra, sem se dar conta de que todas as matérias em volta de sua coluna falavam a mesma besteira que os governantes.
PPS SP: Verão - Horto, Inverno - Campos, Bandeirantes. RJ: Trabalho - Guanabara, Residência - Laranjeiras, Verão - Brocoió.
PPPS Nem vamos comentar nada sobre a Tebas mineira erigida pelo Aecim. Vai ver é mania de mineiro.
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