Em "Ascensão e queda das vanguardas novecentistas," Hobsbawm conclui, afinal, que todo aquele som e fúria produzido pelas vanguardas que pretendiam reinventar a arte havia significado nada. A verdadeira arte do século XX, se desenvolvendo em estúdios poeirentos mundo afora, passava longe dos artistas, era o cinema. Sempre é bom lembrar, o que o Hobsbawm não faz muito bem, que, paradoxalmente, a época de ouro de Hollywood também foi uma época em que (relativamente) sua importância no cinema mundial era restrita; países como o México, o Japão, a Alemanha e a França ainda produziam muito cinema comercial naquela época.
Hoje, se a declaração de irrelevância de Duchamps e Rothkos ainda soa chocante pra quem lida com arte, ninguém discute se o cinema é arte. Et pourtant, quando se fala em novos desenvolvimentos pra arte, de arte interativa, de novas possibilidades, ainda há quem pense num Bill Viola, no recém-defunto Nam June Paik, em alguma espécie de novo parangolé. Enquanto isso, em estúdios poeirentos mundo afora, os joguinhos de computador já passaram a marca dos 30 milhões de dólares na produção, e trezentas pessoas nos créditos.* Tudo quanto é crítico de cinema babou, à época, pela animação do longa "Final Fantasy: the Spirits Within" - pois bem, a animação dos joguinhos de mesmo nome é muito melhor que a do filme. (Os roteiros são a mesma bosta.)
Assim como os filmes no começo do século XX, os joguinhos do XXI já se dividiram em "comerciais" e "não comerciais." Há muitos joguinhos feitos por aí que pretendem explicitamente romper com a lógica dos gêneros estabelecidos de joguinho, especialmente com a obsessão porradística de muitos deles. Também há, já, produtos comerciais bastante sofisticados como obras narrativas, apesar de se ater a esses gêneros. Alguns deles até vendem! O RPG "Torment," em que apesar de entrar em brigas você tem a importância delas diminuída por simplesmente não poder morrer, com alusões filosóficas e a linguagem dos personagens baseada no rhyming cant dos malandros londrinos sob o rei Jorge, vendeu tanto quanto os outros da mesma "linha," baseada no D&D e dirigida a um mercado de massa de adolescentes (algo como 406º lugar na lista da Amazon hoje, sete anos depois).
O desgarramento da simples possibilidade técnica, claro, contrasta com a necessidade das grandes empresas que combinam produção de conteúdo e de meios, de imprimir um ritmo de crescimento ele mesmo crescente ao mercado. É mais fácil lidar com um relatório que diz que novos sistemas nos quais se investiu têm mais pixels, ciclos ou o que for do que com avaliações subjetivas; é mais fácil integrar o que não tem conteúdo com conteúdos estabelecidos; organizações de grande porte são, afinal, quase inerentemente conservadoras.
Mas tudo isso não quer dizer que os joguinhos como arte não evoluam, claro. O cinema também teve seus cinemascopes e companhia. Uma barreira maior é que, em contraste com o entusiasmo pelo cinema das vanguardas do começo do XX, a classe artística contemporânea é bem mais academicista e calcificada, o que faz com que não tenha incentivos (com exceções) a abraçar o meio; além disso, os joguinhos amadureceram muito rápido como diversão de crianças. Mesmo que hoje a maioria dos que os jogam sejam adultos, a impressão permanece. A maior respeitabilidade dedicada ao meio interativo parece ser na forma de websites, principalmente os relacionados a alguma outra forma de arte.
Talvez a distinção esteja no caráter privado do joguinho? A videoarte e a animação para vídeo nunca conseguiram status comparável ao cinema. A arte, para ser levada a sério, tem de ser coletiva? (O livro, no começo, também era. :p)
*Parte do aumento nos custos é culpa de, num caminho contrário ao trilhado pelo cinema com as câmeras, e agora os cinemas, digitais, os custos "técnicos" de joguinhos novos estarem aumentando; assim, para ser compatível com um Sony Playstation 3 um jogo gastará dez vezes mais do que gastava pra funcionar com o PS2, com um retorno incremental, se tanto, em qualidade.
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