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30.11.12

Casando comidas

Não, não estou falando do feijão com arroz, muito menos do steak tartare com batata frita, mas de casar a produção dos alimentos, usando uma mesma área para todos. Um dos grandes problemas das monoculturas, em geral, é o quão suscetíveis elas são a pragas e doenças. Não existe uma única razão pela qual um mato vive feliz sem nenhuma aplicação de nada (bem, pelo menos até que uma espécie invasiva apareça), enquanto uma monocultura precisa de aplicações industriais de pesticidas para controlar pragas. Parte é por conta da homogeneidade genética; assim como o ser humano, as plantas e animais por ele domesticados são geneticamente pobres, principalmente os industriais. Parte, entretanto, é uma questão, digamos, semântica.

Assim, o problema da aplicação de pesticida não é que as pragas matariam necessariamente a cultura desejada, mas que não se quer que nada interfira com ela, proporcionando o máximo rendimento. Acima de tudo, controla-se o aparecimento de qualquer coisa que não seja o organismo sendo criado, porque "qualquer coisa" pode ser daninha, e é mais fácil eliminar qualquer coisa antes que ela cresça. O problema com isso é óbvio: como cada cultura, vegetal ou animal, ocupa um único nicho no ecossistema; com a monocultura mantém todos os outros nichos em aberto. Como a natureza, ao contrário da política brasileira, abomina o vácuo, a energia, e os poluentes, despendidos para manter esse monte de vácuos abertos é imenso - e sempre aparecem novas pragas para escapar da vigilância do agricultor.

A solução para o problema parece relativamente simples, mas é abominada pela agricultura industrial, até por significar, em geral, mais trabalho e menos possibilidade de mecanização: trata-se de preencher o máximo razoável de nichos ecológicos com espécies produtivas. Assim, desde priscas eras - OK, desde o século VIII, mais ou menos carpas são criadas em arrozais da China (e olhe que o arroz de campo molhado desenvolvido no sul da China é justamente o primeiro exemplo de monocultura, e talvez tenha sido o primeiro ou segundo grande vilão do aquecimento global, muito antes dos combustíveis fósseis); nas ésias, de Madagáscar ao Havaí, se cultiva coqueiro, bananeira, e abacaxi no mesmo espaço; o café é cultivado à sombra de árvores frutíferas; e por aí em diante. Para o sistema de grandes empresas, significa menor produtividade por hectare (às vezes, mas nem sempre), mas se você pensar do ponto de vista de produtividade líquida, contando a energia e o dinheiro despendidos pelo agricultor, invariavelmente é um sistema muito mais racional.

Assim, o projeto de consorciar tilápia e camarão mencionado na reportagem da Ciência Hoje não é particularmente revolucionário. O potencial de se utilizá-lo em larga escala, no entanto, é. Isso porque o Brasil tem, sabe-se lá por que motivo, uma Secretaria Especial da Pesca, visando a estimular a pesca e a aquicultura, apesar de nossos mares (que não são lá muito piscosos, com a exceção mal e mal de Santa Catarina e Pará) já sofrerem com a sobrepesca desde os anos 60. É como se tivéssemos uma Secretaria das Madeireiras, estimulando o desmatamento, já que a pesca não é senão caça de recursos naturais, como se ainda estivéssemos no paleolítico só que com navios fábrica, aviões batedores, redes literalmente quilométricas, e dinamite. Se se concentrasse unicamente na ainda incipiente aquicultura brasileira, e estimulasse projetos como esse, que além de economicamente práticos resultam em menos resíduos e poluição, a Secretaria da Pesca seria menos absurda.

OK, desde que não estimulasse a implantação, que já ocorre, de viveiros de camarão em áreas de mangue...

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