E aqui vai a explicação de porque a frase do Dapieve sobre política e religião, apesar de usar a História como autoridade, não respeita a história.
Primeiro - como assim, "sempre que política e religião se misturaram"? A impressão, pela alusão a perseguições religiosas, é de que se está falando de uma perspectiva ampla, em que cairiam o Santo Ofício e as Cruzadas. Ora, isso é que nem falar das relações raciais no Egito faraônico. Um anacronismo sem sentido. Só se pode falar de "política e religião," como dois elementos separados, a partir do momento em que se desenvolve, no Ocidente, uma "esfera secular" - isso é, a partir do Iluminismo.
Vamos, então, restringir a interação de política e religião ao que se passou depois da primeira constituição prevendo a separação entre Igreja e Estado. Desde então, por mais que se deteste os Garotinhos e Dubyas, a impressão é de que os anti-religiosos causaram bastante mais dano que os religiosos. Da Kulturkampf ao Terror, dos massacres comunistas aos latifúndios latinoamericanos. Por outro lado, a influência mais danosa da religião (cristã, por supuesto) sobre a política foi exercida, não diretamente, mas pela influência da "moral" - isso é, não é necessário nenhum populista evangélico pra exercer a repressão em nome da religião. Nem as ligações reacionárias com a religião são questionadas como são as ligações populistas dos neo-evangélicos. Não que o conservadorismo (relativo) cristão, mesmo oficial, seja necessariamente um desastre - que o digam os países da Europa em que, durante os trinta anos do Milagre econômico, viram se alternar no poder socialistas e cristãos-democratas. Ou os "paraísos" social-democratas escandinavos, que têm Igrejas Luteranas Oficiais, cujo chefe é o chefe de Estado, e subvencionadas por impostos. (Tudo bem, se eles são paraísos ou não é outra estória...)
A separação absoluta entre Estado e Igreja continua sendo, como a liberdade de imprensa absoluta, um tema que só pode realmente ser discutido nas pátrias das revoluções burguesas, os EUA e a França(a segunda, só nos EUA). Em outros lugares, falar de populistas religiosos como se ferissem esse príncipio inviolável é falar de uma realidade americana, sem conhecer a própria. É como a piada de que, graças aos seriados policiais, a maior parte do mundo acha que, se for preso, vai receber os Miranda warnings. (You have the right to remain silent, anything you say...)
Então, se a mistura de religião com política não é necessariamente daninha, nem rara em outros políticos, porque as pessoas se fixam tanto nelas para criticar Bush e Little Boy? Tudo bem, os dois usam o poder para privilegiar suas respectivas igrejas. Mas o grosso do que fazem de ruim não tem porra nenhuma a ver com elas, nem o clientelismo é tão criticado em outros casos. Nem são particularmente afeitos à ciência ou à lógica, as pessoas que são contra o obscurantismo dos criacionistas - ou seja, defendem a ciência porque é a autoridade constituída, não por quaisquer razões claras. O que leva ao verdadeiro motivo do preconceito contra eles - eles são revolucionários. Vão contra o status quo, em muitos sentidos, e são, como os fascistas no segundo quartel do século XX, anti-intelectuais, e anti- a sociedade liberal burguesa, em geral. Estão fora do jogo como ele "deveria" ser jogado, e é isso, não o seu autoritarismo, corrupção ou incompetência, o que realmente incomoda. Vide a diferença de reação a eles e a personagens políticas igualmente desastrosas, como nosso querido FHC, ou Sua Majestade Maia, que não se vestiram no manto da religião evangélica. Ou a falta de horror quanto ao aumento dos poderes da polícia durante a presidência de Bill Clinton, nos EUA. Ou ao efetivo Estado de Polícia decretado na Grã-Bretanha por Tony Blair. Ou...
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