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30.7.07

Parece um consenso a opinião de que Congonhas se tornou um problema devido à falta de planejamento. Noves fora que acho esse tipo de opinião uma baita duma superestimação dos limites do poder tecnocrático, o que me incomoda é que as mesmas pessoas que comentam isso só falam em saídas emergenciais pra crise, e não da necessidade de planejamento agora para o médio e longo prazo. Por exemplo: os aeroportos citados no post abaixo, ainda que fiquem de fora da solução de emergência para a explosão no transporte aéreo brasileiro, fatalmente se tornarão aeroportos servindo a cidade de São Paulo no médio prazo, já que Guarulhos é um local ruim e sem possibilidade de muita expansão. Por acaso a Infraero tá adquirindo terras no entorno deles, pra construir mais pistas e terminais? E em volta da Base aérea de Santa Cruz, no Rio (tá, o Galeão ainda tem espaço pra mais uma pista e três terminais, mas eventualmente lota)? Do aeroporto de Brasília? Tem algum programa pra dotar de instrumentação de pouso melhor Congonhas e o Santos Dumont (pra não falar do resto - no momento, só o Galeão e Brasília têm instrumentos de segunda geração, e nenhum de terceira)?
Claro, isso não é uma pergunta a ser feita só à Infraero. Espero que o tal ministério do Mangabeira Doido mude as coisas nesse sentido, mas, na língua dele, I hope, e não expect.


PS Chances do movimento Fora Lula amainar, quanto mais se desculpar, sabendo que o avião não caiu por obra e graça do Sapo Barbudo: 0%

25.7.07

O que é bom pra Odebrecht é bom pro Brasil

Já comentei sobre como só quem se beneficia com a opção pelas usinas do Madeira, ao invés de outras medidas de geração de energia, são as grandes empreiteiras. Outro exemplo de como o fascínio do concreto (por motivos ingênuos ou escusos) atinge o Brasil, e em especial os governos, é essa idéia de jerico de se fazer um novo aeroporto em São Paulo, que segundo o Valor já conta até com sugestões da ANAC sobre os possíveis sítios.
Vamos lá: a macrometrópole paulista, que se estende entre Santos, Campinas, e São José dos Campos, não apresenta nenhum local, num raio de mais de 150Km de Congonhas, que já não nascesse com os mesmos problemas deste. Além disso, qualquer aeroporto novo teria os mesmos problemas de acesso hoje enfrentados por quem tenta ir aos aeroportos de Guarulhos ou Viracopos.
Enquanto isso, dentro dessa macrometrópole JÁ EXISTEM dois aeroportos de grande porte (pensando só na pista), Viracopos (este com pista mais comprida que as de Guarulhos) e São José dos Campos, sem contar a base aérea de Santos, mais a possibilidade de se usar o Campo de Marte para jatos menores. A expansão desses aeroportos e ligação deles por trilho com o centro de SP custaria muito menos do que essa burrice de fazer aeroporto novo, e não só escaparia das complicações socioambientais concomitantes como ainda por cima representaria uma nova opção de transporte dentro da metrópole. Ainda por cima, no médio prazo, tanto S. José dos Campos quanto Viracopos poderiam ser paradas do TAV Rio - Campinas. (Parador: Central do Brasil, Galeão, Volta Redonda, S. José dos Campos, Guarulhos, Estação Central de São Paulo, Viracopos, Campinas. Expresso: Central do Brasil, São Paulo)

24.7.07

Palavrões II - Remembramento

Remembramento é o contrário de desmembramento, obviamente. É importante quando um lote urbano (digamos um quarteirão) que antes estava dividido entre vários imóveis e/ou terrenos é adquirido por um único proprietário, que o transforma num único imóvel. O exemplo mais óbvio é o dos condomínios de luxo "neoclássicos" que proliferam nos bairros de luxo de São Paulo.
A maioria das cidades tem algum tipo de regra quanto à possibilidade de remembramento de lotes, justamente por considerar que o lote-quarteirão, sem comércio nem saídas na rua, fora um único conjunto portão/guarita, esteriliza a mesma rua, eliminando a vida urbana que poderia acontecer lá. A rua entre dois condomínios enormes é simplesmente lugar de passagem; se a proporção delas se avolumar o bastante temos a situação em que a vida passa a acontecer, como no Plano-Piloto de Brasília, dentro dos shopping centers.
A especulação imobiliária, cada vez mais, nessa questão e em outras, começa a moldar a cidade à sua própria imagem e semelhança, destruindo o passado complicado e, ironicamente, criando uma cidade zonal mais perfeita do que qualquer uma que já tenha sido sonhada pelo CIAM, até porque, ao contrário de processos de especulação imobiliária do passado, transcende as fronteiras e condicionantes do espaço urbano até mais do que qualquer Haussman ou Lúcio Costa. O que leva a outro palavrão meio cabeludo - permeabilidade. Permeabilidade (que todo mundo deve fazer idéia do que seja) é importante porque é, de certa forma, o "chão" das relações urbanas. O espaço se constitui a partir de locais permeáveis, nem dos absolutamente abertos nem das paredes lisas. A alteração mínima da permeabilidade - digamos que um lote extenso tenha uma grade ou um muro, ou mesmo a transparência visual de uma grade - já afeta consideravelmente a percepção de um lugar.

