Ovos de páscoa é como os programadores chamam pedaços de código inscritos num programa que ficam escondidos, como ovinhos de páscoa procurados por crianças, até que soltam uma surpresa divertidinha. Achá-los é um prazer em si, e o seu interesse é menos função de alguma qualidade intrínseca do que de sua condição. A expressão "fan service" (assim, em inglês mesmo) denota algo parecido (parecido não quer dizer "mais ou menos o mesmo,´" só parecido), que é quando desenhos animados e revistinhas japoneses inserem detalhes (muitas vezes microscópicos) que serão reconhecidos pelos fãs, colecionados num prazer não completamente distinto do que move um colecionador de selos. Claro que esse prazer está longe de se restringir às categorias de nerds acima mencionadas - os filmes de Tarantino são um imenso fan service do começo ao fi- tá, mau exemplo de não-nerd.
"A vida secreta das palavras," filme que encerrou a Mostra São Paulo no cine-sesc, tem ovos de páscoa o bastante pra afogar um gordo, pelo menos pra mim. Se você quer assistir e não gosta que lhe contem a história antes, é melhor parar por aqui. O filme é um panfleto, e não deixa de ser óbvio em momento algum, como fica claro desde as cenas iniciais, em que só falta que alguém bata na cabeça do espectador dizendo "ELA É SURDA, PÔ," já que somos agraciados com um plano dos protetores auriculares sendo pegos na fábrica, menos o da protagonista, com ela trabalhando sem falar ao contrário das outras operárias, etc etc etc. Aliás, é um panfleto de alguém que, como eu, não consegue se ater ao tema principal, já que se aventura pela devastação ecológica causada pela indústria do petróleo, pela malaise pós-industrial, pela denúncia dos estereótipos quanto a homossexuais... mas o importante poderia ser resumido na frase de Hitler que é mencionada pela conselheira do IRCT: "Trinta anos depois, quem se recorda dos armênios"? A protagonista é sobrevivente de um horror que, mais que esquecido, já é até denunciado como "inventado" por gente que, horrorizada com a invasão do Iraque e afeita a generalismos, enfia a Bósnia no mesmo saco. (Não que, por sua vez, defenda a intervenção - como fica claro durante a cena das cicatrizes, em que os soldados da ONU-OTAN também são denunciados...)
Ah sim - o filme também é prova ao mesmo tempo de que se pode e não pode julgar uma obra pela capa, ou no caso pelo título. Entrei só por conta do mesmo - e se não me arrependi nem um pouco, por outro lado não tem nada a ver com palavras...
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