20.7.07

A canga de bois do Brasil

Em Abril, tive a oportunidade de conhecer a pontinha de São Paulo, onde o Paranapanema deságua no Paraná. Uma das coisas que pensei, enquanto o carro me conduzia de Presidente Prudente a Presidente Epitácio (fora a quantidade de "Presidentes algumacoisa") foi que aquilo tinha um ar meio medievalesco. Parte por um efeito da natureza - nascido e criado ao lado da serra do mar, nunca tinha visto um grande rio de planície, como o Paraná. A natureza lá lembra muito, se você tirar as palmeiras, a estepe arbórea da Ucrânia, e dá quase pra imaginar uma druzhina de bogatyri saindo de um dos castelos.
Castelos? Isso mesmo, castelos. Porque os últimos governos de São Paulo, um pouco menos assassinos do que os do Rio, em compensação gostam muito mais de construir cadeias, e a justiça paulista tem alergia a penas alternativas. Então, ao longo da rodovia Raposo Tavares, a cada poucos quilômetros se erguia um presídio, como aqueles trechos do médio Danúbio que turistas gostam de visitar de bateau mouche.
E não é que as condições nesses castelos são mesmo dignas de uma masmorra medieval? Como nessa reportagem da Carta Maior:

Na última quarta-feira (18), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo reiterou na Justiça seu pedido de interdição da Penitenciária Feminina de Sant'Ana, que abriga atualmente cerca de 2.700 mulheres – a capacidade da unidade, maior da América Latina, é de 2.516 pessoas.

O pedido anterior, feito em maio, baseava-se na falta de médicos e medicamentos, na má qualidade da água e na infestação do espaço por ratos e pombos doentes. No entanto, mesmo ainda sem sentença definitiva sobre o pedido, a Defensoria Pública resolveu reiterá-lo com veemência, depois de tomar conhecimento da morte de uma detenta por leptospirose, no último dia 23 de junho. O novo documento já está com o juiz corregedor da Vara de Execuções Criminais (VEC), Cláudio Amaral.

18.7.07

Palavrões I - Sobrecarga Tóxica Total

STT (dos oceanos), ou TTO em inglês, é o termo referente a uma teoria pela qual a carga tóxica nos oceanos, e sua concentração em predadores superiores, é um processo que não apenas seguiria uma curva exponencial mas, a partir de dado ponto (por enquanto incognoscível), essa acumulação exponencial se aceleraria rápida e drásticamente. Isso é, num momento os oceanos estão mais ou menos normais (mas mesmo hoje em dia comer atum, tubarão ou peixe-espada já é um tanto arriscado), no dia seguinte tudo que pese mais de cinquenta quilos nos oceanos está boiando de barriga pra cima. E, claro, sem os predadores pra regular o ecossistema, em mais algumas semanas o oceano como um todo virou um deserto sem vida.
A hipótese, assustadora e catastrófica, é um caso extremo de como, cada vez mais, o mar que até recentemente era visto como infinito está sendo transformado por nós num verdadeiro "imenso sudário das águas." Um exemplo de menor porte (mas ainda gigantesco), quase desconhecido das pessoas em geral apesar da escala continental, são as zonas mortas sazonais próximas a áreas de grande concentração de fertilizantes (orgânicos ou químicos). Este ano, a previsão é de que a maior delas, a do Golfo do México, vai atingir um tamanho sem precedentes. Algo parecido com a área de Sergipe.

16.7.07

Contextos e mangas

Um dos problemas com a utilização de mapas e infográficos por jornais é que, bem, eles são frequentemente utilizados como um jeito de se dirigir ao "homer simpson," que seria mais fácil do que o texto corrido. Isso pode ser constatado pela associação deles com a "popularização" (mediocrização) do próprio texto jornalístico, e relaxamento da ética do jornal. Só que, ao contrário do que pelo visto se acha, mapas frequentemente requerem mais conhecimento do que está por trás deles, e não menos, do que textos, ao mesmo tempo que fazem com que o não-entendimento se torne menos claro.
Um exemplo está nos mapas publicados pelo Financial Times em seu especial sobre a escassez de água http://media.ft.com/cms/6ba9128e-32c7-11db-87ac-0000779e2340.swf . Olhando para eles sem imaginar, pelo menos, os mapas (cartogramas) de água doce utilizável e de população, não fica imediatamente óbvio, por exemplo, que a Austrália ser um grande exportador de água é algo quase insano.
A situação é análoga, de certa forma, ao uso pelas ciências humanas de termos correntes, desde os anos 30 e 40, resignificados, ao invés de palavras de jargão mais óbvias como reificação, Gesellschaftsgemeinschaft, ou Weltanschauung. Elas fazem com que as pessoas achem que entendem do que está se falando, enquanto o "jargão" numérico das ciências exatas é mais obviamente indecifrável (exceto quando transformado em gráficos, aí fica "fácil")
O grande problema dessa combinação entre a defasagem entre o conhecimento especializado e o conhecimento geral, de um lado, e a dificuldade em apreender essa defasagem, do outro, especialmente da parte de jornalistas, é que ela torna muito mais complicado "deixar que o leitor tire suas próprias conclusões." Por isso que eu, como não tenho nenhum bom nome jornalístico a zelar, e com toda a honestidade, digo o mesmo que disse sobre a agricultura australiana sobre o cultivo de flores e frutas irrigadas no Nordeste (uma das motivações principais para a transposição do São Francisco): é maluquice.

12.7.07

Flawless Victoly!

Uma das coisas que me assustam, no embate ideológico brasileiro e mundial, é a idéia do "pragmatismo." Não que eu seja contra o pragmatismo propriamente dito, antes pelo contrário. Me considero um resignado, poltrão, ou o termo que se queira usar pra alguém que desistiu de sonhar, politicamente. Et pourtant, o assunto de que falo é diferente: é a apresentação de determinada posição ideológica como realista ou pragmática, numa petição de princípio que, o que é pior, raramente é questionada. Exemplo principal no Brasil: a posição dos advogados dos "direitos humanos para humanos direitos" de que a situação de guerra (sem convenção de Genebra) é o único jeito de se enfrentar o tráfico de drogas. Isso não é uma posição realista ou pragmática, antes pelo contrário (como pode ser comprovado pela escalada da violência não-policial em seguida ao aumento da violência policial, ao longo das últimas décadas. Comprovadamente, a guerra e o extermínio não funcionam, mas a defesa delas foi aceita como a posição realista em oposição à posição moral, de defesa dos direitos humanos. Essa falsa dicotomia entre o moral e o pragmático se estende a diversos outros campos, no Brasil talvez mais do que em outros lugares. Vide também a política energética, que leva a outra reclamação minha sobre política, o papel da pinimba:
Apesar de muito se falar de princípios políticos, se ligando por afinidades lógicas ou eletivas, a verdade é que muitas vezes a filiação política é mais negativa, isto é, de oposição, do que positiva. Isso pode ser visto com muita força na oposição ao "ambientalismo" da parte de muita gente. Mesmo que as medidas "ecológicas" sejam mais baratas, gerem renda, etc etc etc, as pessoas são contra elas por definição. Tomemos as usinas do Rio Madeira, que acabaram de forçar inclusive a reformulação do próprio ministério do meio ambiente. Descontemos a posição da Odebrecht, que é "nós vamos encher a burra de grana." O que sobra? Uma obra caríssima, com um custo oculto adicional de 15bn (as linhas de transmissão) a ser coberto integralmente pelo governo, com externalidades desconhecidas e imprevisíveis, fora que sabemos que serão consideráveis. Que conservador ou liberal seria a favor de um troço desses, se não fosse a oportunidade de causar devastação ecológica num rio do tamanho do Mississípi, sabendo que daria pra poupar e gerar mais de três vezes a quantidade de energia envolvida, a um quinto do custo, com medidas como programa de distribuição de lâmpadas fluorescentes (em ruas e casas), atualização tecnológica de usinas antigas, reflorestamento de reservatórios, etc?